top of page

Artigo: 'O Estado deve ser responsabilizado a indenizar pessoas presas e posteriormente absolvidas: alcance do artigo 5o, LXXV, da CRFB'

Autor: David Pinter Cardoso

Juiz de Direito do TJMG Este artigo analisa o dever estatal de indenizar para casos em que há prisão de pessoas e sua posterior absolvição.

A jurisprudência majoritária é de que o artigo 5o, LXXV, da CRFB, determina a indenização tão somente em caso de erro judiciário, como se verá com mais detalhes.

Reputa-se equivocada esta interpretação. Serão explicitados os motivos para essa afirmação e, ao final, estipulados critérios que se reputam adequados para a indenização nessas situações.



         O artigo 5o, LXXV, da CRFB determina:

 

O estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.

 

Esse inciso está na encruzilhada de duas determinações constitucionais e legais.

Uma é a regra da irresponsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. Não há obrigação de indenizar, por exemplo, se uma decisão condena uma pessoa e, posteriormente, a jurisprudência muda em seu favor. Igualmente, em caso de ajuizamento de ações que são julgadas posteriormente improcedentes, como é ato legal e legítimo o exercício do direito de ação, não há punição em danos morais. Eventual penalidade neste tocante ocorre dentro do processo, com a punição da má-fé.

Por outro lado, há a regra geral de responsabilização objetiva do Estado em casos em que há dano e nexo causal, sem necessidade de comprovação de culpa.

O artigo 5o, LXXV, da CRFB, é um direito fundamental e abre uma clara exceção ao princípio da irresponsabilidade do Estado por atos jurisdicionais.

Todavia, como afirmado, há dúvidas sobre o alcance e aplicação desse dispositivo.

        Os requisitos para a prisão preventiva são diversos dos requisitos da condenação.

         Os requisitos da prisão preventiva estão dispostos no artigo 312 do CPP. Exige-se a necessidade de tutelar a ordem pública, econômica, por conveniência da instrução ou para garantir a aplicação da Lei Penal, quando houve prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.

         Embora a redação atual desse artigo seja de 2011, muito se discute sobre sua constitucionalidade, em face do princípio constitucional da presunção da inocência. Deixada essa importante discussão de lado, fato é que a jurisprudência determina que a prisão preventiva deve ser uma medida excepcional e fundamentada com a gravidade em concreto do delito.

         Já os requisitos da sentença condenatória são outros. Não há dispositivo no CPP que explique o necessário para um edito condenatório.

         Analisado o artigo 386 do CPP, com as causas de absolvição, a contrario sensu, pode-se chegar a algumas conclusões. O seu inciso V, por exemplo, trata como causa de absolvição “não existir prova de ter o réu concorrido para a infração legal”.

         É plenamente possível que, no momento da prisão preventiva haja indícios de autoria e, quando da sentença, não haja provas suficientes de autoria.

         Embora muito incipiente essa discussão no Brasil, a questão do standard probatório é muito discutida em outros países. Standard probatório é o mínimo de provas que se exige para a condenação. Nos EUA, por exemplo, exige-se para condenação criminal prova além de dúvida razoável, enquanto na área cível tão somente a evidência preponderante, critério menos severo.

         Cabe também menção às decisões do Tribunal de Júri. Não estão sujeitas ao princípio do livre convencimento motivado, como as dos juízes togados. Os jurados apenas respondem “SIM” e “NÃO” aos quesitos formulados, sem se manifestarem sobre sua decisão. Não obstante, em tese, devem seguir os mesmos parâmetros dos juízes togados, pois prestam juramento de decidir o caso segundo os ditames da lei, conforme determina o artigo 472 do CPP.

         Em virtude de tudo isso, pode-se chegar a duas conclusões em relação a casos em que houve prisão preventiva e o acusado foi posteriormente absolvido.

         A primeira é que se trata de ato legítimo e legal do Estado e, portanto, impassível de indenização. Nessa linha, apenas seria indenizável o ato no caso de “erro judiciário”, algo como uma má conduta, culpa ou dolo do juízo na decretação da prisão.

         A jurisprudência dominante é nesse sentido, conforme se depreende do excerto das seguintes ementas:

 

 (...) Ressalte-se que o inocentado eximiu-se de comprovar nos autos qualquer traço de dolo ou culpa na atuação dos magistrados ou mesmo de agentes ministeriais durante o decurso do processo. Logo, como na espécie não houve comportamento desidioso por parte dos juízos, mas tão somente dissensão hermenêutica acerca do tema, restando insatisfeito um dos pressupostos da responsabilidade civil subjetiva do Estado e, nesse sentido, viciada a alegação de erro judiciário. (STJ. AgInt no AREsp n. 1.692.532/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 30/6/2022.)

 

ADMINISTRATIVO. PRISÃO TEMPORÁRIA. LEGALIDADE RECONHECIDA NO TRIBUNAL DE ORIGEM. DANOS MORAIS. NÃO OCORRÊNCIA. PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVAS.

(...)

2. De fato, a prisão por erro judiciário ou permanência de preso em tempo superior ao determinado na sentença, de acordo com o art. 5°, LXXV, da CF, garante ao cidadão o direito a indenização. No entanto, não há como aferir, no âmbito do recurso especial, a ocorrência de erro judiciário, ou irregularidade na prisão.

(....)

(STJ. AgRg no AREsp n. 57.418/RS, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 22/11/2011, DJe de 25/11/2011.)

 

No Supremo Tribunal Federal há também julgados neste sentido e a informação de que a jurisprudência assim se consolidou:

 

3. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que, salvo nas hipóteses de erro judiciário e de prisão além do tempo fixado na sentença, previstas no artigo 5o, LXXV, da Constituição Federal, bem como nos casos previstos el lei, a regra é a de que o artigo 37, p. 6o, da Constituição não se aplica aos atos judiciais quando emanados de forma regular e para o fiel cumprimento do ordenamento jurídico (STF. AI 803831 AgR, relator Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 19/03/2013, DJe de 16/05/2013).

 

Devida vênia a essa linha de raciocínio.

         O primeiro ponto a destacar é que a regra geral de indenização por atos do Estado é a do artigo 37, p. 6o, da CRFB. Responsabilização objetiva, com exigência de dano e nexo causal, tão somente.

         A cláusula do artigo 5o, LXXV, da CRFB, não pode ser interpretada como uma exigência de outros requisitos além dos do artigo 37, p. 6o, da CRFB, por vários motivos.

         A prisão é tratada por todo o texto constitucional, em especial por diversas disposições do artigo 5o, com extensão por todo o ordenamento ordinário, como a mais gravosa interferência do Estado na esfera particular dos cidadãos em tempos de paz externa. Tanto é assim que sujeita à cláusula de reserva judicial, exige sua aplicação por magistrados, incabível por autoridades administrativas e, também, estabelece severos limites para sua aplicação, muitos dos quais justamente para a prisão preventiva, como o princípio da presunção da inocência.

         Uma prisão preventiva é, nitidamente, uma situação que interfere sensivelmente na vida de qualquer pessoa. Sua vida econômica é desorganizada, visto que não poderá trabalhar ou vender sua mão de obra durante o período em que perdurar. Pode gerar perda de emprego formal ou prejuízo a atividades informais. Atrapalha sobremaneira a vida familiar e amorosa. Estigmatiza a pessoa pois, além das anotações policiais, todos de seu convívio saberão da prisão. Além disso, a pessoa é submetida ao ambiente carcerário, um ambiente violento, antro de transmissão de doenças e que, justamente por suas condições degradantes, foi reconhecido como em estado inconstitucional de coisas pelo Supremo Tribunal Federal. 

         Interpretar o artigo 5o, LXXV, da CRFB como uma limitação à cláusula geral de indenização do artigo 37, p. 6o, da CRFB é exatamente limitar a responsabilização do Estado no ato mais severo e invasivo que o próprio Estado pratica contra os cidadãos.

         Além dessa incongruência em si, praticamente retroceder ao medievo the king can do no wrong em matéria de prisão, essa interpretação é contrária ao princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais. Esse princípio dita que os princípios fundamentais devem ser efetivados e maximizados pela interpretação, não tolhidos e acabrunhados:

 

Estritamente vinculado ao princípio da força normativa máxima da Constituição, em relação ao qual configura um subprincípio, o cânone hermenêutico-constitucional da máxima efetividade orienta os aplicadores da Lei Maior para que interpretem as suas normas em ordem a otimizar-lhes a eficácia, sem alterar o seu conteúdo.

De igual modo, veicula um apelo aos realizadores da Constituição para que em toda situação hermenêutica, sobretudo em sede de direitos fundamentais, procurem densificar os seus preceitos, sabidamente abertos e predispostos a interpretações expansivas (MENDES, Gilmar. Curso de Direito Consitucional. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 179)

 

O intérprete constitucional deve ter compromisso com a efetividade da Constituição: entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquela que permita a atuação da vontade constitucional. (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 346)

 

         A responsabilização objetiva do Estado por seus atos, conforme o artigo 37, p. 6o, da CRFB parte do princípio de que, como os atos do Estado favorecem a toda a sociedade, prejuízos por eles causados a indivíduos determinados também devem ser arcados por toda a sociedade. Por isso, ao contrário da responsabilização civil, sequer se exige que o ato estatal, para ser indenizável, seja um ato ilícito. O artigo 186 do CC de 2002, a cláusula geral de indenização do Direito Civil, explicita que quem causa dano a outrem, por culpa e etc, comete ato ilícito. O artigo 37, p. 6o, da CRFB, justamente pelo afirmado, não trabalha com a ideia de ilicitude:

 

p. 6o. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa.

 

No sentido de inexigência sequer da ilicitude do ato para configuração da responsabilidade estatal:

 

No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público – mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -, entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 991).

 

Há julgados no sentido de que o artigo 5o, LXXV, da CRFB é, em verdade, um direito fundamental e cláusula mínima à indenização por prisão, para excetuá-la da regra geral da irresponsabilidade por atos judiciais. Neste sentido, o julgado de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence:

 

2. A regra constitucional não veio para aditar pressupostos subjetivos à regra geral da responsabilidade fundada no risco administrativo, conforme o artigo 37, p. 6o, da Lei Fundamental: a partir do entendimento consolidado que a regra geral é a irresponsabilidade civil do Estado por atos de jurisdição, estabelece que, naqueles casos, a indenização é uma garantia individual e, manifestamente, não a submete à exigência de dolo ou de culpa do magistrado.

3. O art. 5o, LXXV, da Constituição: é uma garantia, um mínimo, que nem impede a lei, nem impede eventuais construções doutrinárias que venham a reconhecer a responsabilidade do Estado em hipóteses que não a do erro judiciário stricto sensu, mas de evidente falha objetiva do serviço público da Justiça (STF. RE 505393, relator Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 26/06/2007, DJe de 05/10/2007).

 

Essa é a interpretação que dá maior vivacidade e efetividade ao direito fundamental expresso pelo artigo 5o, LXXV, da CRFB.

         O erro judiciário de que trata este dispositivo, analisado sem a existência de culpa ou dolo e conforme o artigo 37, p. 6o, da CRFB é uma situação objetiva. Se o réu foi preso preventiva e é, posteriormente absolvido isso é, por si só, uma situação passível de indenização, in re ipsa.

Ora, se o Estado inocenta o acusado, por qualquer motivo que seja, o consectário lógico dessa decisão é que o acusado não pode ser punido. Há uma ficção de que a prisão preventiva não seria uma punição, mas uma tutela processual. Mas, idêntica à punição final, pelos danos que causa a quem é preso preventiva, para fins de indenização e para quem a sofre é sim uma punição adiantada a uma pessoa inocente e que não deveria ter sofrido nenhum tipo de restrição à sua liberdade.

Assim, em todos os casos em que há decretação de prisão preventiva e posterior absolvição do réu o Estado deverá indenizar o preso preventivo e também aquele que teve a sua liberdade restringida de qualquer forma, como o preso em flagrante e encaminhado à Delegacia.

         Nessa situação está presente o dano, pois, conforme fundamentado, uma prisão causa danos de ordem econômica, familiar, amorosa, psicológica e influenciam muito negativamente a reputação do preso.

         Em direito comparado é esta, por exemplo, a solução da Espanha. Não se cita a solução espanhola por ser a única, há vários outros países com determinações similares. A Constituição espanhola determina, no artigo 106:

 

1. Los Tribunales controlan la potestade regulamentaria y la legalidad de la atuación administrativa, así como el sometimiento de está a los fines que la justifican.

2. Los particulares, en los términos estabelecidos por la ley, tendrán derecho a ser indemnizados por toda lesión que sufran de cualquiera de sus bienes y derechos, salvo en los casos de fuerza mayor, siempre que la lesion sea consecuencia del funcionamento de los servicios públicos.

 

         Já a Ley Organica 6 de 1985, determina em seu artigo 294:

 

1. Tendrán derecho a indemnización quienes, después de haber sufrido prisón preventiva, sean absueltos por inexistência del hecho imputado o por esta misma causa haya sido dictado auto de sobreseimiento libre, seimpre que se le hayan irrogado perjuicios

(os trechos em negrito foram declarado inconstitucionais e nulos pelo Tribunal Constitucional Espanhol, pela sentença TC 85/2019. Ref. BOE-A-2019-10913) (Em: https://boe.es/buscar/pdf/1985/BOE-A-1985-12666-consolidado.pdf)

 

Ou seja, a legislação espanhola, com o aumento do escopo da norma com a citada declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional Espanhol, determina a indenização de quem foi preso preventivamente e, posteriormente, absolvido. A interpretação do Tribunal Constitucional Espanhol para essa regra, diga-se, é bastante similar à proposta neste texto.

         Pode parecer um pouco descabido comparar a realidade brasileira com a de um país europeu. Realmente o é.

Embora haja determinação constitucional de que a prisão preventiva é excepcional, cerca de 40% dos presos do Brasil lá estão por prisões processuais, sem condenação em julgado. O Brasil atualmente tem a terceira maior população carcerária do mundo, cerca de 800.000 presos e, portanto, cerca de 320.000 lá estão por prisões preventivas e outras prisões processuais.

         Não é possível afirmar, portanto, diante desse cenário de ampla utilização desse expediente, de que se trata de uma medida excepcional.

         O Supremo Tribunal Federal, na ADPF 347 reconheceu que o sistema prisional brasileiro se encontra em estado inconstitucional de coisas. É superlotado, sem condições de higiene adequadas, antro de proliferação de doenças, onde grassa o crime organizado e a ordem costuma ser mantida na base da tortura e da violência.

         Assim, é esse quadro de amplo descumprimento da Constituição com a transformação de uma exceção em regra que torna estranha a comparação da situação brasileira com um país que atingiu um grau minimamente civilizado nessa questão.

         Isso não deve ser óbice para adotar a interpretação de Sepúlveda Pertence e parecida com a solução espanhola. Muito antes o contrário, se a prisão preventiva é aplicada de maneira generalizada e fora dos parâmetros constitucionais e as prisões brasileiras encontram-se em estado de coisas inconstitucional, esses são dois dados que tornam ainda mais relevantes a adoção dos critérios expostos neste artigo.

Ante todo o exposto, portanto, em todos casos de prisão preventiva em que o acusado é posteriormente absolvido, restam perfeitos os requisitos do artigo 37, p. 6o, da CRFB, para determinar indenização. Há dano, pois conforme já se fundamentou, o tempo de prisão atrapalha a vida do cidadão em diversas esferas. Há nexo causal, pois foi uma ação estatal que determinou a prisão. 

         Não há outros requisitos além desses.

         Resta a questão de quantificar o dano.

         Não há regras de direito público para fixação de dano, razão pela qual deve se utilizar a regra geral do direito privado, do artigo 944 do CC/02:        

 

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

 

A jurisprudência e a doutrina criam outros parâmetros para fixar o dano, como a capacidade econômica das partes.

         Embora seja um critério assente, há nítida ofensa ao princípio da igualdade, do artigo 5o, I, da CRFB. Do lado pagador, a indenização não tem caráter punitivo. Não faz sentido condenar em valores mais elevados em virtude de uma maior capacidade de pagamento. Do lado devedor, igualmente, não se pode tutelar os sentimentos e direitos de pessoas pobres em patamares diversos de pessoas ricas. No caso de uma morte, se a capacidade econômica é levada em consideração, a vida de uma pessoa rica vale mais que a de uma pessoa pobre? Essa é uma diferenciação insustentável.

         Assim, obedecido o artigo 944 do CC de 2002, reputa-se que há um dano causado pelo simples fato de uma prisão.

Há as anotações nas fichas policiais e todo um alvoroço criado.

Há, também, uma situação de prolongamento do dano pelo tempo que o conduzido ficou preso.

         É importante levar em conta esses dois momentos para não se chegar a situações injustas.

         É evidente muito mais gravoso e pior para uma pessoa ser presa por um dia que seja do que ter o nome negativado no SPC ou ter de aguardar de um dia para o outro no aeroporto por um voo atrasado. Assim, o patamar inicial da indenização pela prisão indevida deve ser fixada em um montante mais elevado do que o dessas situações, até pela lógica que se espera do ordenamento jurídico. Reputa-se razoável a quantia de R$15.000,00 para tanto.

         Lado outro, fosse esse montante fixado para todos os dias seguintes, seriam atingidos valores muito elevados e desproporcionais. Na Suíça a indenização nesses casos é fixada e automática em duzentos francos por dia. Cerca de mil a mil e duzentos reais, a depender da cotação entre as respectivas moedas do momento.

         Como país mais pobre e com custo de vida mais baixo, reputa-se adequado e razoável fixar o dia de prisão em R$500,00. Isso para pessoa de qualquer renda e classe social. Essa situação deve abarcar lucros cessantes também, ante o afirmado em relação ao princípio da igualdade. Neste tocante, cabe lembrar a redação do artigo 954 do CC/02:

 

Art. 954. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.

Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal:

I – o cárcere privado;

II – a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé;

III – a prisão ilegal.

 

O artigo 954 do CC/02 é inconstitucional nesse tocante, ante sua ofensa ao princípio da igualdade. A indenização nesses casos não deve ser medida com base em critérios de classe social ou quanto ganha em determinado período, de modo a se tutelar o tempo de vida de pessoas ricas de maneira diferente da de pessoas pobres.

Aliás, para fins de responsabilização estatal sequer deve ser aplicado o artigo 954 do CC/02. Esse artigo é uma cópia do artigo 1.551 do CC de 1916, uma época em que se compreendia o Código Civil como o centro de todo o ordenamento jurídico, não apenas do direito privado. Ao máximo, com a devida ressalva da parte que ofende ao princípio da igualdade, deve valer entre particulares.

         Em conclusão:

I. A prisão em flagrante ou preventiva de pessoas que posteriormente são absolvidas é uma situação que lhes causa dano;

II. Há nexo causal entre a atuação estatal que efetuou a prisão e o dano sofrido;

III. Nos moldes do artigo 37, p. 6o, da CRFB, o Estado deve indenizar a quem causa dano e a situação de prisão com absolvição posterior perfaz os requisitos para indenizar do artigo 37, p. 6o, da CRFB;

IV. O artigo 5o, LXXV, da CRFB não é uma limitação à regra geral de indenização do artigo 37, p. 6o, da CRFB. É uma exceção ao princípio legal e constitucional de irresponsabilidade estatal por atos judicias que determina indenização no caso de prisão indevida;

V. O valor da indenização por dano moral deve ser medido tão somente pela extensão do dano, aplicado o artigo 944 do CC/02 por analogia. Considerar a capacidade econômica das partes ou outros critérios similares geraria indenização maior a pessoas ricas e menor a pessoas pobres pela mesma situação, o que é contrário ao princípio da igualdade, previsto no artigo 5o, I, da CRFB;

VI. Por lógica, atos mais gravosos devem ser indenizados com valor maior que atos menos gravosos;

VII. Como um dia de prisão indevida é situação mais danosa que atraso em voos ou negativação de nome em cadastros de inadimplência, a indenização por prisão deve ter valor mais elevado que as corriqueiras condenações pelas citadas situações lesivas. Reputa-se razoável a indenização em R$15.000,00 pelo ato da prisão com posterior absolvição;

VIII. Além do valor do parágrafo anterior, caso a prisão perdure no tempo, e uma prisão longa é mais gravosa que uma prisão de apenas um dia, a indenização deve atentar para isso. Não obstante, valores absurdos seriam atingidos caso os dias subsequentes fossem indenizados na proporção do parágrafo anterior. Assim, reputa-se razoável fixar em R$500,00 diários a indenização relativa aos dias subsequentes.

 

Comments


bottom of page