Clipping Jurídico semanal
O site da Emajs conta com a colaboração do Juiz de Direito Pedro Câmara Raposo Lopes, da 2ª Vara Cível de Contagem, que elabora um clipping contendo as principais novidades jurídicas da semana. O clipping é divido em seções “legislação” e “jurisprudência”. Também servirá para que os magistrados divulguem sentenças que, pelo ineditismo, interesse ou mesmo análise de casos repetitivos, possam contribuir para a atividade jurisdicional dos demais colegas. A contribuição poderá ser encaminhada diretamente para o e-mail pedro.raposo.lopes@gmail.com. Pede-se que não sejam encaminhadas sentenças de processos que tramitem em segredo de justiça e que sejam indicados os números dos autos respectivos.
CLIPPING JURÍDICO #18 (18/5 A 20/6/024)
LEGISLAÇÃO
Lei Complementar Nº 207, de 2024 - Dispõe sobre o Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT); altera o Decreto-Lei nº 73, de 21.11.1966, as Leis nºs 8.212, de 24.7.1991 (Lei Orgânica da Seguridade Social), 9.503, de 23.9.1997 (Código de Trânsito Brasileiro), e 14.075, de 22.10.2020, e a Lei Complementar nº 200, de 30.8.2023 (Novo Arcabouço Fiscal); e revoga as Leis nºs 6.194, de 19.12.1974 (Lei do DPVAT), e 8.441, de 13.7.1992, e dispositivos das Leis nºs 8.374, de 30.12.1991, 11.482, de 31.5.2007, e 11.945, de 4.6.2009.
Lei Nº 14.857, de 2024 - Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para determinar o sigilo do nome da ofendida nos processos em que se apuram crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher
Lei Nº 14.858, de 2024 - Altera a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, com o objetivo de instituir a obrigatoriedade de priorizar espaço e vaga para o transporte de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento.
Lei Nº 14.861, de 2024 - Altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), para determinar que sejam disponibilizadas na internet as informações constantes do Registro Nacional de Carteiras de Habilitação (Renach) e do Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam) aos motoristas habilitados e aos proprietários de veículo, respectivamente.
Lei Nº 14.873, de 2024 - Altera a Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, para limitar a compensação tributária dos créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado.
Lei Nº 14.874, de 2024 - Dispõe sobre a pesquisa com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.
Lei Nº 14.879, de 2024 - Altera a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para estabelecer que a eleição de foro deve guardar pertinência com o domicílio das partes ou com o local da obrigação e que o ajuizamento de ação em juízo aleatório constitui prática abusiva, passível de declinação de competência de ofício.
Lei Nº 14.887, de 2024 - Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para estabelecer prioridade na assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e a Lei nº 13.239, de 30 de dezembro de 2015, para determinar que a mulher vítima de violência tenha atendimento prioritário para a cirurgia plástica reparadora entre os casos de mesma gravidade.
Lei Nº 14.898, de 2024 - Institui diretrizes para a Tarifa Social de Água e Esgoto em âmbito nacional.
Lei Estadual Nº 24.754, de 2024 - Fixa o percentual da revisão anual dos vencimentos e proventos dos servidores do Poder Judiciário do Estado relativa ao ano de 2023.
Decreto Estadual Nº 48.821, de 2024 - Dispõe sobre a responsabilização, administrativa e civil, de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra a Administração Pública, nos termos da Lei Federal nº 12.846, de 1º de agosto de 2013.
JURISPRUDÊNCIA
STJ – RECURSO REPETITIVO – AFETAÇÃO – TEMA 1254
A Corte Especial acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.034.210/CE, 2.034.211-CE e 2.034.214-CE ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir se ocorre ou não a prescrição para a habilitação de herdeiros ou sucessores da parte falecida no curso da ação."
STJ – RECURSO REPETITIVO – AFETAÇÃO – TEMA 1255
A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp n. 2.083.968-MG ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "se o delito de falsa identidade é crime formal, que se consuma quando o agente fornece, consciente e voluntariamente, dados inexatos sobre sua real identidade, e, portanto, independe da ocorrência de resultado naturalístico."
STJ – RECURSO REPETITIVO – AFETAÇÃO – TEMA 1256
A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp n. 2.076.432-DF ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definição da natureza do crime previsto no art. 14 da Lei n. 10.826/2003 como de mera conduta e de perigo abstrato".
STJ – RECURSO REPETITIVO – AFETAÇÃO – TEMA 1257
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.074.601-MG, 2.076.137-MG, 2.076.911-SP, 2.078.360-MG e 2.089.767-MG ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir a possibilidade ou não de aplicação da nova lei de improbidade administrativa (Lei 14.230/2021) a processos em curso, iniciados na vigência da Lei 8.429/1992, para regular o procedimento da tutela provisória de indisponibilidade de bens, inclusive a previsão de se incluir, nessa medida, o valor de eventual multa civil".
STJ – RECURSO REPETITIVO – AFETAÇÃO – TEMA 1258
A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 1.953.602-SP, 1.986.619-SP, 1.987.628-SP e 1.987.651/RS ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir o alcance da determinação contida no art. 226 do Código de Processo Penal e se a inobservância do quanto nele estatuído configura nulidade do ato processual.
STJ – RECURSO REPETITIVO – AFETAÇÃO – TEMA 1259
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 1.994.424-RS e 2.000.953-RS ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir se incide a majorante prevista no art. 40, inciso IV, da Lei n. 11.343/2006 na condenação ao crime de tráfico de drogas relativamente ao porte ou posse ilegal de arma, por força do princípio da consunção, caso o artefato tenha sido apreendido no mesmo contexto da traficância; ou se ocorre o delito autônomo previsto no Estatuto do Desarmamento, em concurso material com o crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343/2006)".
STJ – RECURSO REPETITIVO – AFETAÇÃO – TEMA 1260
A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp n. 2.048.687-BA ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir a) se, nos termos do art. 155 do CPP, a pronúncia não pode se fundamentar exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial; b) se o testemunho indireto, ainda que colhido em juízo, não constitui, isoladamente, meio de prova idôneo para a pronúncia".
STJ – RECURSO REPETITIVO – AFETAÇÃO – TEMA 1261
A Segunda Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.093.929-MG e 2.105.326-SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "(i) necessidade de comprovação de que o proveito se reverteu em favor da entidade familiar na hipótese de penhora de imóvel residencial oferecido como garantia real, em favor de terceiros, pelo casal ou pela entidade familiar nos termos do art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1990; (ii) distribuição do ônus da prova nas hipóteses de garantias prestadas em favor de sociedade na qual os proprietários do bem têm participação societária".
STJ – RECURSO REPETITIVO – AFETAÇÃO – TEMA 1262
A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps ns. 2.003.735-PR e 2.004.455-PR ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir se a exasperação da pena na primeira fase da dosimetria, nos casos em que se constata a ínfima quantidade de drogas, independentemente de sua natureza, caracterizaria aumento desproporcional da pena-base".
STJ – RECURSO REPETITIVO – AFETAÇÃO – TEMA 1263
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.098.943-SP e 2.098.945-SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir se a oferta de seguro garantia tem o efeito de obstar o encaminhamento do título a protesto e a inscrição do débito tributário no Cadastro Informativo de Créditos não quitados do Setor Público Federal (CADIN)".
STJ – RECURSO REPETITIVO – AFETAÇÃO – TEMA 1124
Em sessão de julgamento realizada em 22/5/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, acolheu questão de ordem proposta pelo Sr. Ministro Relator para alterar a delimitação do Tema 1124, na proposta de afetação dos REsps 1.905.830/SP, 1.912.784/SP e 1.913.152/SP, para constar na redação: "caso superada a ausência do interesse de agir, definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS, se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária." (acórdão publicado no DJe de 29/5/2024).
DIREITO PENAL - Pena de detenção. Suspensão condicional da pena. Aplicação de limitação de final de semana pelo mesmo prazo da pena corporal imposta. Regularidade. As condições do art. 78, § 1º, do Código Penal, para cumprimento da suspensão condicional da pena, podem ser estabelecidas no mesmo prazo da pena corporal imposta. O art. 78, § 1º, do Código Penal preceitua que, durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito à observação e ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz. No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à comunidade (art. 46) ou submeter-se à limitação de fim de semana (art. 48). No caso, a Corte de origem redimensionou a pena para 4 meses de detenção, em regime aberto, sendo aplicado ao réu o sursis pelo prazo de dois anos mediante limitação de final de semana pelo tempo da pena aplicada. O Ministério Público estadual pugnou pela reforma da decisão para determinar a limitação de final de semana durante todo o primeiro ano do período de suspensão condicional da pena e não apenas pelo mesmo prazo da pena imposta (4 meses). Entretanto, o texto do comando legal é claro no sentido de que, no curso do primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à comunidade ou submeter-se à limitação de fim de semana, e não durante um ano. (Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 11/3/2024, DJe 14/3/2024)
DIREITO PENAL - Crime de uso de documento falso. Relação de consunção com o crime de falsidade ideológica. Prevalência do crime de uso de documento falso sobre a falsidade ideológica. Na relação de consunção, prevalece o crime de uso de documento falso, crime-fim, sobre a falsidade ideológica, delito-meio. O princípio da consunção é aplicado para resolver o conflito aparente de normas penais quando um crime é meio necessário, fase de preparação ou de execução do delito de alcance mais amplo, de tal sorte que o agente só é responsabilizado pelo último, desde que se constate uma relação de dependência entre as condutas praticadas. Com efeito, considerar a absorção do uso do documento falso pela falsidade ideológica significa conferir prevalência ao crime-meio sobre o crime-fim, o que é conceitualmente inadequado, além de conduzir a situações de manifesta perplexidade, como o reconhecimento da prescrição todas as vezes que um documento falso é utilizado após o decurso de alguns anos de sua confecção, a depender do caso concreto. Desse modo, correta a aplicação do princípio da consunção, mediante o reconhecimento de que o crime-meio - falsidade ideológica - exauriu a sua potencialidade lesiva no crime-fim - uso desse documento falso -, e não o contrário. (AgRg no AgRg no AREsp 2.077.019-RJ, Rel. Ministra Daniela Teixeira, Rel. para o acórdão Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por maioria, julgado em 19/3/2024, DJe 5/4/2024)
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Alienação fiduciária de bem móvel. Satisfação do crédito. Múltiplos instrumentos processuais. Possibilidade. Extinção da pretensão de cobrança. Busca e apreensão. Prescrição simultânea. Não ocorrência. Obrigação pecuniária. Subsistência. Credor fiduciário. Propriedade resolúvel. Direitos inerentes. Prescrita a pretensão de cobrança de dívida civil, existindo, todavia, no ordenamento outro instrumento jurídico-processual com equivalente resultado, cujo exercício não tenha sido atingido pelo fenômeno prescricional, descabe subtrair do credor o direito à busca pela satisfação de seu crédito. O exame sobre a ocorrência do fenômeno prescricional deve ser realizado de modo estanque, à luz dos pedidos formulados na petição inicial, e não se contamina pelo objetivo último do autor da demanda - no caso, a recuperação do crédito inadimplido. A busca pela satisfação de um crédito pode ser feita por meio de instrumentos processuais distintos, cada um deles sujeito a prazo prescricional específico (ou à regra geral), conforme previsto na lei de regência. No caso, o pedido é de busca e apreensão, e como tal deve ser analisado, independentemente. Na forma do art. 3º, § 8º, do Decreto-Lei n. 911/1969, "a busca e apreensão prevista no presente artigo constitui processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior". A jurisprudência desta Corte Superior, consolidada na Súmula n. 299/STJ, admite o ajuizamento de ação monitória fundada em cheque prescrito para que o credor reivindique o cumprimento de obrigação de pagar. Em tal hipótese, conquanto prescrita a pretensão que autorizava promover a execução do título extrajudicial, perdendo a cártula os seus atributos cambiários, contudo subsistindo a obrigação, tem o credor a possibilidade de ajuizar demanda distinta, cuja finalidade não é outra senão o cumprimento da obrigação pecuniária representada no documento. Portanto, se prescrita a pretensão de cobrança de dívida civil, todavia existindo no ordenamento outro instrumento jurídico-processual com equivalente resultado, cujo exercício não tenha sido atingido pelo fenômeno prescricional, descabe subtrair do credor o direito à busca pela satisfação de seu crédito, por qualquer outro meio, sob pena de estender os efeitos da prescrição para o próprio direito subjetivo. Na alienação fiduciária, a propriedade da coisa é transmitida ao credor, que outrossim se investe na posse indireta do bem. Em caso de descumprimento das obrigações contratuais, pode o fiduciário optar pelo ajuizamento de ação de cobrança - ou de execução, se aparelhado de título executivo - ou, à sua escolha, a busca e apreensão do bem dado em garantia. Nessa última hipótese, assim o faz na qualidade de proprietário, exercendo uma das prerrogativas que lhe outorga o art. 1.228 da lei civil, qual seja "o direito de reavê-la (a coisa) do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha". Com efeito, ocorrido o inadimplemento no âmbito de contrato garantido por alienação fiduciária, a posse transforma-se em injusta, o que autoriza a propositura da busca e apreensão. Inaplicável, dessarte, a regra do art. 206, § 5º, I, do CC/2002, visto não tratar, este caso, de demanda que visa à "cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular". Diversamente do que ocorre no campo tributário (CTN, art. 156, V), na esfera civil a prescrição nem sequer implica extinção da obrigação - não constitui, efetivamente, qualquer das hipóteses previstas no Título I, Livro I, da Parte Especial do CC/2002. Somente a pretensão é fulminada (CC/2002, art. 189), subsistindo a obrigação. Conquanto instituída em caráter acessório, a garantia real não se esvaiu. O objeto principal do contrato, no caso, é a obrigação pecuniária, e não a pretensão de cobrança, esta sim extinta pelo fluxo do prazo prescricional. (REsp 1.503.485-CE, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 4/6/2024)
DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL - Direito de imitação de pessoa pública. Preservação da esfera da intimidade. Trucagem de voz. Excesso. Dano indenizável. Censura prévia. Inadmissível. Desde que não ultrapassados os limites relativos à privacidade ou à intimidade daquele, cujas características são evidenciadas por meio de representação de caráter humorístico, não há falar em ofensa aos direitos da personalidade e, consequentemente, em dano moral indenizável. O livre exercício do direito de paródia, que corresponde à reprodução de obra literária, teatral ou musical, como previsto no art. 47 da Lei n. 9.610/1998, por extensão conceitual, confere o mesmo efeito à conduta de imitar, de forma intencional, determinado comportamento. A imitação constitui representação por meio da qual características - gestos e vozes - de personalidade conhecida são reproduzidas e em geral utilizadas na seara da comicidade. Portanto, a representação humorística que explora caraterísticas pessoais de pessoa pública cujos traços individuais são imitados é tutelada pelo direito à livre expressão. Por isso, diferentemente da tutela da liberdade de manifestação do pensamento, que é assegurada à imprensa para a veiculação de fatos, pode ter conotação exagerada ou satírica. Registre-se que, na ADI n. 4.815/DF, publicada em 10/6/2015, o STF deu interpretação ao art. 20 do Código Civil conforme à Constituição Federal para, "em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes)". Nesse sentido, desde que não ultrapassados os limites relativos à privacidade ou à intimidade daquele cujas características são evidenciadas por meio de representação de caráter humorístico, não há falar em ofensa aos direitos da personalidade. Ademais, não deve ser admitida a censura prévia especialmente para obstar o exercício da livre expressão artística, tal como aquela promovida por imitador cômico. Ressalte-se, ainda, que não é viável obrigar a demandada a não ofender ou mesmo se aproximar do demandante, pois o deferimento do pedido de tutela inibitória configuraria censura prévia. A propósito, já afirmou o STJ, no REsp n. 1.388.994/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, julgado em 19/9/2013, que: "(...) A concessão de tutela inibitória para o fim de impor ao réu a obrigação de não ofender a honra subjetiva e a imagem do autor se mostra impossível, dada a sua subjetividade, impossibilitando a definição de parâmetros objetivos aptos a determinar os limites da conduta a ser observada. Na prática, estará se embargando o direito do réu de manifestar livremente o seu pensamento, impingindo-lhe um conflito interno sobre o que pode e o que não pode ser dito sobre o autor, uma espécie de autocensura que certamente o inibirá nas críticas e comentários que for tecer. Assim como a honra e a imagem, as liberdades de pensamento, criação, expressão e informação também constituem direitos de personalidade, previstos no art. 220 da CF/1988". (REsp 1.678.441-SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por maioria, julgado em 16/5/2024)
DIREITO CIVIL - Divórcio post mortem. Emenda constitucional n. 66/2010. Autonomia privada dos cônjuges. Manifestação de vontade do titular. Óbito do cônjuge durante a tramitação do processo. Dissolução do casamento. Direito potestativo. Exercício. Direito a uma modificação jurídica. Declaração de vontade do cônjuge. Reconhecimento e validação. Ação judicial de divórcio. Pretensão reconvencional. Herdeiros do cônjuge falecido. Legitimidade. É possível a decretação do divórcio na hipótese em que um dos cônjuges falece após a propositura da respectiva ação, notadamente quando manifestou-se indubitavelmente no sentido de aquiescer ao pedido que fora formulado em seu desfavor. (Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2024, DJe 21/5/2024)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Ação de produção antecipada de prova. Local da realização da perícia diverso do local de sede da empresa ré e de eleição. Foro do objeto a ser periciado. Questão de praticidade da instrução. Inexistência de prejuízo. A produção antecipada de prova pericial pode ser processada no foro onde situado o objeto a ser periciado ao invés do foro de sede da empresa ré, que coincide com o foro eleito em contrato. (REsp 2.136.190-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 4/6/2024, DJe 6/6/2024)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO TRIBUTÁRIO - Execução fiscal. Crédito da Fazenda Pública Estadual. Extinção em razão do pagamento. Penhora. Transferência para outro feito executivo. Impossibilidade. Não há no Código de Processo Civil, nem na Lei n. 6.830/1980, regra que autorize o magistrado que extingue a execução fiscal em face do pagamento a proceder com a transferência da penhora existente para outro processo executivo envolvendo as mesmas partes. (REsp 2.128.507-TO, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 23/5/2024)
PRECEDENTE QUALIFICADO - Verbas remuneratórias. Impenhorabilidade. Art. 833, IV, do CPC. Honorários advocatícios. Execução. Verba de natureza alimentar e prestação alimentícia. Distinção. Art. 833, § 2º, do CPC. Exceção não configurada. Tema 1153. A verba honorária sucumbencial, a despeito da sua natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/2015 (penhora para pagamento de prestação alimentícia). A análise do tema perpassa, necessariamente, pela interpretação dos arts. 85, § 14, e 833 do Código de Processo Civil de 2015, à luz das hipóteses legais das quais exsurge o dever de prestar alimentos. O ordenamento processual civil em vigor, ao tempo em que estabelece a impenhorabilidade das verbas remuneratórias, trata de especificar as exceções a essa regra, assim disciplinando a matéria: "Art. 833. São impenhoráveis: [...] § 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º". A solução da controvérsia está em reconhecer a existência de sutil, mas crucial, distinção entre as expressões "natureza alimentar" e "prestação alimentícia", a que se referem os arts. 85, § 14, e 833, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015, estando elas de fato interligadas por uma relação de gênero e espécie, como já defendido em alguns julgados desta Corte Superior, no entanto em sentido inverso, ou seja, a "prestação alimentícia" é que ressai como espécie do gênero "verba de natureza alimentar", e não o contrário. Nessa linha de pensamento, os honorários advocatícios, apesar da sua inquestionável natureza alimentar, não se confundem com a prestação de alimentos, sendo esta última obrigação periódica, de caráter ético-social, normalmente lastreada no princípio da solidariedade entre os membros do mesmo grupo familiar, embora também possa resultar de condenações por ato ilícito e de atos de vontade. Como bem salientou a Ministra Nancy Andrighi em seu voto apresentado no julgamento do REsp n. 1.815.055/SP, "(...) uma verba tem natureza alimentar quando é destinada para a subsistência de quem a recebe e de sua família, mas só é prestação alimentícia aquela devida por quem possui a obrigação de prestar alimentos familiares, indenizatórios ou voluntários em favor de uma pessoa que deles efetivamente necessita". Essa, segundo se entende, é a interpretação que mais se harmoniza com o ordenamento jurídico como um todo, de modo a conferir o privilégio legal somente a quem dele necessita para garantir sua própria sobrevivência e de seus dependentes a curtíssimo prazo. Estender tal prerrogativa aos honorários advocatícios, e em consequência aos honorários devidos a todos os profissionais liberais, implicaria que toda e qualquer verba que guardasse alguma relação com o trabalho do credor ou com qualquer outra fonte de renda destinada ao seu sustento e de sua família também deveria ser reconhecida como tal, tornando regra a exceção.
que o legislador reservou apenas para situações extremas. Tal compreensão não retira a possibilidade de penhora de parte das verbas remuneratórias elencadas no art. 833, IV, do CPC/2015, desde que seja preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família, conforme entendimento firmado em precedentes da Corte Especial. Em qualquer hipótese, portanto, independentemente da natureza jurídica do crédito executado e da pessoa do credor, será possível, em tese, a penhora tanto de parte das verbas de caráter remuneratório quanto de valores depositados em caderneta de poupança (e de outros a eles equiparados), especificadas nos incisos IV e X do art. 833 CPC/2015, caso se verifique, a partir da análise do caso concretamente examinado, que o ato de constrição judicial não retira do devedor a capacidade de manutenção de um mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor dele próprio e de seus dependentes. Dessa forma, fixa-se a seguinte tese repetitiva: A verba honorária sucumbencial, a despeito da sua natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/2015 (penhora para pagamento de prestação alimentícia). (REsp 1.954.380-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, por maioria, julgado em 5/6/2024 (Tema 1153))
DIREITO PROCESSUAL PENAL - Nulidade por ausência de citação. Não ocorrência. Réu foragido. Citação por edital. Advogado constituído nos autos. Ciência inequívoca da imputação penal. Não há como reconhecer a nulidade por cerceamento de defesa no caso em que comprovado que, a despeito de o paciente encontrar-se foragido desde a data dos fatos e de serem infrutíferas as diversas tentativas de intimação pessoal do acusado, durante toda a instrução processual ele foi devidamente assistido, tendo respondido a todos os atos processuais por meio de advogado constituído, de modo que a finalidade da citação foi integralmente alcançada. A citação do acusado é o ato processual por meio do qual se perfectibiliza a relação jurídico-processual penal deflagradora do devido processo legal substancial. O colegiado de origem afastou a nulidade por cerceamento de defesa por estar comprovado nos autos que o acusado tinha total conhecimento da ação penal, porquanto constituiu defensor logo após a decisão de primeiro grau que recebeu a denúncia, determinou a citação dos acusados e decretou a prisão preventiva, concluindo que, "embora não tenha sido encontrado para ser citado por estar foragido, teve o seu direito de defesa amplamente exercido". Na hipótese, a despeito de o paciente encontrar-se foragido desde a data dos fatos e de serem infrutíferas as diversas tentativas de intimação pessoal do acusado, durante toda a instrução processual ele foi devidamente assistido, tendo respondido a todos os atos processuais por meio de advogado constituído, de modo que a finalidade da citação foi integralmente alcançada. Desse modo, não há como reconhecer a nulidade por cerceamento de defesa, mormente porque não comprovado prejuízo decorrente da citação por edital, sendo certo que o paciente não pode beneficiar-se de sua própria torpeza a fim de nulificar os atos processuais a que deu causa. (AgRg no HC 823.208-RJ, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 29/4/2024, DJe 3/5/2024)
DIREITO PENAL - Homofobia. Crime de injúria. Real orientação sexual da vítima. Irrelevância. Gravação ambiental realizada pela vítima em sua própria casa. Ausência de ilicitude. Independentemente da orientação sexual da vítima, o delito de injúria se caracteriza pela utilização de insultos preconceituosos e homofóbicos que ofendem a honra subjetiva do ofendido. No caso, a vítima gravou as ofensas no interior da sua casa no momento em que seu vizinho de casa contígua proferia diversos xingamentos contra ele e a companheira. A gravação realizada pela vítima sem o conhecimento do autor do delito não se equipara à interceptação telefônica, sendo prova válida. Caso em que a vítima, dentro de sua própria residência, gravou as ofensas homofóbicas proferidas pelo vizinho a ela direcionadas. Independentemente da real orientação sexual da vítima, o delito de injúria restou caracterizado quando o acusado, valendo-se de insultos indiscutivelmente preconceituosos e homofóbicos, ofendeu a honra subjetiva do ofendido, seu vizinho. Isto é, não é porque a vítima é heterossexual que não pode sofrer homofobia (injúria racial equiparada) quando seu agressor, acreditando que a vítima seja homossexual, profere ofensas valendo-se de termos pejorativos atrelados de forma criminosa a esse grupo minoritário e estigmatizado. (AgRg no HC 844.274-DF, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 13/5/2024, DJe 15/5/2024)
DIREITO CIVIL - Erro médico. Perícia. Perito não especialista na área de conhecimento. Validade. Elementos concretos que não comprometerá a idoneidade da prova. A perícia elaborada por perito médico não especialista na área de conhecimento da perícia não acarreta a nulidade do laudo pericial, desde que os elementos concretos revelem que essa circunstância não comprometerá a idoneidade da prova. (REsp 2.121.056-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/5/2024, DJe 24/5/2024)
DIREITO CIVIL - Erro médico. Falecimento de recém-nascido. Pensionamento. Cabimento. Termos inicial e final. É cabível pensionamento na hipótese de falecimento de recém-nascido, cujo termo inicial será a data em que a vítima completaria 14 (quatorze) anos, e o termo final será a data em que a vítima completaria a idade correspondente à expectativa média de vida do brasileiro. No caso, a mãe da vítima, que estava grávida na ocasião, procurou atendimento médico devido a dores nas costas e foi encaminhada ao hospital. No local, foi submetida à cesariana e deu à luz uma menina, a qual, todavia, veio a falecer dias depois, tendo sido constatado que o falecimento foi decorrente de erro médico, porque não foram realizados os exames necessários previamente ao parto. Nesse contexto, a controvérsia consiste em definir se é cabível pensionamento pelo falecimento de recém-nascido. O pensionamento tem por finalidade suprir o amparo financeiro que era prestado pelo falecido. Ainda que a morte seja de filho menor, a pensão será devida, tendo em vista que há uma presunção de auxílio econômico futuro. Se a família for de baixa renda, há presunção relativa da dependência econômica entre os seus membros e, nas demais situações, é necessária a comprovação da dependência. Nessa situação, todavia, o termo inicial da pensão será a data em que a vítima completaria 14 (quatorze) anos, idade a partir da qual é admitida a celebração de contrato de trabalho, e o termo final será a data em que a vítima completaria a idade correspondente à expectativa média de vida do brasileiro, segundo a Tabela do IBGE, ou o momento do falecimento do beneficiário, o que ocorrer primeiro. Ademais, a pensão corresponderá à 2/3 do salário mínimo vigente à data do óbito e será reduzida para 1/3 após a data em que ele completaria 25 anos. Essa é a orientação consolidada na Súmula 491 do STF, segundo a qual "é indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado". É possível presumir que se o recém-nascido não tivesse vindo a óbito em decorrência de ato ilícito praticado por terceiro, ele passaria a contribuir para as despesas familiares quando atingisse 14 (quatorze) anos de idade. (REsp 2.121.056-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/5/2024, DJe 24/5/2024)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Intimação da sentença. Inexistência. Comunicação da digitalização dos autos. Primeira oportunidade de falar nos autos. Não caracterização. Arguição de nulidade. Preclusão. Não ocorrência. A comunicação dirigida às partes para informar que o processo foi digitalizado, transferindo-se do meio físico para o digital, não pode ser considerada, para fins do disposto no art. 278, do CPC, como a "primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão". O Superior Tribunal de Justiça possui orientação no sentido de que, em regra, "o vício relativo à ausência de intimação constitui nulidade relativa, uma vez que, nos termos do art. 245 do CPC/1973, a nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão (AgInt no REsp n. 1.690.956/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 12/12/2023, DJe 23/1/2024). O referido entendimento, contudo, somente pode ser aplicado se a parte efetivamente tiver sido provocada para falar nos autos, isto é, tenha sido intimada para a prática de um ato processual típico e de impulso processual. Nesse sentido, a comunicação dirigida às partes para informar que o processo foi digitalizado, transferindo-se do meio físico para o digital, não pode ser considerada, ao contrário do que concluiu o acórdão recorrido, como a "primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão". Dessa forma, sendo fato incontroverso que não houve intimação a respeito da sentença, viola a norma do art. 278, caput, do CPC, e a boa-fé processual, concluir que, comunicada apenas sobre a digitalização do processo, caberia à parte revisitar integralmente os autos e alegar nulidade, sob pena de preclusão, notadamente quando o que ficou precluso foi o direito de apelar da sentença. (REsp 2.001.562-SC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024)
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Prescrição. Ação indenizatória ajuizada pelo ente estatal. Prazo aplicável. Princípio da Isonomia. Aplicação do prazo quinquenal. Art. 1º do Decreto n. 20.910/1932. Em respeito ao princípio da isonomia, o lapso prescricional da demanda indenizatória ajuizada pelo ente estatal deverá obedecer o mesmo prazo quinquenal do art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, previsto para as ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública. Cuida-se, na origem, de ação de procedimento ordinário proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com o fim de obter o ressarcimento dos valores despendidos com o pagamento de benefício previdenciário, modalidade auxílio-doença, pago ao funcionário da empresa demandada. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.256.993/RS, da relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, publicado no DJe de 12/12/2012, sob o rito dos recursos repetitivos, firmou posicionamento no sentido de que se aplica o prazo prescricional quinquenal, previsto do Decreto n. 20.910/1932, nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002. Dessa forma, em respeito ao princípio da isonomia, o lapso prescricional da demanda indenizatória ajuizada pelo ente estatal deverá obedecer o mesmo prazo estipulado pelo art. 1º do Decreto n. 20.910/1932. (AgInt no REsp 2.100.988-PE, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 8/4/2024, DJe 11/4/2024)
EXECUÇÃO PENAL - Detração. Período de custódia preventiva. Data-base para progressão de regime. Dia da conversão da prisão provisória em cautelares diversas. Computado o tempo do recolhimento domiciliar noturno para fins de detração da pena, não há razão para deixar de considerá-lo também para fins de progressão de regime. O Tribunal de origem consignou que "o apenado não estava com absoluta restrição de sua liberdade, fato que implicou na interrupção da contagem do prazo para a concessão do benefício pretendido. Vale dizer, a data da prisão em flagrante somente poderia ser considerada como data-base caso o réu não tivesse sido colocado em liberdade provisória mediante medidas cautelares, permanecendo em custódia, ininterruptamente, sem se falar em excesso de execução". Contudo, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, "quando a detração penal é realizada somente pelo Juiz da Execução, se deve ser computado, na pena privativa de liberdade, o tempo de prisão preventiva, a data-base da progressão de regime será o dia da segregação provisória do condenado, sendo irrelevante eventual lapso de liberdade. Decerto, os períodos de soltura não serão reconhecidos como efetiva reclusão, para nenhum fim." (AgRg no AREsp 1.895.580/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 21/9/2022). Dessa forma, no caso, tendo em vista que a prisão preventiva foi decretada no dia 19/11/2019, por ocasião da sentença condenatória, esse marco deve ser considerado como a data-base para a concessão dos posteriores benefícios executórios, pouco importando o fato de o paciente ter sido solto efetivamente em 29/11/2019 ou mesmo a data da instalação da tornozeleira eletrônica, ocorrida em 5/12/2019, mesmo porque, se o tempo do recolhimento domiciliar noturno foi computado para fins de detração da pena, por ser medida de restrição de liberdade, não há razão para deixar de considerá-lo também para fins de progressão de regime. (HC 892.086-PR, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024, DJe 17/5/2024)
DIREITO PROCESSUAL PENAL - Acordo de colaboração premiada. Questionamento formulado pelos delatados. Legitimidade e interesse. Delator Advogado. Violação do sigilo profissional. Impossibilidade. Advogado na condição de investigado/denunciado. Irrelevância. Ainda que o advogado seja investigado, é inadmissível o acordo de colaboração premiada firmado com violação do sigilo profissional. Não obstante haver precedentes importantes em sentido contrário, não há razão para outra afirmação senão a de que os delatados têm, sim, a legitimidade de questionar o acordo de colaboração premiada com a alegação de não ter sido firmado com observância da imperiosa legalidade. A partir do momento que sua esfera jurídica foi afetada pelo teor da delação é evidente a sua legitimidade para questionar esse acordo que, de forma negativa, afeta direitos seus. É também possível, portanto, que constatada a ilegalidade do acordo, em casos excepcionais, a invalidação das provas decorrentes do mesmo. E, afinal, é legal a colaboração de pessoa que está sob o pálio do sigilo profissional? A ideia aqui não é discutir o acordo sob o viés da traição mercantilizada pelo Estado com um criminoso. Há inúmeros motivos que levam o suposto membro de uma organização criminosa a denunciar os demais membros e suas atividades, legítimos ou não, neste caso, não importa, nem mesmo se foi usado o acordo como mecanismo de autodefesa. A questão é saber se o contrato de advocacia não garante a confidencialidade das informações recebidas em razão da prestação de serviços. Afinal, o advogado tem a obrigação de guardar sigilo dos fatos que tem conhecimento por conta e durante o exercício da profissão. A legislação até prevê proteções para auxiliar o advogado na manutenção do sigilo profissional, como se vê do art. 207 do Código de Processo Penal e do art. 7º, XIX, do Estatuto da Advocacia. No caso, o colaborador foi investigado, preso e denunciado, antes de fazer a escolha pelo acordo com o Parquet estadual. Mesmo assim, a obrigação de sigilo se impõe. Esse é ônus do advogado que não pode ser superado mesmo quando investigado sob pena de se colocar em fragilidade o amplo direito de defesa. Quebrar o sigilo profissional para atenuar pena em ação penal em que figura, com o cliente, como investigado, não está autorizado pelo Código de Ética da Advocacia. O art. 25 é claro que o sigilo só pode ser rompido salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa. A confissão de um crime com a indicação das informações previstas no art. 4º da Lei n. 12.850/2013 não se inclui entre essas hipóteses. Ao delatar, o advogado que oferece informações obtidas exclusivamente em razão de sua atuação profissional não está defendendo sua vida ou de terceiro, sua honra (afinal confessa não só um crime como a sua participação em organização criminosa) nem está agindo em razão de afronta do próprio cliente (ao contrário) nem em defesa própria (não está usando as informações sigilosas para se defender, para provar sua inocência em razão de acusação sofrida, mas sim para atenuar sua pena). Destaque-se que o sigilo profissional do advogado "é premissa fundamental para exercício efetivo do direito de defesa e para a relação de confiança entre defensor técnico e cliente" (STF, Rcl 37.235/RO, Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 27/5/2020). A partir do momento que entendermos possível que o sigilo entre advogado e cliente possa ser quebrado no momento em que o advogado passa a ser investigado, essa premissa deixa de existir e a defesa passa a correr risco em razão de uma ruptura, ou melhor dizendo, de um receio de ruptura na relação de confiança entre defensor técnico e cliente, fragilizando o seu direito à ampla defesa. Desse modo, é inadmissível a prova proveniente de acordo de colaboração premiada firmado com violação do sigilo profissional, não havendo falar em justa causa para a utilização do instituto como mecanismo de autodefesa pelo advogado, mesmo que a condição profissional não alcance todos os investigados. Por fim, registre-se que, em alteração legislativa posterior aos fatos em análise (Lei n. 14.365/2022), no §6º-I do art. 6º do Estatuto da Advocacia passou a constar proibição expressa da delação por parte do advogado contra seu cliente. (RHC 179.805-PR, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por maioria, julgado em 21/5/2024)
DIREITO PROCESSUAL PENAL - Testemunha meramente abonatória. Pedido de intimação. Art. 396-A do CPP. Indeferimento. Substituição dos depoimentos por declaração escrita. Ilegalidade. Prejuízo configurado. Intimação judicial das testemunhas arroladas pela defesa. Interpretação do art. 396-A do CPP. Desnecessidade de justificação. É vedado ao juízo recusar a intimação judicial das testemunhas de defesa, nos termos do art. 396-A do CPP, por falta de justificação do pedido, substituindo a intimação por declarações escritas das testemunhas consideradas pelo juízo como meramente abonatórias, configurando violação do princípio da paridade de armas e do direito de ampla defesa. O indeferimento do pedido da intimação de testemunhas de defesa pelo juízo criminal baseada unicamente na ausência de justificativa para a intimação pessoal, previsto no art. 396-A do CPP, configura cerceamento de defesa e infringe os princípios do contraditório e da ampla defesa. (REsp 2.098.923-PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 21/5/2024)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO FALIMENTAR - Execução fiscal. Créditos tributários. Habilitação junto à falência. Análise quanto a exigibilidade do crédito. Entrada em vigor da Lei n. 14.112/2020. Incidente de classificação de créditos públicos. Competência do juízo da execução fiscal. Compete ao juízo da execução fiscal decidir sobre a prescrição intercorrente de crédito tributário que se busca habilitar perante o juízo da falência, quando a sentença que reconhece a prescrição parcial dos créditos é posterior à vigência da Lei n. 14.112/2020, que introduziu o art. 7º-A, §4º, II, à Lei n. 11.105/2005, instituindo o incidente de classificação de créditos públicos. (REsp 2.041.563-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/5/2024, DJe 24/5/2024)
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Competência. Justiça Federal e Justiça Estadual. Necessidade intervenção da União, entidade autárquica ou empresa pública federal. Mera alegação formulada por pessoa de direito privado. Deslocamento de competência. Insuficiência. A mera alegação por uma das partes da necessidade de intervenção da União, entidade autárquica ou empresa pública federal em uma demanda entre pessoas privadas em trâmite na Justiça Estadual é insuficiente para que haja o deslocamento de competência para a Justiça Federal. (EDcl no AgRg no Ag 1.275.461-SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por maioria, julgado em 21/5/2024)
PRECEDENTE QUALIFICADO – TEMA 1196 - EXECUÇÃO PENAL. Progressão de regime. Alterações promovidas pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Crime hediondo com resultado morte. Ausência de previsão dos lapsos relativos aos reincidentes genéricos. Lacuna legal. Aplicação do percentual de 50% previsto no art. 112, inc. VI, alínea a da Lei de Execução Penal. Livramento condicional. Possibilidade. É válida a aplicação retroativa do percentual de 50% (cinquenta por cento), para fins de progressão de regime, a condenado por crime hediondo, com resultado morte, que seja reincidente genérico, nos moldes da alteração legal promovida pela Lei n. 13.964/2019 no art. 112, inc. VI, alínea a, da Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal), bem como a posterior concessão do livramento condicional, podendo ser formulado posteriormente com base no art. 83, inc. V, do Código Penal, o que não configura combinação de leis na aplicação retroativa de norma penal material mais benéfica. O Superior Tribunal de Justiça, após o advento da Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), formou jurisprudência no sentido de adotar interpretação mais benéfica aos apenados, exigindo a reincidência específica em crime hediondo para a aplicação do percentual de 60% (sessenta por cento). E, em julgamento no rito dos recursos repetitivos, foi fixada a tese, segundo a qual, "é reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante" (REsp 1.910.240/MG, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Terceira Seção, DJe 31/5/2021). Contudo, essa tese aprovada pela Terceira Seção do STJ não contemplou, de forma expressa, a situação dos condenados por crime hediondo ou equiparado com resultado morte. Sobre o tema, o STJ firmou jurisprudência no sentido de que é "possível aplicação retroativa do art. 112, VI, 'a', da LEP aos condenados por crime hediondo ou equiparado com resultado morte que sejam primários ou reincidentes não específicos, sem que tal retroação implique em imposição concomitante de sanção mais gravosa ao apenado, tendo em vista que, em uma interpretação sistemática, a vedação de concessão de livramento condicional prevista na parte final do dispositivo somente atingiria o período previsto para a progressão de regime, não impedindo posterior pleito com fundamento no art. 83, V, do CP" (AgRg nos Edcl no HC 689.031/SC, relator o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 19/11/2021). Assim, na linha do entendimento jurisprudencial firmado no STJ, há possibilidade de concessão do livramento condicional da pena aos condenados por crimes hediondos com resultado morte, não reincidentes ou reincidentes genéricos, pois a vedação trazida pela Lei n. 13.964/2019, que alterou a Lei n. 7.210/84, refere-se apenas ao período previsto para a progressão de regime, havendo a possibilidade de formulação de pedido do referido benefício posteriormente, após o cumprimento do percentual estabelecido, com base no art. 83, inc. V, do CP, que permanece vigente no ordenamento jurídico, não havendo que se falar em combinação de leis. Portanto, sob o rito do art. 543-C do CPC, deve ser firmada a seguinte tese: É válida a aplicação retroativa do percentual de 50% (cinquenta por cento), para fins de progressão de regime, a condenado por crime hediondo, com resultado morte, que seja reincidente genérico, nos moldes da alteração legal promovida pela Lei n. 13.964/2019 no art. 112, inc. VI, alínea a, da Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal), bem como a posterior concessão do livramento condicional, podendo ser formulado posteriormente com base no art. 83, inc. V, do Código Penal, o que não configura combinação de leis na aplicação retroativa de norma penal material mais benéfica. (REsp 2.012.101-MG, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado Do TJDFT), Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 22/5/2024, DJe 27/5/2024 (Tema 1196))
PRECEDENTE QUALIFICADO – TEMA 1200 -DIREITO CIVIL - Termo inicial do prazo prescricional de petição de herança. Pretenso filho. Pedido de reconhecimento de paternidade post mortem. Data da abertura da sucessão. O prazo prescricional para propor ação de petição de herança conta-se da abertura da sucessão, cuja fluência não é impedida, suspensa ou interrompida pelo ajuizamento de ação de reconhecimento de filiação, independentemente do seu trânsito em julgado. A controvérsia posta no recurso especial repetitivo centra-se em definir o termo inicial do prazo prescricional da ação de petição de herança, promovida por pretenso filho, cumulativamente com ação de reconhecimento de paternidade post mortem - se seria a partir da abertura da sucessão ou se seria após o trânsito em julgado da ação relativa ao estado de filiação. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento dos EAREsp n. 1.260.418/MG (Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, julgado em 26/10/2022, DJe 24/11/2022), dissipou a intensa divergência então existente entre as suas Turmas de Direito Privado, para compreender que o prazo prescricional para propor ação de petição de herança conta-se da abertura da sucessão, aplicada a vertente objetiva do princípio da actio nata, adotada como regra no ordenamento jurídico nacional (arts. 177 do CC/1916 e 189 do CC/2002). Compreendeu-se, em resumo, que a teoria da actio nata em sua vertente subjetiva tem aplicação em situações absolutamente excepcionais, apresentando-se, pois, descabida sua adoção no caso da pretensão de petição de herança, em atenção, notadamente, às regras sucessórias postas. De acordo com o art. 1.784 do Código Civil, que internaliza o princípio da saisine, "aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários", independentemente do reconhecimento oficial desta condição. Por sua vez, o art. 1.784 do Código Civil preceitua que: "legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão". Dessa maneira, conforme consignado no voto condutor, o pretenso herdeiro poderá, desde logo e independentemente do reconhecimento oficial desta condição (a de herdeiro), postular seus direitos hereditários, nos seguintes moldes: "i) propor ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança; ii) propor concomitantemente, mas em processos distintos, ação de investigação de paternidade e ação de petição de herança, caso em que ambas poderão tramitar simultaneamente, ou se poderá suspender a petição de herança até o julgamento da investigatória; e iii) propor ação de petição de herança, na qual deverão se discutidas, na esfera das causas de pedir, a efetiva paternidade do falecido e a violação do direito hereditário". Reputa-se, assim, absolutamente insubsistente a alegação de que a pretensão de reivindicar os direitos sucessórios apenas surgiria a partir da decisão judicial que reconhece a qualidade de herdeiro. A imprescritibilidade da pretensão atinente ao reconhecimento do estado de filiação - concebida como uma ação declaratória (pura), na qual se pretende, tão somente, a obtenção de uma certeza jurídica, atribuindo-se a ela, em verdade, o caráter de perpetuidade, já que não relacionada nem à reparação/proteção de um direito subjetivo violado, nem ao exercício de um direito potestativo - não poderia conferir ao pretenso filho/herdeiro a prerrogativa de escolher, ao seu exclusivo alvedrio, o momento em que postularia, em juízo, a pretensão da petição de herança, a redundar, indevidamente (considerada a sua natureza ressarcitória), também na imprescritibilidade desta, o que não se pode conceber. Esta linha interpretativa vai na direção da segurança jurídica e da almejada estabilização das relações jurídicas em lapso temporal condizente com a dinâmica natural das situações jurídicas daí decorrentes. (REsp 2.029.809-MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 22/5/2024. (Tema 1200))
PRECEDENTE QUALIFICADO – TEMA 1213 - DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Improbidade administrativa. Indisponibilidade de bens. Solidariedade entre os corréus. Art. 16, § 5º, da lei 8.429/1992 (com redação dada pelo Lei 4.230/2021). Ausência de divisão pro rata. Para fins de indisponibilidade de bens, há solidariedade entre os corréus da Ação de Improbidade Administrativa, de modo que a constrição deve recair sobre os bens de todos eles, sem divisão em quota-parte, limitando-se o somatório da medida ao quantum determinado pelo juiz, sendo defeso que o bloqueio corresponda ao débito total em relação a cada um. Cinge-se a controvérsia em saber se, para fins de indisponibilidade de bens (art. 16 da Lei n. 8.429/1992, na redação pela Lei n. 14.230/2021), a responsabilidade de agentes ímprobos é solidária e permite a constrição patrimonial em sua totalidade, sem necessidade de divisão pro rata, ao menos até a instrução final da Ação de Improbidade, quando ocorrerá a delimitação da quota de cada agente pelo ressarcimento. Sobre a matéria, as Primeira e Segunda Turmas do STJ possuem entendimento pacífico de "haver solidariedade entre os corréus da ação [de improbidade administrativa] até a instrução final do processo, sendo assim, o valor a ser indisponibilizado para assegurar o ressarcimento ao erário deve ser garantido por qualquer um deles, limitando-se a medida constritiva ao quantum determinado pelo juiz, sendo defeso que o bloqueio corresponda ao débito total em relação a cada um." (AgInt no REsp n. 1.827.103/RJ,Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 29.5.2020.). Nesse mesmo sentido: REsp n. 1.919.700/BA, Rel. Ministra; Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 16.11.2021; AgInt no REsp n. 1.899.388/MG, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 10.3.2021; AREsp n. 1.393.562/RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 7.10.2019; AgInt no REsp n. 1.910.713/DF, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 16.6.2021; AgInt no REsp n. 1.687.567/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 2.3.2018; e REsp n. 1.610.169/BA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 12.5.2017. O art. 16, § 5º, da Lei n. 8.429/1992, com redação dada pela Lei n. 14.230/2021, assim dispõe ao regulamentar a matéria: "Art. 16. Na ação por improbidade administrativa poderá ser formulado, em caráter antecedente ou incidente, pedido de indisponibilidade de bens dos réus, a fim de garantir a integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito. (...) § 5º Se houver mais de um réu na ação, a somatória dos valores declarados indisponíveis não poderá superar o montante indicado na petição inicial como dano ao erário ou como enriquecimento ilícito". Observa-se que a lei não prescreve que a limitação da indisponibilidade deva ocorrer de forma individual para cada réu, mas, sim, de forma coletiva, considerando o somatório dos valores. Esse ponto é fundamental para se constatar que a Lei de Improbidade Administrativa, com as alterações da Lei n. 14.320/2021, autorizou a constrição em valores desiguais entre os réus, desde que o somatório não ultrapasse o montante indicado na petição inicial como dano ao Erário ou como enriquecimento ilícito, na mesma linha do que já vinha entendendo esta Corte Superior. A propósito: "(...) III. O acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que possui precedentes no sentido de que, 'havendo solidariedade entre os corréus da ação até a instrução final do processo, o valor a ser indisponibilizado para assegurar o ressarcimento ao erário deve ser garantido por qualquer um deles, limitando-se a medida constritiva ao quantum determinado pelo juiz, sendo defeso que o bloqueio corresponda ao débito total em relação a cada um' (STJ, AgInt no REsp 1.899.388/MG, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 10/03/2021)." (REsp n. 1.919.700/BA, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 16.11.2021). Nesse sentido, efetivado o bloqueio de bens que garantam o quantum indicado na inicial ou outro estabelecido pelo juiz, devem ser liberados os valores bloqueados que sobejarem tal quantum. A restrição legal diz respeito apenas a que o somatório não ultrapasse o montante indicado na petição inicial ou outro valor definido pelo juiz. Não há, portanto, no § 5º do art. 16 da Lei n. 8.429/1992 determinação para que a indisponibilidade de bens ocorra de forma equitativa entre os réus e na proporção igual (e limitada) de cada quota-parte, sendo adequado se manter, mesmo no regime da Lei n. 14.230/2021, a jurisprudência consolidada no STJ no sentido da solidariedade. O citado artigo, ora em discussão, cuida do provimento cautelar de indisponibilidade de bens, cujo escopo é garantir a integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito. Tratando-se de decisão interlocutória proferida no âmbito da cognição sumária, razoável que se reconheça a possibilidade de, provisoriamente, haver responsabilização solidária, ao menos até o pronunciamento final, porque, neste estágio do processo, ainda não é possível, ordinariamente, determinar a responsabilidade de cada um dos litisconsorte pelo dano, sendo razoável que se mantenha a garantia, indiscriminadamente, sobre os bens de quaisquer dos acusados, limitado ao total reclamado. Dessa forma, considerando a nova redação do § 5º do art. 16 da Lei 8.429/1992, afirma-se a seguinte tese jurídica: "para fins de indisponibilidade de bens, há solidariedade entre os corréus da Ação de Improbidade Administrativa, de modo que a constrição deve recair sobre os bens de todos eles, sem divisão em quota-parte, limitando-se o somatório da medida ao quantum determinado pelo juiz, sendo defeso que o bloqueio corresponda ao débito total em relação a cada um." (REsp 1.955.116-AM, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/5/2024. (Tema 1213))
PRECEDENTE QUALIFICADO – TEMA 1117 - DIREITO ADMINISTRATIVO - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Idade mínima para matrícula, inscrição e realização de exame de conclusão do ensino médio em cursos do CEJA. 18 anos completos. Tema 1127. Modulação dos efeitos. Não é possível menor de 18 (dezoito) anos que não tenha concluído a educação básica se submeter ao sistema de avaliação diferenciado de jovens e adultos, normalmente oferecido pelos Centros de Jovens e Adultos - CEJAs, visando a aquisição de diploma de conclusão de ensino médio para fins de matrícula em curso de ensino superior. O objeto desta ação é analisar a possibilidade de menor de 18 (dezoito) anos que não tenha concluído a educação básica se submeter, a despeito do previsto no art. 38, § 1°, II, da Lei n. 9.394/1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -, ao sistema de avaliação diferenciado de jovens e adultos, normalmente oferecido pelos Centros de Jovens e Adultos - CEJAs, visando a aquisição de diploma de conclusão de ensino médio para fins de matrícula em curso de ensino superior. A educação de jovens e adultos tem por finalidade viabilizar o acesso ao ensino a quem não teve possibilidade de ingresso na idade própria e recuperar o tempo perdido, e não antecipar a possibilidade de jovens com idade abaixo de 18 (dezoito) anos ingressarem em instituição de ensino superior. Não se pode perder de vista que existe todo um planejamento acadêmico, científico e econômico, o qual, além do aprendizado, busca equalizar e distribuir os recursos na educação. Essa estrutura construída mediante o preenchimento das diversas etapas do sistema educacional deve ser preservada, de modo a manter a integridade do processo de formação escolar. Tentar cursar a série que bem entender, iria contra toda a estrutura acadêmica desenvolvida, em frontal burla ao sistema Por outro lado, devem ser respeitadas as opções constitucionalmente existentes, dentre as diversas do Legislativo e do Executivo. Não cabe ao Judiciário ignorar e desconsiderar o debate feito pelos órgãos legítimos e impor sua opinião com base em razoabilidade, desrespeitando a separação das funções do Estado e o próprio Estado Democrático de Direito. O jovem menor de 18 anos, que tenha condições postas no art. 24 da Lei n. 9.394/1996, poderá evoluir e ultrapassar séries, sob aferição da escola, e não antecipando o exame que o colocará no ensino superior. Portanto, não é possível menor de 18 (dezoito) anos que não tenha concluído a educação básica se submeter ao sistema de avaliação diferenciado de jovens e adultos, normalmente oferecidos pelos Centros de Jovens e Adultos - CEJAs, visando a aquisição de diploma de conclusão de ensino médio para fins de matrícula em curso de ensino de educação superior. Modulam-se os efeitos do julgado para manter a consequência das decisões judiciais que autorizaram menor de 18 (dezoito) anos que não tenha concluído a educação básica se submeter ao sistema de avaliação diferenciado de jovens e adultos proferidas até a data da publicação do acórdão. (REsp 1.945.851-CE, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/5/2024. (Tema 1127))
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Alienação fiduciária de imóvel. Execução extrajudicial. Lei n. 9.514/1997. Arrematação a preço vil. Impossibilidade. As normas que impedem a arrematação por preço vil são aplicáveis à execução extrajudicial de imóvel alienado fiduciariamente. A execução extrajudicial de imóvel dado em alienação fiduciária tem regramento próprio estabelecido na Lei n. 9.514/1997, que, antes das modificações perpetradas pela Lei n. 14.711/2023, previa que o contrato que serve de título ao negócio fiduciário deveria conter o valor do principal da dívida e a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão (art. 24, I e VI). A partir da vigência da Lei n. 14.711/2023, não há mais dúvidas de que, em segundo leilão, não pode ser aceito lance inferior à metade do valor de avaliação do bem, ainda que superior ao valor da dívida (acrescido das demais despesas), à semelhança da disposição contida no art. 891 do CPC/2015. No caso, o leilão foi realizado antes da vigência da Lei n. 14.711/2023, o que não altera, contudo, a compreensão acerca da matéria. Com efeito, no âmbito doutrinário, há muito já se defendia a impossibilidade de alienação extrajudicial a preço vil, não só por invocação do art. 891 do CPC/2015, mas também de outras normas, tanto de direito processual quanto material, que i) desautorizam o exercício abusivo de um direito (art. 187 do Código Civil); ii) condenam o enriquecimento sem causa (art. 884 do Código Civil); iii) determinam a mitigação dos prejuízos do devedor (art. 422 do Código Civil) e iv) prelecionam que a execução deve ocorrer da forma menos gravosa para o executado (art. 805 do CPC/2015). A despeito de ser a quantia obtida em segundo leilão muito inferior à metade do preço de avaliação para venda forçada, mesmo sem atualização, entenderam as instâncias ordinárias que as normas de caráter geral não seriam aplicáveis à execução extrajudicial regida pelas disposições especiais da Lei n. 9.514/1997. Tal orientação, no entanto, não encontra amparo nem na doutrina majoritária, tampouco em julgados do STJ que, mesmo antes da inovação legislativa, já defendiam a impossibilidade da arrematação a preço vil na execução extrajudicial de imóvel alienado fiduciariamente. Por fim, em que pese a prevalência do caráter negocial da alienação por iniciativa particular, também a ela se aplica a vedação da alienação a preço vil, entendida, em regra, como sendo aquela que não alcança 50% do valor da avaliação, ressalvadas as situações em que se deve levar em conta as particularidades do caso concreto. (REsp 2.096.465-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024, DJe 16/5/2024)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Execução fiscal. SISBAJUD. Penhora online. Reiteração automática. Modalidade "Teimosinha". Legalidade. Princípio da razoabilidade. Peculiaridades do caso concreto. A reiteração automática de ordens de bloqueio on-line de valores ("Teimosinha") não é, por si só, revestida de ilegalidade, devendo a sua legalidade ser avaliada em cada caso concreto. No caso, trata-se de agravo em que alega a parte recorrente que o uso prolongado e indiscriminado de ferramentas como o sistema SISBAJUD, prorrogando o cumprimento de ordens judiciais por vários dias, pode acarretar sérios prejuízos à operacionalidade da empresa sem que se assegure a manutenção de suas atividades essenciais. A Primeira Turma do STJ firmou entendimento no sentido de que "[a] modalidade 'teimosinha' tenciona aumentar a efetividade das decisões judiciais e aperfeiçoar a prestação jurisdicional, notadamente no âmbito das execuções, e não é revestida, por si só, de qualquer ilegalidade, porque busca dar concretude aos arts. 797, caput, e 835, I, do CPC, os quais estabelecem, respectivamente, que a execução se desenvolve em benefício do exequente, e que a penhora em dinheiro é prioritária na busca pela satisfação do crédito. A medida deve ser avaliada em cada caso concreto, porque pode haver meios menos gravosos ao devedor de satisfação do crédito (art. 805 do CPC), mas não se pode concluir que a ferramenta é, à primeira vista, ilegal" (REsp n. 2.034.208/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 31/1/2023). Na hipótese em discussão, observa-se que o indeferimento de acionamento da referida ferramenta pelo Tribunal a quo se apoia em fundamento genérico, sem menção às peculiaridades fáticas do caso concreto. Logo, deve ser provido o recurso, com a determinação de retorno dos autos para novo julgamento, ocasião em que o órgão julgador deverá decidir a respeito da adequação da medida pedida pela exequente, à luz das peculiaridades do caso concreto, com observância do princípio da razoabilidade. (AgInt no REsp 2.091.261-PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 22/4/2024, DJe 25/4/2024)
DIREITO CIVIL, DIREITO DA SAÚDE - Plano de Saúde. Rol da ANS. Pressuposto de superação. Critérios da Segunda Seção do STJ. Legislação superveniente. Irretroatividade. Caráter inovador. Tratamento continuado. Aplicação ex nunc. Neoplasia maligna. Medicamento quimioterápico. Diretrizes de utilização (DUT). Mero elemento organizador da prescrição farmacêutica de insumos e de procedimentos. Efeito impeditivo de tratamento assistencial. Afastamento. Nos tratamentos de caráter continuado, deverão ser observadas, a partir da sua vigência, as inovações trazidas pela Lei n. 14.454/2022, diante da aplicabilidade imediata da lei nova. Trata-se a discussão acerca do alcance das normas definidoras do plano referência de assistência à saúde, também conhecido como Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, elaborado periodicamente pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), sobretudo com relação às Diretrizes de Utilização (DUT). No caso, a paciente se submeteu a uma cirurgia de remoção de tumor no intestino (neoplasia estenosante de sigmoide), tendo sido solicitada a realização de exame PET-SCAN, com vistas a evidenciar e a monitorar a situação da sua patologia, o que contrariaria Diretriz de Utilização do Rol da ANS. Quando do julgamento dos EREsps n. 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, a Segunda Seção do STJ uniformizou o entendimento de ser o Rol da ANS, em regra, taxativo, podendo ser mitigado quando atendidos determinados critérios. A Lei n. 14.454/2022 promoveu alteração na Lei n. 9.656/1998 (art. 10, § 13) para estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar. Com essa edição legislativa o Rol da ANS passou por sensíveis modificações em seu formato, suplantando a eventual oposição rol taxativo/rol exemplificativo. A superveniência desse novo diploma legal foi capaz de fornecer nova solução legislativa, antes inexistente, provocando alteração substancial do complexo normativo. Ainda que se quisesse cogitar, erroneamente, que a modificação legislativa havida foi no sentido de trazer uma "interpretação autêntica", ressalta-se que o sentido colimado não vigora desde a data do ato interpretado, mas apenas opera efeitos ex nunc, já que a nova regra modificadora ostenta caráter inovador. Em âmbito cível, conforme o princípio da irretroatividade, a lei nova não alcança fatos passados, ou seja, aqueles anteriores à sua vigência. Seus efeitos somente podem atingir fatos presentes e futuros, salvo previsão expressa em outro sentido e observados o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido. Embora a lei nova não possa, em regra, retroagir, é possível a sua aplicação imediata, ainda mais em contratos de trato sucessivo. Assim, nos tratamentos de caráter continuado, deverão ser observadas, a partir da sua vigência, as inovações trazidas pela Lei n. 14.454/2022, diante da aplicabilidade imediata da lei nova. Dessa forma, mantém-se a jurisprudência da Segunda Seção do STJ, que uniformizou a interpretação da legislação da época, devendo incidir aos casos regidos pelas normas que vigoravam quando da ocorrência dos fatos, podendo a nova lei incidir, a partir de sua vigência, aos fatos daí sucedidos. Por fim, a Diretriz de Utilização (DUT) deve ser entendida apenas como elemento organizador da prestação farmacêutica de insumos e de procedimentos no âmbito da Saúde Suplementar, não podendo a sua função restritiva inibir técnicas diagnósticas essenciais ou alternativas terapêuticas ao paciente, sobretudo quando já tiverem sido esgotados tratamentos convencionais e existir comprovação da eficácia da terapia à luz da medicina baseada em evidências. Desse modo, aplicando-se os parâmetros definidos para a superação, in concreto, da taxatividade do Rol da ANS (que são similares à inovação trazida pela Lei n. 14.454/2022, conforme também demonstra o Enunciado n. 109 das Jornadas de Direito da Saúde), verifica-se que a paciente faz jus à cobertura pretendida de realização do PET-SCAN (ou PET-CT), ainda mais em se tratando de exame vinculado a tratamento de câncer. (REsp 2.037.616-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 24/4/2024, DJe 8/5/2024)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO TRIBUTÁRIO - Execução fiscal. Exclusão de coexecutado do polo passivo. Proveito econômico inestimável. Honorários advocatícios. Fixação com base em critério equitativo. Art. 85, § 8º, do CPC. Tema 1076 do STJ. Nos casos em que a exceção de pré-executividade visar, tão somente, à exclusão do excipiente do polo passivo da execução fiscal, sem impugnar o crédito executado, os honorários advocatícios deverão ser fixados por apreciação equitativa, nos termos do art. 85, § 8º, do CPC/2015, por não ser possível se estimar o proveito econômico obtido com o provimento jurisdicional. O feito em discussão decorre de embargos de divergência opostos contra acórdão da Primeira Turma, da relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, no qual se definiu, em síntese, que "o § 8º do art. 85 do CPC/2015 deve ser observado sempre que parte executada objetivar somente a exclusão do polo passivo, sem impugnação do crédito tributário, porquanto não há como estimar proveito econômico algum". Foi apontado como paradigma o AgInt no REsp n. 1.665.300/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/12/2017, DJe 19/12/2017, no qual ficou decidido, em circunstâncias semelhantes, que "a fixação, pelo Tribunal de origem, do valor dos honorários por apreciação equitativa, conforme determinado no § 8º do artigo 85 do CPC/2015, mostra-se inadequada". A questão controvertida, portanto, cinge-se à possibilidade ou não de se determinar, de maneira objetiva, o valor do proveito econômico nas hipóteses de exclusão de um dos coexecutados do polo passivo de execução fiscal. Deve-se adotar o entendimento pela Primeira Turma do STJ, no sentido de que, nos casos em que a exceção de pré-executividade visar, tão somente, à exclusão do excipiente do polo passivo da execução fiscal, sem impugnar o crédito executado, os honorários advocatícios deverão ser fixados por apreciação equitativa, nos moldes do art. 85, § 8º, do CPC/2015, porquanto não há como se estimar o proveito econômico obtido com o provimento jurisdicional. Não se pode admitir, em hipóteses tais, a fixação dos honorários com base em percentual incidente sobre o valor da causa porquanto em feitos complexos que envolvam diversas pessoas físicas e jurídicas por múltiplas hipóteses de redirecionamento de execução fiscal, cogitar-se da possibilidade de que a Fazenda Nacional seja obrigada a arcar com honorários de cada excluído com base no valor total da causa implicaria exorbitante multiplicação indevida dos custos da execução fiscal. Isso porque o crédito continua exigível, em sua totalidade, do devedor principal ou outros responsáveis. A depender das circunstâncias do caso concreto, a Fazenda Pública poderia se ver obrigada a pagar honorários múltiplas vezes, sobre um mesmo valor de causa, revelando-se inadequado bis in idem e impondo barreiras excessivas, ou mesmo inviabilizando, sob o ponto de vista do proveito útil do processo, a perseguição de créditos públicos pela Procuradoria da Fazenda Nacional. A saída considerada de calcular-se o valor do proveito econômico a partir da divisão do valor total da dívida executada pelo número de coexecutados, considerando-se a responsabilidade por fração ideal da dívida, não merece acolhida. Isso porque a fórmula não releva contornos objetivos seguros nem possibilidade de universalização sem distorções proporcionais, especialmente porque, em diversas circunstâncias, há redirecionamento posterior da execução em relação a outras pessoas jurídicas pertencentes a um mesmo grupo econômico, ou outros sócios, não sendo absoluto ou definitivo o número total de coexecutados existente no início da execução fiscal. A depender dos motivos que autorizam a exclusão de sócio do polo passivo da execução, não haveria que se falar em proveito econômico imediato na exclusão, mas tão somente postergação de eventual pagamento de parte do débito. Ademais, é necessário considerar que, mesmo em dívidas de valor elevado, o devedor não seria afetado além do limite do seu patrimônio expropriável, o que também afeta a aferição do proveito econômico. No julgamento do recurso representativo da controvérsia no Tema 961/STJ - REsp n. 1.358.837/SP, da relatoria Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado em 10/3/2021, DJe de 29/3/2021 - no qual definiu-se a tese de que "Observado o princípio da causalidade, é cabível a fixação de honorários advocatícios, em exceção de pré-executividade, quando o sócio é excluído do polo passivo da execução fiscal, que não é extinta", constou, das razões de decidir, que o arbitramento dos honorários, a partir da extinção parcial da execução, seria determinado com base no critério de equidade. Reputa-se correta a premissa adotada pela Primeira Turma do STJ de que, em regra, nos casos em que a exceção de pré-executividade visar, tão somente, à exclusão do excipiente do polo passivo da execução fiscal, sem impugnar o crédito executado, os honorários advocatícios deverão ser fixados por apreciação equitativa, nos moldes do art. 85, § 8º, do CPC/2015, porquanto não há como se estimar o proveito econômico obtido com o provimento jurisdicional. Não há que se falar em inobservância da tese firmada no Tema 1076/STJ dos recursos repetitivos, sendo a questão aqui definida - caráter inestimável do proveito econômico decorrente da exclusão de coexecutado do polo passivo da execução fiscal - compatível com a conclusão alcançada no citado precedente qualificado, segunda parte, na qual se determinou que devem ser fixados por equidade os honorários nos casos em que o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável. (EREsp 1.880.560-RN, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 24/4/2024)
DIREITO PENAL - Estelionato judicial. Ação de execução fundada em título executivo não autêntico. Atipicidade da conduta. Apuração e processamento de crimes remanescentes. Possibilidade. O denominado estelionato judicial é conduta atípica na esfera penal. O Tribunal a quo confirmou a condenação da acusada pelo crime de estelionato, porque teria, na condição de advogada, ajuizado ação de execução com base em título inautêntico, sendo autorizado o levantamento de vultuosa quantia da conta bancária da vítima. Ocorre que, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o uso de ações judiciais com o objetivo de obter lucro ou vantagem indevida caracteriza estelionato judicial, conduta atípica na esfera penal. Esta Corte Superior entende que a figura do estelionato judiciário é atípica pela absoluta impropriedade do meio, uma vez que o processo tem natureza dialética, possibilitando o exercício do contraditório e a interposição dos recursos cabíveis, não se podendo falar, no caso, em 'indução em erro' do magistrado. Eventual ilicitude de documentos que embasaram o pedido judicial poderia, em tese, constituir crime autônomo, que não se confunde com a imputação de 'estelionato judicial' e não foi descrito na denúncia." (REsp 1.101.914/RJ, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 21/3/2012). Ou seja, é "Inexistente como figura penal típica a conduta de induzir em erro o Poder Judiciário a fim de obter vantagem ilícita, não havendo falar em absorção de uma conduta típica (falso) por outra que sequer é prevista legalmente (estelionato judiciário)." (AgRg no RHC 98.041/RJ, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 4/9/2018). Por fim, frise-se que o reconhecimento da atipicidade da conduta do estelionato judiciário não afasta a possibilidade de apuração de eventuais crimes autônomos remanescentes. (AgRg no HC 841.731-MS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 15/4/2024, DJe 18/4/2024)
DIREITO DO CONSUMIDOR - Ação civil pública. Legalidade de cobrança de taxa de conveniência para aquisição de ingressos para shows. Distinção entre taxa de conveniência, taxa de entrega e taxa de retirada. Cobrança das referidas taxas que refletem custos de intermediação de vendas e de serviços efetivamente prestados ao consumidor. Abusividade não comprovada. Não configura prática abusiva a cobrança das taxas de conveniência, retirada e/ou entrega de ingressos comprados na internet, desde que o valor cobrado pelo serviço seja acessível e claro. A taxa de conveniência é aquela cobrada pela simples aquisição de ingresso por meio de empresa contratada e diz respeito aos custos de intermediação da venda desses ingressos. Por outro lado, a taxa de retirada (também chamada de will call) é aquela cobrada quando o próprio consumidor compra o ingresso pela internet ou por telefone, mas, ao invés de imprimi-lo em casa, o emite em bilheteria específica colocada à sua disposição. No mais, taxa de entrega é aquela cobrada quando a pessoa opta por receber seu ingresso em domicílio, pelos Correios ou por outro serviço de courier. No caso relativo à taxa de conveniência, cobrada quando da aquisição de ingresso pela internet, guiando-se pelo que decidido no julgamento dos Temas n. 938 e n. 958, a Terceira Turma desta Corte já entendeu que não há óbice a que os custos da intermediação de venda de ingressos sejam transferidos ao consumidor, desde que haja informação prévia acerca do preço total da aquisição, com destaque do valor. Na inicial da ação civil pública, o MP não alega que os custos da taxa de conveniência estariam sendo omitidos dos consumidores, existindo indicação expressa no sentido de que a empresa recorrente ofereceria os ingressos "sob o pagamento de valor adicional" e que estaria agregando "referido valor ao dos ingressos, ainda que os mesmos sejam adquiridos junto às bilheterias". Tratando-se de valor explícito no momento da compra do ingresso, não há como considerar, neste tipo de situação, que tenha havido a ocorrência de prática abusiva. As taxas de entrega e de retirada, ao contrário da taxa de conveniência, não configuram um simples custo de intermediação de venda, mas estão vinculadas a um serviço independente, dirigido ao consumidor que não quer ou não pode imprimir seu ingresso virtual em casa. Assim como a entrega em domicílio gera um custo para a empresa responsável pela venda dos bilhetes, pois implica a contratação de serviço de courier, não há dúvidas de que o serviço de retirada de bilhetes em posto físico (will call) também acarreta um custo para a mesma empresa, porque, para colocá-lo à disposição do consumidor, ela tem que contratar uma pessoa para atendê-lo, além de ter que alugar ou comprar um espaço físico e as impressoras necessárias. Se há serviço disponibilizado ao consumidor, que pode optar, a seu critério, se vai imprimir seu ingresso em casa, se vai solicitar que ele seja entregue pelos Correios, ou se vai preferir retirá-lo em bilheteria, e se o valor cobrado pelo serviço é acessível e claro, não há que se falar em abusividade. (REsp 1.632.928-RJ, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 9/4/2024, DJe 25/4/2024)
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Alienação fiduciária. Busca e apreensão de bem. Notificação extrajudicial do devedor fiduciante. Correio eletrônico. E-mail. Possibilidade. Comprovação de recebimento. Necessidade. É suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por e-mail, desde que seja encaminhada ao endereço eletrônico indicado no contrato de alienação fiduciária e comprovado seu efetivo recebimento. O art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969 estabelece ser a carta registrada com aviso de recebimento uma das formas de notificação extrajudicial do devedor. Por sua vez, esta Corte firmou o entendimento, em recurso especial repetitivo, de que, "em ação de busca e apreensão fundada em contratos garantidos com alienação fiduciária (art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969), para a comprovação da mora, é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento, quer seja pelo próprio destinatário, quer por terceiros" (REsp 1.951.662/RS, relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, DJe 20/10/2023). Isso significa que deverá ser considerada suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante encaminhada ao endereço indicado no contrato, com prova de seu recebimento, independentemente de quem tenha assinado o AR. A par desses dois requisitos - notificação enviada para o endereço do contrato e comprovação de sua entrega efetiva -, é viável explorar outros possíveis meios de notificação extrajudicial que possam legitimamente demonstrar, perante o Poder Judiciário, o cumprimento da obrigação legal para o ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem. Sob esse aspecto, é possível, por interpretação analógica do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, considerar suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por correio eletrônico, desde que seja encaminhada ao endereço eletrônico indicado no contrato e, principalmente, seja comprovado seu recebimento, independentemente de quem a tenha recebido. Não é razoável exigir, a cada inovação tecnológica que facilite a comunicação e as notificações para fins empresariais, a necessidade de uma regulamentação normativa no Brasil para sua utilização como prova judicial, sob pena de subutilização da tecnologia desenvolvida. Além disso, a aceitação, pelo Poder Judiciário, de métodos de comprovação de entrega de mensagens eletrônicas pode ser embasada na análise de sua eficácia e confiabilidade, como ocorre com qualquer prova documental, independentemente de certificações formais. Se a parte apresentar evidências sólidas e verificáveis que atestem a entrega da mensagem, assim como a autenticidade de seu conteúdo, o magistrado pode considerar tais elementos válidos para efeitos legais. Nessa perspectiva, se o credor fiduciário apresentar prova do recebimento do e-mail, encaminhado ao endereço eletrônico fornecido no contrato de alienação fiduciária, a notificação extrajudicial deve ser admitida para o ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem, uma vez cumpridos os mesmos requisitos exigidos da carta registrada com aviso de recebimento. (REsp 2.087.485-RS, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024, DJe 2/5/2024)
DIREITO CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - Abuso sexual infantil. Ação de indenização por danos materiais e morais. Prescrição. Termo inicial. Teoria subjetiva da actio nata. Aplicação. O termo inicial da prescrição nos casos de abuso sexual durante a infância e adolescência não pode ser automaticamente vinculado à maioridade civil, sendo essencial analisar o momento em que a vítima tomou plena ciência dos danos em sua vida, aplicando-se a teoria subjetiva da actio nata. Na origem, foi ajuizada ação de indenização por danos materiais e morais em decorrência de abuso sexual sofrido na infância. O Tribunal a quo manteve a prescrição reconhecida na sentença, pois já havia transcorrido muito mais que os três anos do prazo prescricional. Ademais, consignou que o prazo "tem a fluência a partir da maioridade, e não, do início do tratamento psicológico, eis que já tinha discernimento suficiente para mensurar a gravidade dos fatos ocorridos e o livre arbítrio para procurar os meios legais para responsabilização do réu". Portanto, a controvérsia diz respeito ao termo inicial da prescrição no caso de abuso sexual cometido contra menor de idade, em que o resultado lesivo do crime foi efetivamente constatado pela vítima apenas muitos anos após a cessação dos atos libidinosos. O abuso sexual contra menores de idade é problema grave e alarmante, que traz consequências devastadoras para as vítimas e suas famílias. Embora seja tema sensível, é fundamental discuti-lo para ampliar a conscientização e promover medidas eficazes de prevenção e combate. O abuso sexual ocasiona danos permanentes, deixando cicatrizes emocionais, cognitivas e comportamentais que podem perdurar ao longo da vida da vítima. Por sua vez, esses danos podem se manifestar de maneira mais perceptível em determinadas épocas da vida da pessoa, muitas vezes em resposta a acontecimentos específicos. Por exemplo, uma pessoa que tenha sido vítima de abuso sexual na infância pode experimentar o ressurgimento significativo dos traumas durante a gravidez, o nascimento de um filho, ou ao entrar em relacionamento íntimo. Esses eventos podem desencadear lembranças dolorosas e uma série de reações emocionais e psicológicas, como ansiedade, depressão ou baixa autoestima. Logo, embora os danos do abuso sexual sejam intrinsecamente permanentes, sua manifestação pode variar ao longo do tempo e em resposta a diferentes eventos ou estágios da vida da vítima. Muitas vezes, as vítimas enfrentam dificuldades para lidar com as consequências emocionais e psicológicas do abuso e podem levar anos, ou mesmo décadas, para reconhecer e processar plenamente o trauma que sofreram. Por conseguinte, é desarrazoado exigir da vítima de abuso sexual a imediata atuação no exíguo prazo prescricional de três anos após atingir a maioridade civil (art. 206, § 3º, V, do CC/2002). Em razão da complexidade do trauma causado pelo abuso sexual infantil, é plenamente possível que, aos 21 anos de idade, ela ainda não tenha total consciência do dano sofrido nem das consequências desse fato ao longo de sua vida. Sob outro ângulo, é crucial considerar a possibilidade de a vítima, aos 21 anos, ainda manter contato direto com o agressor, que, na maior parte das vezes, é membro da família, como o pai, o padrasto ou parente próximo. Essa situação pode adicionar uma camada significativa de complexidade e dificuldade para reconhecer e lidar com o abuso sofrido. Em regra, esta Corte Superior adota para o cômputo da prescrição a teoria objetiva da actio nata, considerando a data da efetiva violação ao direito como marco inicial para a contagem (art. 189 do CC/2002). Contudo, em situações peculiares, nas quais a vítima não detém plena consciência do dano nem de sua extensão, a jurisprudência do STJ tem adotado a teoria subjetiva da actio nata, elegendo a data da ciência como termo inicial da prescrição. A teoria subjetiva da actio nata é especialmente relevante no contexto de abuso sexual infantil, em que o ofendido pode não ter plena consciência do dano sofrido até décadas após o ocorrido, quando o trauma começa a se manifestar de forma mais evidente. Nessa situação, a teoria subjetiva da actio nata permite que o prazo de prescrição inicie a partir do momento em que a vítima efetivamente tenha conhecimento dos efeitos decorrentes do abuso sexual, permitindo que busque a reparação legal. Portanto, considerando a gravidade do crime, a complexidade do dano causado e suas repercussões, com impacto permanente na vida tanto da vítima quanto de seus familiares, e o relevante bem jurídico tutelado - a integridade física, moral e psicológica -, é imperativo reconhecer que, nos casos de abuso sexual durante a infância e adolescência, o início do prazo prescricional não pode ser automaticamente vinculado à maioridade civil. Em vez disso, é essencial analisar o momento em que a vítima tomou plena ciência dos danos em sua vida, aplicando-se assim a teoria subjetiva da actio nata. Dessa forma, é imprescindível conceder à vítima a oportunidade de comprovar o momento em que constatou os transtornos decorrentes do abuso sexual, a fim de estabelecer o termo inicial de contagem do prazo prescricional para a reparação civil. (REsp 2.123.047-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024, DJe 30/4/2024)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Penhora on-line. Sistema bacenjud. Valores inferiores a 40 salários mínimos. Impenhorabilidade presumida. Possibilidade de reconhecimento de ofício pelo juiz. Constatado que a parte executada não possui saldo suficiente, cabe ao juiz, independentemente da manifestação da interessada, indeferir o bloqueio de ativos financeiros ou determinar a liberação dos valores constritos. A controvérsia dos autos cinge-se à (i)legitimidade do reconhecimento, de plano, da impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do Código de Processo Civil. Nos termos do art. 833, X, do Código de Processo Civil, bem como da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, são impenhoráveis valores inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos depositados em aplicações financeiras, de modo que, constatado que a parte executada não possui saldo suficiente, cabe ao juiz, independentemente da manifestação da parte interessada, indeferir o bloqueio de ativos financeiros ou determinar a liberação dos valores constritos, isso porque, além de as matérias de ordem públicas serem cognoscíveis de ofício, a impenhorabilidade em questão é presumida, cabendo ao credor a demonstração de eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou nos seguintes termos: "a impenhorabilidade constitui matéria de ordem pública, cognoscível de ofício pelo juiz, não havendo falar em nulidade da decisão que, de plano, determina o desbloqueio da quantia ilegalmente penhorada." (AgInt no AREsp 2.151.910/RS, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 19/09/2022, DJe de 22/09/2022). (AgInt no AREsp 2.220.880-RS, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 26/2/2024, DJe 29/2/2024)
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Plano de saúde coletivo. Reajuste anual. Aumento de sinistralidade. Aplicado de forma complementar ao reajuste por variação de custo. Extrato pormenorizado. Despesas assistenciais e receitas diretas do plano. Ausência de demonstração. Abusividade configurada. O reajuste por aumento de sinistralidade só pode ser aplicado pela operadora, de forma complementar ao reajuste por variação de custo, se demonstrado, a partir de extrato pormenorizado, o incremento na proporção entre as despesas assistenciais e as receitas diretas do plano, apuradas no período de doze meses consecutivos, anteriores à data-base de aniversário considerada como mês de assinatura do contrato. O propósito recursal é decidir sobre a apuração, em liquidação de sentença, do índice de reajuste por aumento de sinistralidade aplicado pela operadora do plano de saúde coletivo. Esclarece a Agência Nacional de Saúde - ANS, sobre o reajuste anual de planos coletivos, que a justificativa do percentual proposto deve ser fundamentada pela operadora e seus cálculos (memória de cálculo do reajuste e a metodologia utilizada) disponibilizados para conferência pela pessoa jurídica contratante com o mínimo de 30 dias de antecedência da data prevista para a aplicação do reajuste. O reajuste por aumento de sinistralidade só pode ser aplicado pela operadora, de forma complementar ao reajuste por variação de custo, se e quando demonstrado, a partir de extrato pormenorizado, o incremento na proporção entre as despesas assistenciais e as receitas diretas do plano, apuradas no período de doze meses consecutivos, anteriores à data-base de aniversário considerada como mês de assinatura do contrato. Além de responder administrativamente, perante a ANS, por eventual infração econômico-financeira ou assistencial, a aplicação do reajuste pela operadora, sem comprovar, previamente, o aumento de sinistralidade, torna abusiva a cobrança do beneficiário a tal título. Se a operadora, em juízo, é instada a apresentar o extrato pormenorizado que demonstra o aumento da sinistralidade e permanece inerte, outra não pode ser a conclusão senão a de que é indevido o reajuste exigido, por ausência do seu fato gerador, impondo-se, pois, o seu afastamento; do contrário, estar-se-ia autorizando o reajuste sem causa correspondente, a ensejar o enriquecimento ilícito da operadora. (REsp 2.108.270-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024, DJe 26/4/2024)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO - PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - LOTEAMENTO NÃO REGULARIZADO À ÉPOCA DA CELEBRAÇÃO - OBJETO ILÍCITO - CONTRATO NULO - IMPOSSIBILIDADE DE CONVALIDAÇÃO - RECONDUÇÃO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE.
- Constitui elemento essencial de todo e qualquer contrato a licitude de seu objeto, cuja ausência impõe a declaração de nulidade do negócio jurídico, a teor do disposto no art. 166 do Código Civil.
- Nos termos do art. 37 da Lei nº 6.766/79, ``é vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado''.
- É nulo o contrato que viola norma cogente proibitiva, sendo descabida a sua ratificação, ainda que, posteriormente, o empreendimento venha a ser regularizado. (Apelação Cível nº 1.0000.22.029448-2/005 - Comarca de Pouso Alegre - Apelante: Stelita 06 Colina do Rei Spe LTDA. - Apelado: Luiz Gustavo Fernandes da Silva, N. H. Empreendimentos Imobiliários Ltda. Relator: Roberto Soares de Vasconcellos Paes)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - AGRESSÃO CONTRA ANIMAL DE ESTIMAÇÃO - AÇÃO NECESSÁRIA PARA SEPARAR O ANIMAL DO AUTOR DE SEU CACHORRO - ANIMAL DO RÉU ATACADO NOS LIMITES DO LOTE DO REQUERIDO PELO CÃO DO AUTOR - DANOS PROVOCADOS EM ESTADO DE NECESSIDADE - CONDUTA LÍCITA - ANIMAL LESIONADO QUE TRANSITAVA SEM COLEIRA - NEGLIGÊNCIA DOS PROPRIETÁRIOS DO CÃO SUPOSTAMENTE AGREDIDO - DEVER DE INDENIZAR - AFASTAMENTO
- Ao dever de reparar impõe-se configuração de ato ilícito, nexo causal e dano, nos termos dos arts. 927, 186 e 187 do CC/02, de modo que, ausente demonstração de um desses requisitos, não há que se falar em condenação, ressalvada a hipótese de responsabilidade objetiva, na qual prescindível a demonstração da culpa.
- Não constituem ato ilícito aqueles praticados em legítima defesa, estado de necessidade ou em exercício regular de um direito reconhecido.
- As lesões provocadas pelo réu no cão do autor foram na medida do necessário para fazer cessar injusta agressão sofrida por seu cachorro e evitar um mal maior, que seria a morte de um dos animais, caracterizando-se a conduta como verdadeira ação em estado de necessidade.
- Considerando que os danos causados pelo réu em estado de necessidade atingiram o patrimônio do próprio causador do perigo (parte autora), não há falar-se em pagamento de indenização. (Apelação Cível nº 1.0000.23.328512-1/001 - Comarca de Itamonte - Apelantes: Marcos Antonio Lino, S.R.L. representado p/ pai Marcos Antonio Lino - Apelado: Luiz Henrique Reinaldo. - Relator: Des. João Cancio. - Relator: Des. João Cancio)
APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO - DOSIMETRIA - COMPENSAÇÃO INTEGRAL ENTRE A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA COM A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA - NÃO CABIMENTO DIANTE DA MULTIRREINCIDÊNCIA DO RÉU - CONTUMÁCIA DO AGENTE EM TRILHAR O CAMINHO DA CRIMINALIDADE - MAIOR REPROVABILIDADE DA CONDUTA - REGIME SEMIABERTO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO NÃO PROVIDO
- A comprovada multirreincidência do réu justifica a preponderância da agravante da reincidência sobre a confissão espontânea.
- A aplicação da agravante da reincidência deve atender a certos parâmetros, como a espécie, a natureza e os graus de reincidência, em atendimento aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, a recomendar a maior reprovação da conduta do acusado multirreincidente, em comparação com aquele que carregue a condição de reincidente por força de um único evento isolado em sua vida.
- É possível o regime prisional semiaberto para o réu reincidente, se a pena privativa de liberdade for fixada em até 4 (quatro) anos e se favoráveis as circunstâncias judiciais, o que não é o caso (inteligência da Súmula n° 269 do STJ).
- Regime fechado mantido. Recurso não provido. (Apelação Criminal n° 1.0000.23.329986-6/001 - Comarca de São Lourenço - Apelante: W.S. - Apelado: Ministério Público - MPMG. - Relator: Des. Doorgal Borges de Andrada)
APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO QUALIFICADO - UTILIZAÇÃO DO REPOUSO NOTURNO COMO CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL - POSSIBILIDADE - COMPENSAÇÃO INTEGRAL ENTRE ATENUANTE DE CONFISSÃO ESPONTÂNEA E AGRAVANTE DE REINCIDÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE - REGIME ABERTO E SUBSTITUIÇÃO - INADMISSIBILIDADE - MULTIRREINCIDÊNCIA
- A causa de aumento de pena da prática do crime de furto durante o período noturno (art. 155, § 1º, do Código Penal) não incide na forma qualificada do crime (art. 155, § 4º, do Código Penal), conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de julgamento de Recursos Especiais Repetitivos (Tema 1.087).
- Entretanto, é admitido que, com base nas circunstâncias do caso concreto, a prática do furto durante o repouso noturno possa ser levada em consideração na dosimetria da pena, como circunstância judicial negativa.
- Em conformidade com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em se tratando de réu multirreincidente, a compensação integral com a confissão espontânea implicaria ofensa aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, mormente porque a multirreincidência possui maior grau de reprovação, devendo, pois, prevalecer sobre a atenuante.
- Inexiste bis in idem quando o agente conta em sua Certidão de Antecedentes Criminais com diversas condenações anteriores transitadas em julgado, sendo uma delas utilizada como maus antecedentes, e as demais para fins de forjar a agravante de reincidência.
- O quanto de pena, maus antecedentes e multirreincidência ensejam a fixação do regime fechado e impedem a substituição da pena.
V.v.:
- É possível a redução proporcional da pena quando decotada uma das circunstâncias consideradas desfavoráveis.
- Se elevada a pena-base pelos maus antecedentes de forma global, a compensação deve ser integral. (Apelação Criminal nº 1.0000.23.259586-8/001 - Comarca de Inhapim - Apelante: W.R.L. - Apelado: Ministério Público - MPMG - Vítima: R.C.S. - Relator: Des. Guilherme de Azeredo Passos)
APELAÇÃO CRIMINAL - ARTS. 308, CAPUT, E 309, AMBOS DA LEI N° 9.503/97 - ABSOLVIÇÃO - INSUFICIÊNCIA DE PROVAS - IMPOSSIBILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE EXPOSIÇÃO A PERIGO DE DANO - IMPROCEDÊNCIA - PERIGO DE DANO DEMONSTRADO - PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA - INAPLICABILIDADE - ABSOLVIÇÃO INCABÍVEL - CONDENAÇÃO MANTIDA - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA RETROATIVA - OCORRÊNCIA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE - NECESSIDADE
- Comprovadas a materialidade e a autoria dos delitos imputados ao acusado, não há que se falar em absolvição por insuficiência de provas, devendo ser mantido o édito condenatório proferido pelo MM. Juiz singular.
- A manobra de veículo automotor para exibição de perícia (empinar motocicleta), se gerar situação de risco à incolumidade pública ou privada, há que se reconhecer a subsunção da conduta ao tipo previsto no art. 308 do Código de Trânsito Brasileiro.
- Não incide, no presente caso, o princípio da intervenção mínima, tendo em vista que há relevante interesse coletivo na prevenção da conduta.
- A prescrição, em sua modalidade retroativa, opera-se pela pena fixada em concreto, sem inconformismo do Ministério Público, quando o prazo transcorre entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença, situação que se verifica no caso concreto, tornando imprescindível a declaração de extinção da punibilidade do apelante.
- Dar parcial provimento ao recurso, para julgar extinta a punibilidade. (Apelação Criminal n° 1.0000.24.153304-1/001 - Comarca de Bom Despacho - Apelante: L.A.P. - Apelado: Ministério Público - MPMG - Relator: Des. Valladares do Lago)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C DANO MORAL - PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE AFASTADA - ARQUIVAMENTO DE ALTERAÇÃO CONTRATUAL PERANTE A JUCEMG - INCLUSÃO FRAUDULENTA DE SÓCIO - FALSIFICAÇÃO DE ASSINATURA - ASSINATURA APOSTA NO INSTRUMENTO FLAGRANTEMENTE DISCREPANTE DAQUELA CONSTANTE DO DOCUMENTO DE IDENTIDADE - ANÁLISE MERAMENTE FORMAL DE DOCUMENTOS - OMISSÃO - DANO MORAL - PEDIDO DE MAJORAÇÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO - QUANTUM PROPORCIONAL E ADEQUADO - INDEFERIDO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO
- Ainda que as razões do recurso repisem argumentos lançados na petição inicial, afasta-se a preliminar de ofensa ao princípio da dialeticidade nos casos em que a parte recorrente demonstra adequadamente os motivos de fato e direito que amparam o pedido de reforma da sentença.
- O arquivamento, pela Junta Comercial, de instrumento de alteração contratual do qual consta assinatura flagrantemente distinta daquela aposta no documento de identidade representa violação do dever de análise formal da documentação insculpido nos arts. 37, V, e 40 da Lei federal nº 8.934/94, que enseja condenação ao pagamento de indenização por danos morais.
- O valor do quantum indenizatório deve tomar em consideração as peculiaridades do caso concreto, bem como a adequação e a proporcionalidade, devendo ser suficiente à finalidade de desestimular a prática da conduta lesiva do ofensor. (Apelação Cível nº 1.0708.18.002360-6/002 - Comarca de Várzea da Palma - Apelante: Mario Rodrigues dos Santos - Apelado: Jucemg, Total Empreendimentos e Construções Ltda. - ME - Relator: Des. Armando Freire)
APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - USO DE ALGEMAS - EXCEPCIONALIDADE VERIFICADA - PRELIMINARES REJEITADAS - CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - CONDENAÇÃO MANTIDA - CAUSA DE ISENÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 45 DA LEI Nº 11.343/06 - INAPLICABILIDADE - CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06 - DESCABIMENTO - RÉU REINCIDENTE - REDUÇÃO DA PENA-BASE PARA O MÍNIMO-LEGAL - INVIABILIDADE - CONFISSÃO ESPONTÂNEA - NÃO INCIDÊNCIA - ABRANDAMENTO DO REGIME - INVIABILIDADE - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS - REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS - DETRAÇÃO - INVIABILIDADE - DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE - INVIABILIDADE - ISENÇÃO DO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS - INADMISSIBILIDADE - RECURSO NÃO PROVIDO
- O indeferimento, de forma fundamentada, de diligências requeridas em momento inoportuno e que o magistrado julgar impertinentes, irrelevantes ou protelatórias, não caracteriza cerceamento de defesa.
- O indeferimento do pedido de realização do exame de dependência toxicológica do acusado, quando motivado na ausência de dúvida razoável sobre a sua higidez mental, não configura nulidade por cerceamento de defesa, na medida em que a dependência química, por si só, não implica a obrigatoriedade de realização do exame toxicológico, o qual somente se faz necessário,
quando há suspeita de que, ao tempo do crime, ele era inteiramente incapaz de compreender a ilicitude de sua conduta.
- Estando devidamente fundamentada a decisão que indeferiu o pedido de retirada das algemas durante audiência de instrução e julgamento, não há que se falar em violação à Súmula Vinculante nº 11 do STF.
- A palavra dos policiais responsáveis pela prisão em flagrante do acusado, dando conta do seu envolvimento na mercancia ilícita de drogas, possui importante valor probatório e não deve ser desacreditada, sendo suficiente para embasar a prolação do édito condenatório.
- A aplicação da causa de isenção de pena prevista no art. 45 da Lei nº 11.343/06 depende de comprovação inequívoca de que o agente, em razão da dependência química, ou sob o efeito da droga, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
- O réu reincidente não faz jus ao benefício previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06.
- Considerando a existência de fundamentação idônea para a fixação da pena-base acima do quantum mínimo, inviável sua redução nesta instância revisora.
- Conforme teor da Súmula nº 630 do STJ, "a incidência da atenuante da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecentes exige o reconhecimento da traficância pelo acusado, não bastando a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio".
- Devida é a fixação do regime fechado em caso de réu reincidente, cuja pena foi aplicada em patamar superior a quatro anos, hipótese em que não há falar em substituição da pena privativa de liberdade por sanções restritivas de direitos.
- A detração deve ser realizada apenas quando importar na alteração do regime prisional, sendo certo que, em caso contrário, se trata de competência do juízo da execução, nos termos do art. 66, inciso III, alínea c, da LEP.
- Apesar de a privação de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória ser considerada uma exceção, ela se justifica em situações excepcionais, como o caso dos autos, mormente diante da fundamentação idônea apresentada pela sentença que negou ao réu o direito de recorrer em liberdade.
- A análise do pedido de isenção das custas processuais deve ser realizada pelo juízo da execução, que possui melhores condições de averiguar a situação de hipossuficiência do condenado. (Apelação Criminal nº 1.0000.23.135702-1/001 - Comarca de Conselheiro Pena - Apelante: B.T.S.L. - Apelado: Ministério Público - MPMG. - Relator: Des. Júlio César Lorens).
CLIPPING JURÍDICO #17 (6/5 A 17/5/024)
Legislação
Lei Nº 14.836, de 2024 - Altera a Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1990, e o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para dispor sobre o resultado de julgamento em matéria penal ou processual penal em órgãos colegiados e sobre a concessão de habeas corpus de ofício.
Lei Nº 14.843, de 2024 - Altera a Lei nº 7.210, de 11.7.1984 (Lei de Execução Penal), para dispor sobre a monitoração eletrônica do preso, prever a realização de exame criminológico para progressão de regime e restringir o benefício da saída temporária.
Lei Nº 14.847, de 2024 - Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 (Lei Orgânica da Saúde), para dispor sobre o atendimento de mulheres vítimas de violência em ambiente privativo e individualizado nos serviços de saúde prestados no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Lei Nº 14.850, de 2024 - Institui a Política Nacional de Qualidade do Ar.
Decreto Nº 12.002, de 2024 - Estabelece normas para elaboração, redação, alteração e consolidação de atos normativos.
STJ - Súmula 667 - Eventual aceitação de proposta de suspensão condicional do processo não prejudica a análise do pedido de trancamento de ação penal.
STJ - Súmula 668 - Não é hediondo o delito de porte ou posse de arma de fogo de uso permitido, ainda que com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado.
JURISPRUDÊNCIA
STJ – RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1242
A Corte Especial acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.035.052-SP, 2.035.262-SP, 2.035.272-SP e 2.035.284-SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir se há legitimidade concorrente do advogado e da parte para promover a execução dos honorários advocatícios". (ProAfR no REsp 2.035.052-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 19/12/2023, DJe 8/4/2024)
STJ – RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1243
A Corte Especial acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.081.493/SP, 2.093.011/SP e 2.093.022/AM ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "necessidade (ou não) de prévio ajuizamento de execução fiscal ou de concretização da penhora para exercício do direito de preferência no que concerne ao crédito tributário, em execução (lato sensu) movida por terceiro, a fim de que, em razão da pluralidade de credores, o dinheiro lhes seja distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas preferências". (ProAfR no REsp 2.081.493-SP, ProAfR no REsp 2.093.011-SP, ProAfR no REsp 2.093.022-AM, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 12/3/2024, DJe 9/4/2024 (Tema 1243).)
STJ – RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1248
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.077.135-RJ, 2.077.138-RJ, 2.077.319-RJ e 2.077.461-RJ ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir se, para efeito de cabimento do recurso de apelação em execução fiscal do mesmo tributo, deve ser observado o montante total do título executado ou os débitos individualmente considerados, nos termos do art. 34, caput e § 1º, da Lei n. 6.830/1980". (ProAfR no REsp 2.077.135-RJ, ProAfR no REsp 2.077.138-RJ, ProAfR no REsp 2.077.319-RJ, ProAfR no REsp 2.077.461-RJ, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/4/2024, DJe 24/4/2024 (Tema 1248)).
STJ – RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1249
A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.070.717-MG, 2.070.857-MG, 2.070.863-MG e 2.071.109-MG ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito das seguintes controvérsias: "I) natureza jurídica das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha; II) (im)possibilidade de fixação, pelo magistrado, de prazo predeterminado de vigência da medida".
STJ – RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1250
A Segunda Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.090.060-SP, 2.090.066-SP e 2.100.114-SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir se é devida a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais - em caso de acolhimento do incidente de impugnação ao crédito - nas ações de recuperação judicial e de falência."
REPETITIVO – TEMA 769 - DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Execução fiscal. Penhora de faturamento. Evolução legislativa e jurisprudencial a respeito de sua caracterização como medida excepcional e da necessidade de esgotamento das diligências para localização de outros bens. Analise à luz do CPC/1973 e das modificações introduzidas pelo CPC/2015. Impossibilidade de equiparação à penhora de dinheiro. Critérios para aplicação do princípio da menor onerosidade. Tema 769. I - A necessidade de esgotamento das diligências como requisito para a penhora do faturamento foi afastada após a reforma do CPC/1973 pela Lei n. 11.382/2006. II - No regime do CPC/2015, a penhora do faturamento, listada em décimo lugar na ordem preferencial de bens passíveis de constrição judicial, poderá ser deferida após a demonstração da inexistência dos bens classificados em posição superior, ou, alternativamente, se houver constatação, pelo juiz, de que tais bens são de difícil alienação; finalmente, a constrição judicial sobre o faturamento empresarial poderá ocorrer sem a observância da ordem de classificação estabelecida em lei, se a autoridade judicial, conforme as circunstâncias do caso concreto, assim o entender (art. 835, § 1º, do CPC/2015), justificando-a por decisão devidamente fundamentada. III - A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro.
IV - Na aplicação do princípio da menor onerosidade (art. 805 e parágrafo único do CPC/2015; art. 620 do CPC/1973): a) a autoridade judicial deverá estabelecer percentual que não inviabilize o prosseguimento das atividades empresariais; e b) a decisão deve se reportar aos elementos probatórios concretos trazidos pelo devedor, não sendo lícito à autoridade judicial empregar o referido princípio em abstrato ou com base em simples alegações genéricas do executado. (REsp 1.835.864-SP, REsp 1.666.542-SP e REsp 1.835.865-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 18/4/2024 (Tema 769)).
REPETITIVO – TEMA 1156 - Serviços bancários. Demora em fila. Legislação específica. Dano moral in re ipsa. Inexistência. Necessidade de demonstrar o dano e nexo de causalidade (Tema 1156). O simples descumprimento do prazo estabelecido em legislação específica para a prestação de serviços bancários não gera por si só dano moral in re ipsa. A perda de tempo quando injusta e ilegítima pode ensejar ilícito, desde que este seja comprovado, a partir da postura leniente do fornecedor de serviços e do nexo causal entre esta e o efetivo prejuízo causado ao consumidor. O fator decisivo para definição da existência de prejuízo indenizável é a regra da experiência e as nuances fáticas, aplicáveis também às relações de consumo, cuja responsabilidade é em regra objetiva, assim como o preenchimento dos pressupostos basilares da conduta, do dano e do nexo de causalidade entre eles. O atraso em virtude de uma fila, por si só, não tem o condão de ofender direito de personalidade do consumidor dos serviços bancários. O mero transcurso do tempo, por si só, não impõe um dever obrigacional de ressarcimento, por não configurar, de plano, uma prática abusiva a acarretar uma compensação pecuniária, como pressupõe a teoria do desvio produtivo, que considera a perda de tempo útil uma espécie de direito de personalidade irrenunciável do indivíduo. Sob tal perspectiva, qualquer atraso na prestação de serviços poderia atrair a tese. Contudo, o controle do tempo, por mais salutar que seja, depende de fatores por vezes incontroláveis e não previsíveis, como parece óbvio. Há atendimentos mais demorados que não são passíveis de fiscalização prévia e, por vezes, até mesmo eventos de força maior, que podem ensejar atrasos. Por outro lado, incumbe ao consumidor que aguarda em fila de banco demonstrar qual é de fato o prejuízo que está sofrendo e se não haveria como buscar alternativas para a solução do problema, tal como caixas eletrônicos e serviços de internet banking (autosserviço). A mera alegação genérica de que se está deixando de cumprir compromissos diários, profissionais, de lazer e de descanso, sem a comprovação efetiva do dano, possibilita verdadeiro abuso na interposição de ações por indenização em decorrência de supostos danos morais. Indenizar meros aborrecimentos do cotidiano, por perda de tempo, que podem se dar em decorrência de trânsito intenso, reanálise de contratos de telefonia, cobrança ou cancelamento indevido de cartão de crédito, espera em consultórios médicos, odontológicos e serviços de toda ordem, sejam públicos ou privados, tem o potencial de banalizar o que se entende por dano moral, cuja valoração não pode ser genérica nem dissociada da situação concreta, sob pena de ensejar uma lesão abstrata, e, por outro lado, tarifação, que é vedada nos termos da Súmula n. 281/STJ. (REsp 1.962.275-GO, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por maioria, julgado em 24/4/2024, DJe 29/4/2024. (Tema 1156))
DIREITO PROCESSUAL PENAL - Evasão do acusado em posse de sacola ao avistar os policiais. Abordagem policial em via pública. Fundadas razões. Ocorrência. A tentativa de se esquivar da guarnição policial evidencia a fundada suspeita de que o agente ocultava consigo objetos ilícitos, na forma do art. 240, § 2º, do Código de Processo Penal, a justificar a busca pessoal, em via pública. Segundo o disposto no art. 244 do Código de Processo Penal, a busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar. Em julgamento sobre o tema, ao apreciar o RHC n. 158.580/BA (DJe 25/4/2022), a Sexta Turma do STJ estabeleceu, interpretando o referido dispositivo legal, que em termos de standard probatório para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, exige-se a existência de fundada suspeita (justa causa) - baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto - de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. Concluiu-se, ainda, que não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições/impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, baseadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Contudo, no caso, há de se destacar a evasão do acusado em posse de uma sacola, ao avistar os policiais militares, sendo revistado após desdobramento da ação policial em via pública, em diligência para averiguar a prática do delito de tráfico de drogas na localidade, após notitia criminis inqualificada. Sobre o tema, a Quinta Turma desta Corte Superior vem reiterando que, segundo consignado no RHC n. 229.514/PE, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, se um agente do estado não puder realizar abordagem em via pública a partir de comportamentos suspeitos do alvo, tais como fuga, gesticulações e demais reações típicas, já conhecidas pela ciência aplicada à atividade policial, haverá sério comprometimento do exercício da segurança pública. Ademais, segundo a doutrina, "[n]ão se pode igualar a proteção do domicílio (que é asilo inviolável do indivíduo, na dicção da Constituição) com a proteção da integridade física de quem está em via pública. São níveis diferentes de tutela e proteção". Nesse contexto, considerando o art. 926 do Código de Processo Civil, pelo qual os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, no caso, a tentativa de se esquivar da guarnição evidencia a fundada suspeita de que o agente ocultava consigo objetos ilícitos, na forma do art. 240, § 2º, do Código de Processo Penal, a justificar a busca pessoal, em via pública. Por fim, sublinhe-se que o acima referido caso paradigmático da Sexta Turma busca evitar o uso excessivo da busca pessoal, garantir a sindicabilidade da abordagem e evitar a repetição de práticas que reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, premissas atendidas na espécie. (HC 889.618-MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024, DJe 26/4/2024)
DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL - Contratos de colaboração empresarial. Contrato de agência ou distribuição por aproximação. Contrato típico. Disciplina geral. Código civil. Princípio da especialidade. Lei n. 4.886/1965. Norma especial. Cláusula del credere. Vedação legal. Art. 698 do CC/2002. Analogia. Impossibilidade. É vedada a pactuação da cláusula del credere nos contratos de agência ou distribuição por aproximação. (REsp 1.784.914-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024, DJe 30/4/2024)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Ação declaratória de nulidade. Querela nullitatis insanabilis. Nulidade de citação. Vício insanável. Impossibilidade de preclusão. Legitimidade ativa do terceiro juridicamente interessado. Aplicação, por analogia, da regra do art. 967, inciso II, do CPC/2015. O terceiro juridicamente interessado tem legitimidade para ajuizar a ação declaratória de nulidade (querela nullitatis insanabilis) sempre que houver algum vício insanável na sentença transitada em julgado. (REsp 1.902.133-RO, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 16/4/2024, DJe 18/4/2024)
DIREITO CIVIL - Seguro de vida. Cláusula de sobrevivência dotal. Resgate pelo segurado em vida. Possibilidade. Natureza complexa. Prazo de prescrição decenal. Aplica-se o prazo de prescrição decenal à ação que visa ao reconhecimento do direito ao resgate, após o prazo assinado em contrato, de capital segurado de seguro de vida com cláusula de sobrevivência. A controvérsia refere-se à prescrição de ação indenizatória movida por segurada contra seguradora em razão de suposto descumprimento de cláusula de contratos individuais de seguro de vida dotal com cláusula de sobrevida. O seguro de vida é um tipo de seguro de pessoas com cobertura de riscos cujo objetivo é garantir indenização a segurado ou a seus beneficiários nos termos das condições e garantias contratualmente estabelecidas. A cobertura por sobrevivência oferecida em seguros de vida é estruturada sob regime financeiro de capitalização e tem por finalidade o pagamento do capital segurado, de uma única vez ou em forma de renda, após atingido o período de diferimento previsto no contrato. O plano dotal, que pode ser puro, misto ou misto com performance, constitui um dos tipos de contrato de seguro de vida por sobrevivência. O contrato de seguro individual de vida com cláusula de sobrevivência tem natureza complexa, visto que o capital de segurado pode ser pago aos beneficiários quando do falecimento do segurado, ao qual é permitido optar por resgatar, em vida, o valor econômico capitalizado após transcorrido o período de diferimento. É certo que, nos termos da tese firmada no Incidente de Assunção de Competência n. 2, no julgamento do REsp n. 1.303.374/ES, "é ânuo o prazo prescricional para exercício de qualquer pretensão do segurado em face do segurador- e vice-versa- baseada em suposto inadimplemento de deveres (principais, secundários ou anexos) derivados do contrato de seguro, ex vi do disposto no artigo 206, § 1º, II, 'b', do Código Civil de 2002 (artigo 178, § 6º, II, do Código Civil de 1916)". No caso, todavia, o pagamento do capital segurado não se dá apenas pelo falecimento do segurado, porquanto, em razão da cláusula de sobrevida, há importância de valor econômico capitalizado passível de ser resgatado em vida, o que evidencia, nessa parte, a natureza pessoal do contrato, a atrair a incidência do art. 177, IV, do Código Civil de 1916, ou seja, o prazo decenal, como previsto no art. 205 do Código Civil de 2002, respeitado o art. 2.028 do mesmo diploma. Aplica-se o prazo decenal, e não a prescrição ânua do art. 206, II, do Código Civil, à ação que visa ao reconhecimento do direito ao resgate, após o prazo assinado em contrato, de capital segurado de seguro de vida com cláusula de sobrevivência. (REsp 1.678.432-RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024)
DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Honorários periciais. Antecipação pelo INSS. Sucumbência do beneficiário da justiça gratuita. Responsabilidade do Estado pela despesa. Dever de garantir o acesso à justiça e de prestar assistência judiciária. Nas ações de acidente do trabalho, os honorários periciais, adiantados pelo INSS, constituirão despesa a cargo do Estado, nos casos em que sucumbente a parte autora, beneficiária da isenção de ônus sucumbenciais, prevista no parágrafo único do art. 129 da Lei n. 8.213/1991, sendo desnecessário o ajuizamento de ação autônoma para tanto. (REsp 2.126.628-SP, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024, DJe 26/4/2024)
DIREITO EMPRESARIAL - Sociedade Anônima. Responsabilidade civil de sócio administrador. Alienação de imóvel. Assembleia-geral. Aprovação de contas. Transferência de ações às vésperas da assembleia. Fraude caracterizada. Interesses exclusivos dos sócios e da companhia. Anulabilidade. Impossibilidade de reconhecimento do vício de ofício. Necessidade de prévia invalidação da assembleia para o manejo da ação responsabilizatória. O vício de voto, na hipótese de acionista votar nas deliberações de assembleia-geral de sociedade anônima relativa à aprovação de suas próprias contas como administrador, conduz a sanção de anulabilidade, sendo necessária a prévia desconstituição da assembleia para que se autorize a responsabilização do sócio administrador. Ação de responsabilidade proposta por acionistas minoritários em que pleiteiam a condenação dos administradores a indenizar a companhia pelos prejuízos decorrentes de venda de imóvel em montante substancialmente inferior ao seu efetivo potencial econômico. Realizada a assembleia de aprovação das contas com participação do sócio administrador por intermédio de pessoa jurídica à qual havia transferido a totalidade de sua participação societária às vésperas do conclave, violou-se o a proibição prevista no art. 115, § 1º, da Lei n. 6.404/1976. Acerca do regime das invalidades das deliberações assembleares, há significativa divergência sobre a aplicabilidade estrita das normas societárias, a incidência do regime civil das invalidades ou sua regência por um regime especial, em que se complementam ambas as disciplinas, sendo que o CC/02 estabelece, em seu art. 1.089, que sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições do estatuto civil. A partir do disposto no art. 286 da LSA, infere-se que há um regime especial de invalidades aplicado à companhia, partindo da regulação setorial, que estabelece a sanção de anulabilidade às invalidades, mas coexiste com a sistematização civil, a depender do interesse violado, vale dizer, a determinação do regime a ser aplicado dependerá dos interesses jurídicos tutelados ou dos interesses em jogo. Considerando a diversidade de relações jurídicas que decorrem do exercício da atividade da sociedade por ações, a melhor exegese consiste em restringir, em princípio, a aplicação da legislação setorial apenas às relações intrassocietárias - relações entre os sócios ou, ainda, relações entre os sócios e a própria sociedade -, remanescendo a disciplina geral estabelecida pela lei civil tão somente àquelas hipóteses em que os efeitos das deliberações alcancem a esfera jurídica de terceiros. A aplicação eventual e residual do regime civil de invalidades à seara empresarial deve sofrer adaptações, como a (i) não aplicabilidade do princípio de que o ato tido por nulo não produz nenhum efeito, de molde a preservar os interesses de terceiros, (ii) a existência de prazos de invalidação mais exíguos, em virtude da necessidade premente de estabilização das relações societárias, e (iii) a ampla possibilidade de sanação dos atos ou negócios jurídicos. Os interesses relacionados à aprovação assemblear das contas do administrador circunscrevem-se aos acionistas e à própria companhia, vale dizer, traduzem interesse econômico dos acionistas e da companhia na alienação de bem imóvel por valor superior ao que fora efetivamente praticado e que teria, por isso, lhes causado significativo prejuízo e, caso seja procedente a demanda ressarcitória, o decreto apenas os aproveitará. Inexistem, pois, interesses de coletividade ou de terceiros tutelados pelas normas em questão. Considerando que o regime especial de invalidades das deliberações assembleares tem por referência fundamental o interesse violado, é possível inferir que a hipótese em questão se trata, em verdade, de anulabilidade da deliberação. Cuidando-se de vício de voto - quando são os próprios votos proferidos na assembleia eivados de vícios que podem conduzir à invalidade -, somente os votos eivados serão invalidados, estendendo-se à deliberação específica para a qual o voto concorreu tão somente se o resultado não teria sido obtido sem sua conjunção. O sócio administrador transferiu a totalidade de sua participação acionária às vésperas da assembleia para sociedade empresária da qual, juntamente com sua cônjuge, era detentor de 100% (cem por cento) do capital social, e que votou de maneira determinante para a aprovação das contas. A personalidade jurídica da sociedade empresária tem o efeito de lhe conferir autonomia e independência em relação aos seus sócios e seu patrimônio. Contudo, o contexto fático demonstra não ter existido as necessárias independência e isenção na apreciação das contas do administrador por intermédio de holding familiar. Hipótese em que o fato relevante para a configuração da fraude ao comando legal reside muito mais na proximidade entre a data da transferência da participação acionária e a assembleia de aprovação das contas do que na data da criação da sociedade empresária para quem as quotas foram transferidas. A sociedade existia há várias décadas, mas a transferência das ações deu-se em ocasião vizinha à data da assembleia. Portanto, o elemento temporal, de significativa importância para a configuração da fraude, aponta no sentido de que a transferência foi realizada com a finalidade de possibilitar a participação do próprio administrador no conclave. Sendo reservada ao vício de voto a sanção de anulabilidade, não poderia ter sido reconhecida de ofício, tal como o fez o Tribunal de origem, o qual afastou também o prazo decadencial para sua decretação. Exige-se, de acordo com a jurisprudência do STJ, a prévia desconstituição da assembleia, nos termos do art. 134, § 3º, da LSA. O dispositivo de lei exonera de responsabilidade os administradores da companhia, se suas demonstrações financeiras e contas forem aprovadas sem ressalvas. Isso significa que a assembleia confere um quitus aos administradores ao apreciar a regularidade de sua gestão, que, por constituir uma presunção juris tantum de legitimidade, exige sua desconstituição para tornar possível a responsabilização. (REsp 2.095.475-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 9/4/2024)
DIREITO DO CONSUMIDOR - Inscrição em cadastro de inadimplentes. Notificação prévia via e-mail. Validade. Art. 43, §2º, do CDC. Atendimento. Comprovação do envio e da entrega da comunicação ao servidor de destino. Necessidade. É válida a comunicação remetida por e-mail para fins de notificação do consumidor acerca da inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes, desde que comprovado o envio e entrega da comunicação ao servidor de destino. Cinge-se a controvérsia a definir a validade ou não da comunicação remetida por e-mail ao consumidor acerca da inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes para fins de atendimento ao disposto no art. 43, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor. O dispositivo legal determina que a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele. Considerando que é admitida até mesmo a realização de atos processuais, como citação e intimação, por meio eletrônico, inclusive no âmbito do processo penal, é razoável admitir a validade da comunicação remetida por e-mail para fins de notificação prevista no art. 43, § 2º, do CDC, desde que comprovado o envio e entrega da comunicação ao servidor de destino. Assim como ocorre nos casos de envio de carta física por correio, em que é dispensada a prova do recebimento da correspondência, não há necessidade de comprovar que o e-mail enviado foi lido pelo destinatário. Comprovado o envio e entrega de notificação remetida ao e-mail do devedor constante da informação enviada ao banco de dados pelo credor, está atendida a obrigação prevista no art. 43, § 2º, do CDC. (REsp 2.063.145-RS, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 14/3/2024)
DIREITO CIVIL - Divórcio. Manutenção do uso do nome de casada. Direito indisponível. Direito ao nome. Direito da personalidade. Proteção. Longo tempo de uso contínuo. A alteração do nome civil para exclusão do patronímico adotado pelo cônjuge, em razão do casamento, é inadmissível se não houver circunstâncias que justifiquem a alteração, especialmente quando o sobrenome se encontra incorporado e consolidado em virtude de seu uso contínuo por longo período de tempo. O art. 1.578 do Código Civil prevê a perda do direito de uso do nome de casado para o caso de o cônjuge ser declarado culpado na ação de separação judicial. Mesmo nessas hipóteses, porém, a perda desse direito somente terá lugar se não ocorrer uma das situações previstas nos incisos I a III do referido dispositivo legal. Assim, a perda do direito ao uso do nome é exceção, e não regra (AgRg no AREsp n. 204.908/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 3/12/2014). Segundo a jurisprudência do STJ, "conquanto a modificação do nome civil seja qualificada como excepcional e as hipóteses em que se admite a alteração sejam restritivas, esta Corte tem reiteradamente flexibilizado essas regras, interpretando-as de modo histórico-evolutivo para que se amoldem a atual realidade social em que o tema se encontra mais no âmbito da autonomia privada, permitindo- se a modificação se não houver risco à segurança jurídica e a terceiros. Precedentes" (REsp n. 1.873.918/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 4/3/2021) e (AgInt na HDE n. 3.471/EX, Rel. Ministro Humberto Martins, Corte Especial, DJe 27/05/2021). Dessa forma, a alteração do nome civil para exclusão do patronímico adotado pelo cônjuge virago, em razão do casamento, por envolver modificação substancial em um direito da personalidade, é inadmissível quando ausentes quaisquer circunstâncias que justifiquem a alteração, especialmente quando o sobrenome se encontra incorporado e consolidado em virtude de seu uso contínuo, como no presente caso, por quase 20 anos. (Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 4/3/2024, DJe 11/3/2024)
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CONSTITUCIONAL - Desapropriação por necessidade/utilidade pública. Direito de Extensão. Possibilidade. Lei Complementar n. 76/1993. Admite-se a aplicação subsidiária do Direito de Extensão aos casos de desapropriação por necessidade ou utilidade pública previsto na Lei Complementar n. 76/1993 quando a área remanescente for reduzida à superfície inferior a da pequena propriedade rural. (REsp 1.937.626-RO, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Rel. para acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por maioria, julgado em 12/3/2024)
DIREITO PROCESSUAL PENAL - Tráfico de drogas. Crime permanente. Fuga do réu para o interior da residência. Violação de domicílio. Ausência de justa causa. Ilegalidade de provas. A permissão para ingresso no domicílio, proferida em clima de estresse policial, não deve ser considerada espontânea, a menos que tenha sido por escrito e testemunhada, ou documentada em vídeo. Nos crimes permanentes, tal como o tráfico de entorpecentes e posse ilegal de arma e munições, o estado de flagrância protrai-se no tempo, o que não é suficiente, por si só, para justificar a busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, há uma situação de flagrante delito em desenvolvimento. Consoante julgamento do RE n. 603.616/RO, pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária certeza quanto à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o flagrante delito. O Tribunal de origem reconheceu que havia fundadas razões para o ingresso dos policiais na residência, em virtude da fuga do réu para o interior da residência, e posterior arremesso de porções de cocaína sobre um muro divisório. Dessa forma, é possível extrair do contexto fático a inexistência de elementos concretos a evidenciar a ocorrência de flagrante delito, pois que o ingresso no domicílio ocorreu em virtude da fuga do réu para o interior da residência, após a chegada dos policiais, momento em que tentou se desfazer das drogas, jogando-as por cima de um muro divisório. Constata-se, ainda, que não foram realizadas investigações prévias nem indicados elementos concretos robustos a indicar a existência de comércio de drogas no interior da residência, tampouco comprovou-se ter havido o comércio de drogas em via pública e o consentimento do morador para o ingresso no local, o que torna ilícita toda a prova obtida com a invasão de domicílio. A permissão para ingresso no domicílio, proferida em clima de estresse policial, não deve ser considerada espontânea, a menos que tenha sido por escrito e testemunhada, ou documentada em vídeo. (REsp 2.114.277-SP, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), por unanimidade, Sexta Turma, julgado em 9/4/2024)
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PENAL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - Estupro de vulnerável. Erro de proibição. Jovem trabalhador rural de 20 anos. Adolescente de 12 anos. União estável e filha. Prioridade absoluta da criança na primeira infância. Constituição de núcleo familiar. Distinção necessária. Desestruturação do vínculo familiar. Ofensa maior. A conduta de estupro de vulnerável imputada a um jovem de 20 anos, trabalhador rural e com pouca escolaridade, que se relacionou com uma adolescente de 12 anos, que havia sido, em um primeiro momento, aceito pela família da adolescente, sobrevindo uma filha e a efetiva constituição de núcleo familiar, apesar de não estarem mais juntos como casal, embora formalmente típica, não constitui infração penal, tendo em vista o reconhecimento da ausência de culpabilidade por erro de proibição, bem como pelo fato de que se deve garantir proteção integral à criança que nasceu dessa relação. (Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por maioria, julgado em 12/3/2024, DJe 10/4/2024)
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Bem imóvel penhorado. Adjudicação. Licitação entre os pretendentes. Art. 876, § 6º, do CPC. Regras relativas ao concurso de credores. Arts. 908 do CPC e 962 do CC. Impossibilidade de aplicação. Necessidade de requerimento do credor ou de terceiro para concorrer à adjudicação. Não é possível que se aplique à licitação entre os pretendentes à adjudicação de bem penhorado as regras relativas ao concurso de credores na hipótese de múltiplos credores com créditos de valores distintos. O instituto da adjudicação está previsto nos artigos 876 e 877 do CPC, destacando-se como pressupostos para o exercício da faculdade de adjudicar: a) o oferecimento de preço não inferior ao da avaliação; e b) a capacidade para adjudicar. É possível que haja diversos legitimados na promoção da adjudicação, conforme dispõe o art. 876, §6º, do CPC, hipótese em que se procederá à licitação entre os legitimados pretendentes. Para tanto, é indispensável que haja requerimento do credor ou de terceiro para concorrer à adjudicação. A licitação entre pretendentes (art. 876 e 877 do CPC) não se confunde com o concurso de preferências (art. 908 e 909 do CC). O concurso de credores, disciplinado pelos arts. 908 e 909 do CPC, instaura-se na hipótese de disputa sobre o dinheiro arrecadado pela adjudicação do bem a terceiro, ou seja, em relação ao produto da adjudicação, enquanto a licitação entre os pretendentes à adjudicação diz respeito ao bem penhorado. Não é possível autorizar que o credor que não requereu a adjudicação se aproveite do procedimento adjudicatório com fundamento no concurso de credores e na possibilidade de rateio dos valores, sob pena de antecipação do concurso de credores, o qual se restringe à distribuição do produto da adjudicação. Na espécie, verifica-se que o recorrente sequer requereu à adjudicação, não havendo razões para anular o feito e aplicar o instituto do concurso de credores sobre o bem propriamente dito. Prevalência do princípio da isonomia entre credores e observância ao procedimento da adjudicação. (REsp 2.098.109-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024, DJe 7/3/2024)
DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL - Contrato de fomento mercantil. Factoring. Instrumento particular de confissão de dívida. Invalidade. Ausência de direito de regresso. Risco da atividade mercantil. É inválido o instrumento de confissão de dívida cuja origem decorre de valores cedidos em contrato de fomento mercantil (factoring), ainda que o referido instrumento de confissão, assinado pelo devedor e duas testemunhas, tenha força executiva. O factoring (faturização ou fomento mercantil) pode ser definido, em linhas gerais, como a operação mercantil por meio da qual determinada empresa (faturizadora) compra os direitos creditórios de outra (faturizada), mediante pagamento antecipado de valor inferior ao montante adquirido. Nessa operação, há assunção de riscos para a empresa faturizadora, isto é, com a transferência do crédito pela faturizada - geralmente manifestado por meio de títulos de crédito -, há o risco de que o montante transferido não seja pago na data do vencimento. A solvabilidade dos títulos, destarte, consubstancia álea inerente à atividade mercantil desenvolvida. Na hipótese de posterior inadimplência do título transferido, a doutrina leciona que a faturizadora não poderá cobrar a faturizada, porquanto a transferência do crédito, no factoring, realiza-se em caráter pro soluto, sem corresponsabilidade da faturizada, a qual, por sua vez, apenas responde pela existência do crédito no momento da cessão. Segundo a doutrina, no caso de factoring, não há responsabilidade do endossante ou do cedente, porquanto haveria uma compra do crédito e dos riscos. Ora, havendo a compra dos riscos do faturizado não se pode exigir dele o pagamento do título. O Superior Tribunal de Justiça compartilha desse entendimento e reforça, em diversos julgados, que a faturizadora não tem direito de regresso contra a faturizada em razão de inadimplemento dos títulos transferidos, visto que tal risco é da essência do contrato de factoring. Como consequência, nos contratos de faturização, são nulas eventuais cláusulas de recompra dos créditos vencidos e de responsabilização da faturizada pela solvência dos valores transferidos (AgInt no REsp n. 2.051.414/SP, Terceira Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 15/12/2023 e AgInt no AREsp n. 2.368.404/ES, Quarta Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 22/9/2023). Do mesmo modo, a Terceira Turma decidiu pela invalidade das notas promissórias emitidas com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring, bem como pela insubsistência de eventual fiança ou aval aposto na cártula garantidora, in verbis: "[...] A natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro, não dá margem para que os contratantes, ainda que sob o signo da autonomia de vontades que regem os contratos em geral, estipulem a responsabilidade da cedente (faturizada) pela solvência do devedor/sacado. [...] afigurando-se nulos a disposição contratual nesse sentido e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring, cujo risco é integral e exclusivo da faturizadora" (REsp n. 1.711.412/MG, Terceira Turma, julgado em 4/5/2021, DJe de 10/5/2021). Nessa linha de raciocínio, deve ser considerado inválido o instrumento de confissão de dívida cuja origem decorre de valores cedidos em contrato de faturização (factoring). Em que pese o instrumento de confissão assinado pelo devedor e duas testemunhas tenha força executiva (art. 784, III, CPC), a origem desse débito corresponde à dívida não sujeita a direito de regresso. Logo, admitir a validade e autorizar a exigibilidade do referido título subverteria a própria lógica do fomento mercantil. Desse modo, não há que se falar em livre autonomia da vontade das partes para instrumentalizar título executivo a fim de, sob nova roupagem (contrato de confissão de dívida), burlar o entendimento consolidado por esta Corte de Justiça acerca do tema. (REsp 2.106.765-CE, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/3/2024, DJe 15/3/2024)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Tutela antecipada antecedente. Prazo para formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/2015). Natureza processual. Contagem em dias úteis.
O prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do Código de Processo Civil possui natureza jurídica processual e, consequentemente, sua contagem deve ser realizada em dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC. (EREsp 2.066.868-SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 3/4/2024, DJe 9/4/2024)
EXECUÇÃO PENAL - Indulto. Decreto Presidencial n. 11.302/2022. Crime impeditivo. Ações penais diversas. Possibilidade. Entendimento da Terceira Seção. Para fins de aplicação do indulto previsto no Decreto Presidencial n. 11.302/2022, os crimes cometidos em contextos diversos, fora das hipóteses de concurso, material ou formal, não se exige o cumprimento integral da pena pelos crimes impeditivos. (AgRg no HC 838.938-SP, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 18/3/2024, DJe 21/3/2024)
EXECUÇÃO PENAL - Execução penal. Penalidade pecuniária. Penhora de 1/4 do pecúlio para satisfação da pena de multa. Autorização legal. Arts. 168 e 170 da Lei n. 7.210/1984. Aplicação do princípio da especialidade. É possível a penhora de até 1/4 do pecúlio obtido pelo condenado para saldar a pena de multa determinada em sentença condenatória. (REsp 2.113.000-SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 2/4/2024)
DIREITO CIVIL - Descumprimento contratual. Atraso na entrega de obra de imóvel. Lucros cessantes. Presunção. Impossibilidade. Finalidade do negócio, destinação do bem e prejuízos do comprador. Averiguação. Necessidade. No caso de descumprimento contratual decorrente do atraso na entrega de imóvel, os lucros cessantes não são presumíveis, pois dependem da finalidade do negócio, destinação ou qualidade do bem (edificado ou não), bem como da demonstração do prejuízo direto do adquirente. A jurisprudência da Segunda Seção do STJ, firmada na sistemática dos recursos repetitivos, é de que, "no caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma" (REsp n. 1.729.593/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 25/9/2019, DJe 27/9/2019). Quando o atraso se dá na entrega de imóvel edificado, é possível vislumbrar, de antemão, independentemente da destinação do bem - residencial ou comercial - que a injusta privação do seu uso enseja o pagamento de lucros cessantes, pois seja para moradia própria, fixação de estabelecimento comercial ou auferimento de renda advinda da locação do bem, a utilização de parâmetro afeto a aluguel mensal de imóvel assemelhado mostra-se adequada à realidade atinente à qualidade do bem, pois o imóvel edificado está apto a servir a tais propósitos. A despeito de ocorrer a possibilidade de, eventualmente, em casos específicos, existir lucro cessante decorrente do atraso na entrega das obras de infraestrutura de terreno/lote não edificado, via de regra, é inviável, de plano, consignar tal encargo por presunção de prejuízo para toda e qualquer hipótese envolvendo referidos bens de modo a fazer incidir, ante a injusta privação do seu uso, o pagamento de indenização prontamente estabelecida na forma de aluguel mensal, com base em valor locatício de imóvel assemelhado. Considera-se imprescindível, para tal fim, averiguar ao menos a finalidade do negócio, a destinação e a qualidade do bem. Ademais, essa Corte tem entendimento pacífico no sentido de que em se tratando de imóvel não edificado, eventual inadimplência do comprador não enseja o pagamento de taxa de fruição justamente em razão de se tratar de terreno sem edificação, ante o princípio de não ter sido utilizado para qualquer fim. A premissa utilizada para tal compreensão pode ser analogicamente aplicada à questão envolvendo os lucros cessantes, já que, não sendo o terreno edificado, não é dado presumir que fosse utilizado para qualquer finalidade imediata, seja residencial, implementação de negócio, locatícia, entre outros, a autorizar a incidência de parâmetro vinculado a valor de aluguel mensal de bem assemelhado. Isso porque, fora casos muito específicos, não é comum que se proceda à locação de imóvel não edificado em loteamento, visto servirem os terrenos para construção futura de residência, implementação de negócio ou especulação imobiliária. A realidade posta a debate - vinculada a atraso na entrega de lote/terreno não edificado - demanda que se faça um distinguishing em relação ao entendimento sedimentado em recurso repetitivo - diga-se, específico para descumprimento do prazo de entrega de bem edificado - dada a expressa disposição da lei (arts. 402 e 403) segundo a qual os lucros cessantes representam aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar, por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação pelo devedor. Ora, caso o terreno servisse ao propósito de edificação futura para implementação de moradia ou negócio, é certo que tal não se daria imediatamente. Do mesmo modo, na hipótese de os lotes terem sido adquiridos para especulação imobiliária, o acréscimo patrimonial não se verificaria de plano, constituindo mera expectativa futura de ganho. Por tais razões, ainda que tenha havido descumprimento contratual decorrente do atraso na entrega do imóvel não edificado, os lucros cessantes não são passíveis de presunção, devendo ser devidamente demonstrados e cotejados para representar aquilo que o adquirente efetivamente deixou de lucrar em virtude do prejuízo direto e imediato do comportamento do devedor, afinal, nos lucros cessantes é imprescindível que se tenha certeza da vantagem perdida. (AgInt no REsp 2.015.374-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 2/4/2024)
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - Ação de guarda. Adoção intuitu personae. Acolhimento de criança. Burla ao cadastro do sistema nacional de adoção. Inobservância do rito de adoção. Indícios de risco à integridade física e psíquica. Inexistência. Princípio do melhor interesse. Vínculo afetivo com a família substituta. Primazia do acolhimento familiar. A depender do caso concreto, a suspeita de ocorrência da adoção irregular de criança não justifica a sua inserção em abrigo institucional. Trata-se de ação de guarda consensual provisória, com pedido liminar de tutela provisória de urgência. Os impetrantes queriam regularizar uma situação que já durava nove meses, explicando que assumiram a guarda do menor porque a mãe biológica não estava em condições de cuidar dele devido a problemas de saúde. Eles afirmaram que já tinham uma relação de amizade com a família da mãe antes do nascimento do menor e que o acolheram desde os primeiros dias de vida. Além disso, assinaram um Termo de Responsabilidade perante o Conselho Tutelar, com o consentimento da mãe. Por expressa previsão constitucional e infraconstitucional, as crianças e os adolescentes têm o direito de ver assegurado pelo Estado e pela sociedade atendimento prioritário do seu melhor interesse e garantida suas proteções integrais, devendo tais premissas orientar o seu aplicador, principalmente, nas situações que envolvam abrigamento institucional. A jurisprudência deste Tribunal consolidou-se no sentido da primazia do acolhimento familiar em detrimento da colocação de menor em abrigo institucional, salvo quando houver evidente risco concreto à sua integridade física e psíquica, de modo a se preservar os laços afetivos eventualmente configurados com a família substituta. Segundo a Quarta Turma desta Corte, "A ordem cronológica de preferência das pessoas previamente cadastradas para adoção não tem um caráter absoluto, devendo ceder ao lema do melhor interesse da criança ou do adolescente, razão de ser de todo o sistema de defesa erigido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem na doutrina da proteção integral sua pedra basilar" (HC 468.691-SC). O abrigamento institucional do menor que, aparentemente, está bem inserido em um ambiente familiar, além de ter seus interesses superiores preservados, com formação de suficiente vínculo socioafetivo com os seus guardiões de fato, tem o potencial de acarretar dano grave e de difícil reparação à sua integridade física e psicológica. (Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 2/4/2024)
DIREITO CIVIL - Ação de cobrança. Seguro sobre a vida de outrem. Homicídio do segurado praticado pela contratante do seguro. Nulidade do contrato que impede o recebimento da indenização securitária por quaisquer dos beneficiários. O ato do indivíduo de contratar um seguro sobre a vida de outrem com a intenção de ceifar a vida do segurado impede o recebimento da indenização securitária por quaisquer dos beneficiários e gera nulidade do contrato. (REsp 2.106.786-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 2/4/2024)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Multa cominatória. Valor exorbitante. Desproporcionalidade. Valor acumulado. Possibilidade de revisão. Exigência de postura ativa do devedor. Sucessivas revisões. Impossibilidade. Preclusão consumativa. Incide a preclusão consumativa sobre o montante acumulado da multa cominatória, de forma que, já tendo havido modificação, não é possível nova alteração, preservando-se as situações já consolidadas. A controvérsia diz respeito à ocorrência de preclusão sobre decisão que revisa o valor de astreintes. Sobre tema, a Corte Especial, no julgamento do EAREsp n. 650.536-RJ, firmou o entendimento de ser possível a redução quando o valor for exorbitante, levando-se em conta a razoabilidade e a proporcionalidade, e a fim de evitar o enriquecimento sem causa do credor. No entanto, a questão demanda reflexões mais aprofundadas, especialmente porque essa decisão, muito embora tenha sido proferida sob a égide do CPC atual, baseou-se especialmente em jurisprudência majoritária construída à época em que vigia o CPC/1973, com destaque para o Tema Repetitivo n. 706: "A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada" (REsp n. 1.333.988/SP, Segunda Seção, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 11/4/2014). Além disso, não se levou em consideração que o CPC/2015 alterou substancial e expressamente o regime jurídico das astreintes no tocante à possibilidade de modificação. Com efeito, de acordo com a premissa estabelecida no julgamento do EAREsp n. 650.536-RJ, a regra que permite ao magistrado alterar a multa cominatória estaria prevista no art. 461, § 6°, do CPC/1973 e no seu correspondente, art. 537, § 1°, do CPC/2015. Todavia, há uma diferença substancial entre essas duas regras, em particular no que diz respeito a quais valores podem ser modificados. A partir da análise dessas regras supracitadas, percebe-se a nítida intenção do legislador de autorizar a revisão ou a exclusão apenas da "multa vincenda", ou seja, a decisão não pode ter eficácia retroativa para atingir o montante acumulado da multa. Por outro lado, há quem sustente a possibilidade de decisão com efeitos retroativos no caso de redução do montante da multa que já incidiu, pois a expressão "vincendas" diria respeito apenas à multa que está incidindo. Contudo, não há motivo para submeter a modificação e a exclusão a regimes jurídicos diversos. A regra do art. 537, § 1°, do CPC deixa claro que o legislador optou por preservar as situações já consolidadas, independentemente de se tratar da multa que está incidindo ou do montante oriundo da sua incidência. Analisando a questão com mais profundidade, tem-se que a pendência de discussão acerca do montante da multa não guarda relação com o seu vencimento, mas, sim, com a sua definitividade. Dessa forma, se a incidência da multa durante o período de inadimplência alcança valores exorbitantes, seja porque o devedor permaneceu inerte e não requereu a revisão ou exclusão, seja porque o magistrado não agiu de ofício, qualquer decisão que venha a ser proferida somente poderia provocar, em regra, efeitos prospectivos. Percebe-se que o legislador do CPC/2015 optou por levar em consideração a postura do devedor, a fim de premiar aquele que, muito embora inadimplente num primeiro momento, acaba por cumprir a obrigação, ainda que parcialmente, ou que demonstra a impossibilidade de cumprimento. Significa dizer que somente tem direito à redução da multa aquele que abandona a recalcitrância. Desse modo, a partir da regra expressa do art. 537, §1°, do CPC, somente seria possível alterar o valor acumulado das multas vincendas e, consoante disposto no inciso II, a redução exige postura ativa do devedor, consubstanciada no cumprimento parcial da obrigação ou na demonstração de sua impossibilidade. De qualquer sorte, na hipótese, há outro óbice para a revisão pretendida, qual seja a preclusão pro judicato consumativa, pois já havia sido revisado o valor da multa diária. O STJ sedimentou, por meio de recurso especial julgado na sistemática dos repetitivos, que "a decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada" (Tema 706), conforme já anotado. Trata-se, no entanto, de não incidência de preclusão temporal, de forma que o valor da multa pode ser modificado a qualquer tempo. Não se trata de ausência de preclusão consumativa, sob pena de grave violação da segurança jurídica. Dessa forma, uma vez fixada a multa, é possível alterá-la ou excluí-la a qualquer momento. No entanto, uma vez reduzido o valor, não serão lícitas sucessivas revisões, a bel prazer do inadimplente recalcitrante, sob pena de estimular e premiar a renitência sem justa causa. Em outras palavras, é possível modificar a decisão que comina a multa, mas não é lícito modificar o que já foi modificado. Considerando que a multa cominatória é um importantíssimo instrumento para garantir a efetividade das decisões judiciais e pode ser fixada de ofício, trata-se de matéria de ordem pública. No caso, a multa fixada em sentença transitada em julgado pode ser alterada na fase de execução porque tem natureza de técnica processual, de modo que não é acobertada pela coisa julgada material. Uma vez fixada ou alterada no início da execução, mantém tal natureza e, portanto, pode ser modificada a qualquer momento, inclusive de ofício. Todavia, o valor acumulado da multa deixa de ser técnica processual e passa a integrar o patrimônio do exequente como crédito de valor, perdendo a natureza de matéria de ordem pública. Com efeito, nos termos do art. 537, § 2°, do CPC, "o valor [acumulado] da multa será devido ao exequente". Além disso, mesmo se considerada também a multa acumulada como matéria de ordem pública, deve incidir a preclusão pro judicato consumativa, de forma que, tendo havido modificação, não é possível nova alteração, preservando-se as situações já consolidadas, como deixa claro o art. 537, § 1°, do CPC ao se referir a "multa vincenda". Isso porque há preclusão consumativa em relação às questões de ordem pública, inclusive àquelas que estão fora da esfera de disponibilidade das partes, tais como os pressupostos processuais e as condições da ação, conforme entendimento sedimentado no STJ. Assim sendo, e com maior razão, há preclusão consumativa no tocante ao montante acumulado da multa cominatória, pois ostenta natureza patrimonial e disponível. (EAREsp 1.766.665-RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Rel. para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, por maioria, julgado em 3/4/2024)
DIREITO PROCESSUAL PENAL - Roubo majorado. Reparação civil. Valor mínimo indenizatório. Pretensão formulada no ingresso do assistente de acusação. Insuficiência. Necessidade de indicação expressa do valor mínimo na denúncia. O pedido de fixação do valor mínimo indenizatório, na forma do art. art. 387, V, do CPP, formulado pelo assistente de acusação não supre a necessidade de que a pretensão conste da denúncia. Sobre o tema, entendia a Sexta Turma do STJ que os requisitos de fixação do valor mínimo para a indenização prevista no art. 387, IV, do CPP exigiam, tão somente, pedido expresso na denúncia, pois prescindíveis a indicação de valor e a instrução probatória específica. A satisfação dos referidos requisitos não importaria em violação do princípio do devido processo legal e do contraditório, pois facultou-se à defesa, desde o início da ação penal, contrapor-se ao pleito ministerial, nos termos do art. 387, V, do CPP. Contudo, recentemente, a Terceira Seção desta Corte firmou a tese no sentido de que, "em situações envolvendo dano moral presumido, a definição de um valor mínimo para a reparação de danos: (I) não exige prova para ser reconhecida, tornando desnecessária uma instrução específica com esse propósito, todavia, (II) requer um pedido expresso e (III) a indicação do valor pretendido pela acusação na denúncia" (REsp 1.986.672/SC, Terceira Seção, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 21/11/2023). No caso, muito embora a empresa vítima haja ingressado com pedido de habilitação como assistente de acusação, em que constou o pedido expresso de reparação do dano no valor mínimo mencionado, referido valor mínimo indenizatório, com fundamento no art. 387, IV, do CPP não consta da denúncia, circunstância que obsta a concessão da indenização na esfera penal, conforme o entendimento ora sedimentado no STJ. (AgRg nos EDcl no AREsp 1.797.301-SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 12/3/2024)
DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR - Recuperação Judicial. Regularidade Fiscal. Comprovação. Certidões de regularidade fiscal. Exigência da Lei n. 14.112/2020. Ausência de apresentação. Impossibilidade. Compatibilidade com o princípio da preservação da empresa. Inaplicabilidade da nova interpretação às decisões homologatórias do plano anteriores à vigência da referida lei. Dispensa de certidões para contratar com o poder público e obter incentivos ou benefícios fiscais. Art. 52, II, da Lei n. 11.101/2005. Considerando-se a nova disciplina adequada a oportunizar, no contexto da recuperação judicial, o equacionamento também das dívidas fiscais do empresário e da sociedade empresária, infere-se que a partir da entrada em vigor da Lei n. 14.112/2020 torna-se exigível a apresentação das certidões de regularidade fiscal como condição para a homologação do plano de recuperação judicial, nos termos dos arts. 57 da Lei n. 11.101/2005 e 191-A do Código Tributário Nacional. (REsp 1.955.325-PE, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 12/3/2024)
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Espólio. Responsabilidade pelas dívidas do autor da herança. Credor do falecido. Abertura do inventário. Legitimidade concorrente. O credor do falecido (autor da herança) tem legitimidade concorrente para requerer a abertura do inventário, conforme o art. 616, VI, do CPC. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que "é o espólio - universalidade de bens deixados pelo de cujus - que, por expressa determinação legal (arts. 597 do CPC/73 e 1.997 do CC), responde pelas dívidas do autor da herança e tem legitimidade passiva para integrar a lide, enquanto ainda não há partilha" (AgInt no AREsp n. 1.039.064/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 4/12/2018). Por outro lado, o credor do falecido (autor da herança) tem legitimidade concorrente para requerer a abertura do inventário, conforme expressamente dispõe o 616, VI do CPC. Nesse sentido, veja-se: [...] "aos credores do autor da herança é facultada, antes da partilha dos bens transmitidos, a habilitação de seus créditos no juízo do inventário ou o ajuizamento de ação em face do espólio" (REsp n. 1.367.942/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 11/6/2015). (AgInt no REsp 1.761.773-PR, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 4/3/2024, DJe 7/3/2024)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Desconsideração da personalidade jurídica. Pedido formulado duas vezes na própria execução. Mesma causa de pedir. Preclusão. Ocorrência. O trânsito em julgado da decisão que aprecia pedido de desconsideração da personalidade jurídica torna a questão preclusa para as partes da relação processual, inviabilizando a dedução de novo requerimento com base na mesma causa de pedir. (REsp 2.123.732-MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 19/3/2024, DJe 21/3/2024)
DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO DA SAÚDE - Plano de saúde. Indisponibilidade ou ausência de prestador da rede assistencial no município de demanda. Necessidade de transporte do beneficiário para outro município não limítrofe da mesma região de saúde. Obrigação de custeio do transporte pela operadora. A operadora de plano de saúde tem a obrigação de custear o transporte sempre que, por indisponibilidade ou inexistência de prestador no município de demanda, pertencente à área geográfica de abrangência do produto, o beneficiário for obrigado a se deslocar para município não limítrofe àquele para a realização do serviço ou procedimento de saúde contratado. O art. 16, X, da Lei n. 9.656/1998, dispõe que, dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos planos privados de assistência à saúde devem constar dispositivos que indiquem com clareza, dentre outros, a área geográfica de abrangência, a qual, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), corresponde à área em que a operadora fica obrigada a garantir todas as coberturas de assistência à saúde contratadas pelo beneficiário, podendo ser nacional, estadual, grupo de estados, municipal ou grupo de municípios (art. 1º, § 1º, I, da Resolução Normativa n. 259/2011 - atual art. 1º, § 1º, I, da Resolução Normativa n. 566/2022 da ANS). Por sua vez, o art. 2º da Resolução Normativa n. 259/2011 da ANS (atual art. 2º da Resolução Normativa n. 566/2022 da ANS) acrescenta que a operadora deverá garantir o atendimento integral dessas coberturas no município onde o beneficiário os demandar, desde que seja integrante da área geográfica de abrangência e da área de atuação do produto. Assim como no SUS (art. 2º, I, Decreto n. 7.508/2011), a saúde suplementar trabalha com o conceito de regiões de saúde (agrupamentos de municípios limítrofes), o qual é dirigido às operadoras com a única finalidade de permitir-lhes integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde que prestam (art. 1º, § 1º, V, da Resolução Normativa n. 259/2011 - atual art. 1º, § 1º, V, da Resolução Normativa n. 566/2022); tal conceito, portanto, não pode ser utilizado como um mecanismo que dificulta o acesso do beneficiário às coberturas de assistência à saúde contratadas. Não é razoável que o beneficiário seja obrigado a custear o seu deslocamento para receber atendimento fora do município de demanda integrante da área geográfica de abrangência estabelecida no contrato, sobretudo em município que sequer é limítrofe a este, ainda que sejam ambos da mesma região de saúde, especialmente considerando que a distância entre os municípios de uma mesma região de saúde pode ser bastante longa, ainda mais para quem necessita de tratamento médico. Logo, seguindo a diretriz do art. 4º da Resolução Normativa n. 259/2011 (atual art. 4º da Resolução Normativa n. 566/2022 da ANS), conclui-se que, se, no município de demanda, não houver prestador da rede assistencial apto a realizar o serviço ou o procedimento demandado, caberá à operadora, no prazo regulamentar, garantir o atendimento em: (i) prestador não integrante da rede assistencial no município de demanda; ou (ii) prestador, integrante ou não da rede assistencial, em município limítrofe ao município de demanda; ou (iii) prestador, integrante ou não da rede assistencial, em município não limítrofe ao município de demanda, mas integrante da mesma região de saúde deste, garantindo o transporte - ida e volta - do beneficiário; ou (iv) prestador, integrante ou não da rede assistencial, em município não integrante da região de saúde do município de demanda, garantindo o transporte - ida e volta - do beneficiário. (REsp 2.112.090-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 19/3/2024, DJe 22/3/2024)
RECUPERAÇÃO JUDICIAL - Recuperação judicial. Execução de título extrajudicial. Garantidores. Plano de recuperação. Novação. Extensão aos Coobrigados. Impossibilidade. Garantias. Supressão ou substituição. Consentimento. Necessidade. A cláusula que estende a novação aos coobrigados, oriunda da aprovação do plano de recuperação judicial da devedora principal, não é eficaz em relação aos credores ausentes da assembleia geral, aos que abstiveram-se de votar ou se posicionaram contra tal disposição, restando intactas, para esses, as garantias de seu crédito e seu direito de execução fora do âmbito da recuperação judicial. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que as cláusulas que estenderam a novação, oriunda da recuperação judicial do devedor principal, aos coobrigados e avalistas não alcança o credor que não estava presente na assembleia geral de credores que aprovou o plano de recuperação judicial homologado pelo juízo universal, restando intactas as garantias de seu crédito e seu direito de execução fora do âmbito da recuperação judicial. A anuência do titular da garantia real é indispensável na hipótese em que o plano de recuperação judicial prevê a sua supressão ou substituição. No caso, em que a empresa credora da execução individual em curso não estava presente na assembleia geral de credores, as cláusulas que estenderam a novação aos coobrigados e avalistas não lhe alcançam, restando intactas as garantias de seu crédito e seu direito de execução contra os garantidores da dívida, fora do âmbito da recuperação judicial. Com efeito, não se suspende a execução individual contra os garantidores da empresa em recuperação, nos termos do art. 6º c/c o art. 49, § 1º, da Lei de Falências e Recuperação Judicial. O STJ consagrou na Súmula n. 581/STJ o entendimento segundo o qual "A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória". Tal entendimento se compatibiliza com enunciado da Súmula n. 480/STJ que já apregoava que "O juízo da recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa". (AgInt nos EDcl no CC 172.379-PE, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 5/3/2024, DJe 7/3/2024)
APELAÇÃO CÍVEL - INTEMPESTIVIDADE - PRELIMINAR REJEITADA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA SUSCITADA DE OFÍCIO - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO SANCIONADORA - ART. 23 LIA - PRAZO DE CINCO ANOS - MANDATOS ELETIVOS DESCONTINUADOS
- A inadmissibilidade do apelo é medida que se impõe quando não observado o prazo de 15 dias úteis para a sua interposição, nos termos dos arts. 219, 224, § 3º, e 1.003, § 5º, todos do CPC/2015. Não há que se falar em intempestividade do apelo quando o mesmo é interposto durante a época em que foram prorrogados os prazos processuais, em decorrência da situação de calamidade pública instaurada pela pandemia do coronavírus. Nos termos do art. 23, inciso I, da LIA, é de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento de ação de improbidade administrativa, e o termo inicial é a data do término do mandato exercido pelo agente político. Nas hipóteses de reeleição, deve ser considerado para fins de prescrição o final do segundo e último mandato, não importando em qual ocorrera o ato ímprobo. No entanto, quando o agente político ocupa o cargo por mais de uma vez de forma não consecutiva, há descontinuidade do vínculo com a Administração Pública, hipótese na qual deve ser considerado o termo final da gestão na qual fora cometido o ato de improbidade, para fins de contagem do prazo prescricional. (Apelação Cível nº 1.0073.14.001131-0/001 - Comarca de Bocaiúva - Apelante: Francisco Adevaldo Soares Praes - Apelado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Relator: Des. Wilson Benevides)
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - PENSÃO POR MORTE - IPSEMG - RESPONSABILIDADE PELA CONCESSÃO E PAGAMENTO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - AUSÊNCIA DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO - TESE FIXADA
- Apesar de a norma inserta no art. 48 da Lei Complementar Estadual nº 64/2002 estabelecer a gestão compartilhada do regime próprio de previdência social, o Estado de Minas Gerais não detém legitimidade para figurar no polo passivo de demanda em que se discute eventual direito à pensão por morte, na medida em que a competência para sua concessão, nos termos do art. 38, § 2º, do mesmo diploma legal, incumbe exclusivamente ao Ipsemg, autarquia dotada de autonomia administrativa e financeira.
- Tese firmada: "Não há falar-se em formação de litisconsórcio passivo necessário entre Ipsemg e o Estado de Minas Gerais, em demandas em que se pleiteia a concessão de pensão por morte, na medida em que o deferimento do benefício incumbe exclusivamente à autarquia (art. 38, § 2º, da LCE nº 64/2002), de modo que a decisão judicial a ser proferida não afeta diretamente a esfera jurídica do Estado, cuja obrigação limita-se a garantir o aporte de recursos necessários para fazer frente ao pagamento das pensões."
V.v.: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA - PENSÃO POR MORTE - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO - IPSEMG E ESTADO DE MINAS GERAIS - NECESSIDADE - FIXAÇÃO DA TESE
- O deferimento da pensão por morte incide na esfera de interesses do Estado de Minas Gerais, tendo em vista que ao mesmo incumbe garantir os recursos para custeio dos benefícios, através da Secretaria de Estado da Fazenda, conforme Lei Complementar nº 156/2020, recaindo, portanto, sobre sua receita, o que configura a formação do litisconsórcio necessário passivo com o Ipsemg, na qualidade de entidade gestora, em demandas previdenciárias.
- Acolher o incidente e fixar a tese jurídica: É necessária a formação de litisconsórcio passivo entre o Estado de Minas Gerais e o Ipsemg, em questão previdenciária, no tocante à responsabilidade pelo pagamento da pensão. (IRDR - CV nº 1.0000.20.067928-0/003 - Comarca de Patos de Minas - Suscitante: Desembargador da 1ª Câmara Cível do TJMG - Interessados: João Edmundo Oliveira, Instituto Previdência Servidores Estado Minas Gerais - Amicus Curiae: Associação dos Magistrados Mineiros - Amagis. - Relatora: Des.ª Teresa Cristina da Cunha Peixoto)
CLIPPING JURÍDICO #16 (8/1 A 5/4/2024)
LEGISLAÇÃO
Emenda Constitucional Nº 132, de 2023 - Altera o Sistema Tributário Nacional.
Lei Complementar Nº 204, de 2023 - Altera a Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir), para vedar a incidência do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) nos casos de transferência de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.
Lei Nº 14.770, de 2023 - Altera a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), para determinar o modo de disputa fechado nas licitações de obras e serviços que especifica, facultar a adesão de Município a ata de registro de preços licitada por outro ente do mesmo nível federativo, dispor sobre a execução e liquidação do objeto remanescente de contrato administrativo rescindido, permitir a prestação de garantia na forma de título de capitalização e promover a gestão e a aplicação eficientes dos recursos oriundos de convênios e contratos de repasse.
Lei Nº 14.811, de 2024 - Institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares, prevê a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e as Leis nºs 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), e 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Lei Nº 14.824, de 2024 - Dispõe sobre a composição, o funcionamento e a competência do Conselho Superior da Justiça do Trabalho; e altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
Lei Nº 14.825, de 2024 - Altera a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, para garantir a eficácia dos negócios jurídicos relativos a imóveis em cuja matrícula inexista averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição judicial.
República)
Lei Nº 14.826, de 2024 - Institui a parentalidade positiva e o direito ao brincar como estratégias intersetoriais de prevenção à violência contra crianças; e altera a Lei nº 14.344, de 24 de maio de 2022.
Lei Nº 14.833, de 2024 - Acrescenta parágrafo único ao art. 499 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para conferir ao réu a oportunidade de cumprir a tutela específica em caso de requerimento de sua conversão em perdas e danos.
Decreto Nº 11.843, de 22/12/2023 - Regulamenta a assistência à pessoa egressa de que tratam os art. 10, art. 11, art. 25, art. 26 e art. 27 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, e institui a Política Nacional de Atenção à Pessoa Egressa do Sistema Prisional.
Decreto Nº 11.846, de 22/12/2023 - Concede indulto natalino e comutação de penas e dá outras providências.
Decreto Nº 11.864, de 27/12/2023 - Dispõe sobre o valor do salário mínimo a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2024.
JURISPRUDÊNCIA
STJ - Súmula 665 - O controle jurisdicional do processo administrativo disciplinar restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvadas as hipóteses de flagrante ilegalidade, teratologia ou manifesta desproporcionalidade da sanção aplicada. (Primeira Seção. Aprovada em 13/12/2023).
TJMG – Súmula 86 - A hipótese de impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC estende-se aos valores depositados em contas bancárias e outras aplicações financeiras em nome do devedor destinadas ao seu sustento e ou de sua família, salvo comprovada má-fé, abuso de direito ou fraude.
REPERCUSSÃO GERAL – STF - TEMA 1.291
O Supremo Tribunal Federal reconheceu, em 2/3/2024, a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada no Leading Case RE 1446336, do respectivo Tema 1.291, em que se discute “à luz dos artigos 1º, IV; 5º, II, XIII; e 170, IV, da Constituição Federal, a possibilidade do reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista de aplicativo de prestação de serviços de transporte e a empresa criadora e administradora da plataforma digital intermediadora."
REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1225
A Corte Especial acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.005.469/RJ, 2.027.163/RJ, 2.085.625/RJ, 2.091.784/RJ, 2.014.924/RJ e 2.050.880/RJ ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito das seguintes controvérsias: "I. Tema Principal: Possibilidade de redirecionamento da execução a pessoa jurídica de direito público, em razão da insolvência de concessionária de serviço público, ainda que aquela não tenha participado da fase de conhecimento e não conste do título executivo judicial; II. Tema Subsidiário: Termo inicial do prazo prescricional quinquenal para fins de redirecionamento da execução contra o ente público".
REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1227
A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp n. 2.046.906/SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir se a tipificação do crime de roubo exige que a violência empregada seja direcionada à vítima ou se também abarca os casos em que a violência tenha sido empregada contra um objeto, com o intuito de subtrair o bem".
REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1229
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.046.269/PR, 2.050.597/RO e 2.076.321/SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir se é cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios na exceção de pré-executividade acolhida para extinguir a execução fiscal, ante o reconhecimento da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da Lei n. 6.830/1980".
REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1230
A Corte Especial acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 1.894.973/PR, 2.071.335/GO, 2.071.382/SE e 2.071,259/SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "alcance da exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC, em relação à regra da impenhorabilidade da verba de natureza salarial tratada no inciso IV do mesmo dispositivo, para efeito de pagamento de dívidas não alimentares, inclusive quando a renda do devedor for inferior a cinquenta (50) salários mínimos".
REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1232
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.053.306/MG, 2.053.311/MG e 2.053.352/MG ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "possibilidade de fixação de honorários advocatícios em cumprimento de sentença decorrente de decisão proferida em mandado de segurança individual, com efeitos patrimoniais".
REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1235
A Corte Especial acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.061.973/PR e 2.066.882/RS ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir se a impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos é matéria de ordem pública, podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz".
REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1236
Definir se, para obtenção da remição da pena pela conclusão de curso na modalidade a distância, a instituição de ensino deve ser credenciada na unidade prisional onde o reeducando cumpre pena, para permitir a fiscalização das atividades e da carga horária efetivamente cumprida pelo condenado.
REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1241
Possibilidade de utilização da quantidade e variedade das drogas apreendidas para definir a fração da minorante do tráfico privilegiado, prevista no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006.
STJ - RECURSOS REPETITIVOS – TEMA 1.218
Descaminho. Princípio da insignificância. Reconhecimento da atipicidade material da conduta na hipótese de reiteração delitiva. Impossibilidade. Contumácia delitiva apta a indicar conduta mais reprovável e de periculosidade social relevante. Ressalvada a possibilidade das instâncias ordinárias concluírem que a medida é socialmente recomendável. Aferição da contumácia a partir de procedimentos penais e fiscais pendentes de definitividade. Possibilidade. Marco temporal previsto no art. 64, I, do CP. Inaplicabilidade. Incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Valor do tributo não recolhido. Irrelevância em se tratando de contumácia delitiva. Tema 1218. (REsp 2.083.701-SP, REsp 2.091.651-SP e REsp 2.091.652-MS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por maioria, julgado em 28/2/2024)
DIREITO CIVIL - Reparação de danos. Acidente automobilístico. Resultado morte. Arts. 944 e 948, II, do Código Civil. Princípio da reparação integral do dano. Adstrição ao prejuízo sofrido. Compensação de vantagens com prejuízos. Pensão vitalícia do Estado. Status quo ante preservado. O recebimento de pensão previdenciária não exclui a condenação do ofensor à prestação de alimentos indenizatórios, desde que demonstrado decréscimo na situação financeira dos dependentes da vítima. Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade ou não de cumular pensão vitalícia integral do Estado, em decorrência do óbito de seu companheiro, ocupante do cargo público, e a decorrente de ato ilícito causado por acidente automobilístico. Não se ignora que as pensões indenizatórias têm causa jurídica distinta das pensões previdenciárias, embora ambas decorram do mesmo evento lesivo (morte ou incapacidade para o trabalho). Dessa forma, nos termos da pacífica jurisprudência desta Corte, "o percebimento de outra pensão de natureza previdenciária não constitui óbice para o recebimento da pensão decorrente de ato ilícito (REsp 1.525.356/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 17/9/2015, DJe 2/12/2015). Todavia, deve-se olhar a matéria sob o prisma do princípio da reparação integral do dano consagrado no art. 944 do Código Civil como definidor da indenização a ser suportada pelo agente. Assim, somente se justificará a condenação ao pagamento de pensão alimentícia indenizatória se o valor da pensão paga pelo Estado não assegurar, ao dependente da vítima, a recomposição da situação patrimonial anterior. No caso, não se controverte que há vínculo jurídico-econômico entre a falecida e o seu companheiro, porque presumível a dependência econômica entre cônjuges. Resta estabelecer a ocorrência de prejuízo econômico efetivo, pois a concessão irrestrita de pensão a quem não necessita efetivamente de verba alimentar para recompor a renda familiar após o óbito representaria quebra ao princípio da reparação integral do dano, positivado no art. 944 do Código Civil, segundo o qual "a indenização mede-se pela extensão do dano". Assim, o recebimento de pensão previdenciária não exclui a condenação do ofensor à prestação de alimentos indenizatórios, desde que demonstrado decréscimo na situação financeira dos dependentes da vítima. No caso, ficou comprovado que não existiu a diferença patrimonial na renda familiar, pois a viúva recebe mesma quantia que a vítima receberia se viva fosse. Assim, somente se justificará a condenação ao pagamento de pensão alimentícia indenizatória se o valor da pensão paga pelo Estado não assegurar, ao dependente da vítima, a recomposição da situação patrimonial anterior. Ademais, houve culpa concorrente entre a vítima fatal e o réu no acidente que causou o óbito, o que deveria ser considerado no arbitramento de pensão alimentícia caso tivesse havido decréscimo na renda familiar. Nesse arbitramento também deveria ser levado em conta que parte da renda familiar seria destinada a manutenção do próprio companheiro falecido. Dessa forma, como a companheira do falecido já recebe pensão integral paga pelo Estado decorrente do falecimento de seu companheiro, e não comprovou que ele exercesse alguma outra atividade que lhe proporcionasse renda extra, não há prejuízo a ser ressarcido sob o título de pensão alimentícia indenizatória (Código Civil, art. 948, II). (REsp 1.392.730-DF, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 5/3/2024)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Penhora. Meio físico ou eletrônico (Bacenjud). Valor correspondente a 40 (quarenta) salários mínimos. Caderneta de poupança. Presunção absoluta de impenhorabilidade. Conta-corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras. Necessidade de comprovação que se trata de reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial do indivíduo ou grupo familiar. Ônus da parte devedora. Se a medida de bloqueio/penhora judicial, por meio físico ou eletrônico (Bacenjud), atingir dinheiro mantido em conta corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá eventualmente a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento, respeitado o teto de quarenta salários mínimos, desde que comprovado, pela parte processual atingida pelo ato constritivo, que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial. A controvérsia dos autos está em definir se é impenhorável a quantia depositada em conta-corrente do executado, até o limite de 40 salários-mínimos, nos termos do art. 833, X, do CPC (art. 649, X, do CPC/1973). O art. 649, X, do CPC/1973, desde a sua introdução no Código de Processo Civil de 1973, vinha recebendo a orientação jurisprudencial cediça do STJ de que a regra da impenhorabilidade era limitada aos valores depositados em caderneta de poupança, consoante dicção expressa da lei. A partir de 2014, todavia, alguns julgados do STJ passaram a adotar posição diametralmente oposta, no sentido de que "a impenhorabilidade da quantia de até quarenta salários mínimos poupada alcança não somente as aplicações em caderneta de poupança, mas também as mantidas em fundo de investimentos, em conta corrente ou guardadas em papel-moeda, ressalvado eventual abuso, má-fé, ou fraude, a ser verificado de acordo com as circunstâncias do caso concreto" (REsp 1.582.264/PR, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 28/6/2016). A redação literal do Código de Processo Civil (tanto o de 1973 - art. 649, X - como o atual - art. 833, X) sempre especificou que é absolutamente impenhorável a quantia de até quarenta (40) salários mínimos aplicada apenas em caderneta de poupança. No entanto, sucede que não é despropositado observar que realmente houve alteração na realidade fática das aplicações financeiras. Na cultura generalizada vigente nas última décadas do século passado, o cidadão médio quando pensava em reservar alguma quantia para a proteção própria ou de sua família, pensava naturalmente na poupança. Hoje em dia, não é incomum verificar a grande expansão de empresas especializadas em atender a um crescente mercado voltado ao investimento no mercado financeiro, sendo frequente que um segmento social (ainda que eventualmente pequeno) relativamente privilegiado saiba muito bem que, atualmente a poupança é a aplicação que dá menor retorno. Exatamente por essa razão, é de se reconhecer que o nome da aplicação financeira, por si só, é insuficiente para viabilizar a proteção almejada pelo legislador. Assim, se considerar que a reserva de numerário mínimo, destinado a formar patrimônio necessário ao resguardo da dignidade da pessoa humana (aqui incluída a do grupo familiar a que pertence), constitui o fim social almejado pelo legislador, não seria razoável, à luz da Constituição Federal, consagrar o entendimento no sentido de proteger apenas a parte processual que optou por fazer aplicação em cadernetas de poupança, instituindo tratamento desigual para outros que, aplicando sua reserva monetária em aplicações com características e finalidade similares à da poupança, buscam obter retorno financeiro mais bem qualificado. Ademais, o que se tem por razoável é considerar que a norma sobre a impenhorabilidade deve ser interpretada, à luz da CF/1988, sob a perspectiva de preservar direitos fundamentais, sem que isso autorize, entretanto, a adoção de interpretação ampliativa em relação a normas editadas com finalidade eminentemente restritiva (já que a impenhorabilidade constitui exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial), pois, em tal contexto, não haveria interpretação buscando compatibilizar normas jurídicas, mas construção de um ordenamento jurídico sustentado por sistema hermenêutico autofágico, em que uma norma aniquilaria o espírito e a razão de existir de outra. A partir do raciocínio acima, conclui-se no sentido de que: a) é irrelevante o nome dado à aplicação financeira, mas é essencial que o investimento possua características e objetivo similares ao da utilização da poupança (isto é, reserva contínua e duradoura de numerário até quarenta salários mínimos, destinado a conferir proteção individual ou familiar em caso de emergência ou imprevisto grave). b) não possui as características acima o dinheiro referente às sobras que remanescem, no final do mês, em conta corrente tradicional ou remunerada (a qual se destina, justamente, a fazer frente às mais diversas operações financeiras de natureza diária, eventual ou frequente, mas jamais a constituir reserva financeira para proteção contra adversidades futuras e incertas). c) importante ressalvar que a circunstância descrita anterior, por si só, não conduz automaticamente ao entendimento de que o valor mantido em conta corrente será sempre penhorável. Com efeito, deve subsistir a orientação jurisprudencial de que o devedor poderá solicitar a anulação da medida constritiva, desde que comprove que o dinheiro percebido no mês de ingresso do numerário possui natureza absolutamente impenhorável (por exemplo, conta usada para receber o salário, ou verba de natureza salarial). d) para os fins da impenhorabilidade descrita acima, ressalvada a hipótese de aplicação em caderneta de poupança (em torno da qual há presunção absoluta de impenhorabilidade), é ônus da parte devedora produzir prova concreta de que a aplicação similar à poupança constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial ou a proteger o indivíduo ou seu núcleo familiar contra adversidades. Em resumo, a garantia da impenhorabilidade é aplicável automaticamente, em relação ao montante de até quarenta (40) salários mínimos, ao valor depositado exclusivamente em caderneta de poupança. Se a medida de bloqueio/penhora judicial, por meio físico ou eletrônico (Bacenjud), atingir dinheiro mantido em conta corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá eventualmente a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento, respeitado o teto de quarenta salários mínimos, desde que comprovado, pela parte processual atingida pelo ato constritivo, que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial. (REsp 1.677.144-RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 21/2/2024)
DIREITO PROCESSUAL PENAL - Tráfico de drogas. Ingresso em domicílio. Ausência de fundadas razões. Ilicitude das provas. Provas independentes decorrentes de busca pessoal. Inconsistência quanto ao resultado da perícia de parte das substâncias apreendidas. Ausência de numeração individualizada dos lacres na perícia definitiva. Quebra da cadeia de custódia. Impossibilidade de distinção entre as substâncias apreendidas nos diferentes contextos. Incerteza quanto à natureza entorpecente do material apreendido durante a busca pessoal. Falta de comprovação da materialidade delitiva. Absolvição. A quebra da cadeia de custódia, em razão da falta de numeração individualizada do material objeto da perícia definitiva, que resulte na impossibilidade de se distinguir, com segurança, se a reconhecida inconsistência de parte da perícia, relativa a natureza entorpecente do material apreendido, referia-se às substâncias apreendidas por ocasião da busca pessoal ou das provas declaradas ilícitas por desrespeito à inviolabilidade domiciliar, acarreta a absolvição do acusado por falta de materialidade delitiva. A Sexta Turma do STJ tem sedimentado entendimento no sentido de que é inverossímil a suposta confissão informal do réu sobre armazenamento de drogas no interior do imóvel, seguida de autorização para ingresso dos policiais, quando não há comprovação do consentimento do morador, como ocorreu no caso em análise. Assim, deve ser declarada a nulidade das provas obtidas a partir do ingresso dos policiais na residência do acusado. No entanto, observa-se que o acervo probatório não está composto exclusivamente pela prova declarada ilícita e suas derivações, havendo outros elementos probatórios, quais sejam: apreensão prévia de drogas durante a busca pessoal e prova testemunhal. Nessa situação, o desfecho comumente aplicado pela jurisprudência da Sexta Turma seria no sentido de se anular a condenação, determinando ao Juízo de origem que, após desentranhar a prova ilícita e as dela derivadas, realizasse um novo julgamento da ação penal. Porém, no caso, há ainda outra nulidade a ser examinada, qual seja, a suposta violação da cadeia de custódia, aduzida, indistintamente, quanto a todos os entorpecentes apreendidos, inclusive aqueles encontrados durante a busca pessoal. Sobre a materialidade delitiva, o Tribunal a quo consignou, quanto ao Laudo Definitivo, que "apenas os itens nºs 01 e 05 foram inconsistentes quanto ao resultado, tendo todos os outros itens e, portanto, todas as outras amostras, detectado a presença da substância Tetrahidrocannabinol (THC)". Porém, da simples leitura do Laudo Definitivo, constata-se que, diferentemente do que ocorrera no Laudo Provisório, todas as substâncias foram identificadas com a mesma numeração de lacre e as amostras conservadas para perícia definitiva têm massas idênticas, de forma que não é possível distinguir se as substâncias em relação às quais a perícia foi inconsistente - inconsistência essa já reconhecida pela Jurisdição ordinária - são as drogas apreendidas na residência do recorrente ou durante a busca pessoal. Nessa conjuntura, evidencia-se que não foi observada a norma disposta no art. 158-D, § 1º, do Código de Processo Penal, segundo a qual "[t]odos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte". Não se está a dizer que a mera inobservância do procedimento descrito no art. 158-D, § 1º, do Código de Processo Penal acarrete, automaticamente, a imprestabilidade das provas, mesmo porque, conforme orientação jurisprudencial desta Sexta Turma, a consequência processual concreta de eventual desconformidade com as regras previstas no Código de Processo Penal para as etapas de rastreamento dos vestígios (158-A a 158-F) dependerá do cotejo com os demais elementos de prova constantes dos autos. Ocorre que, na hipótese, a quebra da cadeia de custódia resultou na impossibilidade de se distinguir, com segurança, se a reconhecida inconsistência de parte da perícia referia-se às substâncias apreendidas por ocasião da busca pessoal ou do ingresso domiciliar. Assim, embora, em princípio, nem todas as provas sejam ilícitas por desrespeito à inviolabilidade domiciliar, de todo modo, em razão da falta de numeração individualizada do material objeto da perícia definitiva, não é possível comprovar, com segurança, a natureza entorpecente das substâncias encontradas na posse do agente, quando de sua abordagem em via pública, de forma que o acusado deve ser absolvido por falta de materialidade delitiva na forma do art. 386, inciso II, do Código de Processo Penal. (REsp 2.024.992-SP, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024)
DIREITO PENAL - Estupro de vulnerável. Relativização da presunção de violência. Impossibilidade. Súmula n. 593 do STJ. A constituição de família não exclui, per se, a punibilidade do crime de estupro de vulnerável. Para a caracterização do delito de estupro de vulnerável é irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o réu, haja vista a presunção absoluta da violência em casos da prática de conjunção carnal ou ato libidinoso diverso com pessoa menor de 14 anos, conforme a Súmula n. 593 do STJ. Na espécie, a ofendida, à época com 13 anos de idade, foi submetida à prática de conjunção carnal. O réu, naquele tempo, contava 20 anos de idade. A gravidez da vítima, em decorrência do conúbio sexual e o nascimento de uma criança dessa relação não diminuem a responsabilidade penal; ao contrário, por força de lei, incrementa a reprovabilidade da ação, atraindo mesmo uma causa de aumento de pena (art. 234-A, III, do CP). A constituição de família não exclui, per se, a punibilidade da conduta, pois, no caso, além de o réu não haver registrado a criança, o seu relacionamento com a vítima não subsiste. (Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024, DJe 6/3/2024)
DIREITO PENAL, DIREITO DOS GRUPOS VULNERÁVEIS - Lesão corporal no âmbito doméstico praticado por irmão contra irmã. Incidência da Lei n. 11.340/2006. Desnecessidade de demonstração da motivação de gênero. Presunção de vulnerabilidade da mulher. Competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. A orientação mais condizente com o espírito da Lei n. 11.340/2006 é no sentido de que a vulnerabilidade e a hipossuficiência da mulher são presumidas, sendo desnecessária a demonstração da motivação de gênero para que incida o sistema protetivo da Lei Maria da Penha e a competência da vara especializada. (AgRg no REsp 2.080.317-GO, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 4/3/2024, DJe 6/3/2024)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - O CPC estabeleceu, como regra, a sistemática da causa-piloto para o julgamento do IRDR. O acórdão recorrido foi proferido em IRDR instaurado no Tribunal de origem como procedimento-modelo, ou seja, sem que houvesse uma causa-piloto que lhe subsidiasse. Portanto, houve a fixação de tese abstrata sem o julgamento concomitante de um caso concreto. No entanto, o CPC estabeleceu, como regra, a sistemática da causa-piloto para o julgamento do IRDR, que nada mais é do que um incidente instaurado em um processo já em curso no Tribunal para resolver questões de direito oriundas de demandas de massa. A adoção da sistemática da causa-modelo não é de livre escolha do Tribunal. Pelo contrário, o Código de Processo Civil a permite em apenas duas hipóteses: quando houver desistência das partes que tiveram seus processos selecionados como representativos da controvérsia multitudinária, nos termos do art. 976, § 1º, do CPC; e quando se tratar de "pedido de revisão da tese jurídica fixada no IRDR, o qual equivaleria ao pedido de instauração do incidente (art. 986 do CPC), [caso em que] o Órgão Julgador apenas analisa a manutenção das teses jurídicas fixadas em abstrato, sem qualquer vinculação a qualquer caso concreto" (REsp 1.798.374/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Corte Especial, DJe de 21.6.2022). A peculiaridade deste caso é que nenhuma dessas duas hipóteses se fez presente, mas mesmo assim a Corte local decidiu julgar uma causa-modelo. No Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, a regra é a participação das partes dos recursos selecionados como representativos da controvérsia, que constitui núcleo duro do princípio do contraditório, na perspectiva da representatividade adequada. O CPC/2015, sem prejuízo da participação dos amici curiae e MP no incidente, imputou à parte da causa-piloto a condição de representante dos eventuais afetados pela decisão, pois fala em juízo em nome de todos e em razão da identidade de interesses, de modo que a Corte a quo tem o dever de garantir que tal representação seja efetivamente exercida de forma adequada. Pode-se afirmar que a garantia e a fiscalização, pela Corte, da efetiva participação das partes é ainda mais imperativa no IRDR, se comparado aos processos coletivos que visam tutelar direitos individuais homogêneos. Nestes, a decisão desfavorável ao grupo não prejudica seus membros, em razão da regra da extensão da coisa julgada secundum eventum litis. No IRDR, por outro lado, a decisão desfavorável será a todos aplicada, por constituir precedente qualificado (art. 927, III, CPC). E é regra elementar do due process que aquele que não participou do processo - ainda que por intermédio de representante adequado - não pode ser por ele prejudicado. Logo, o Tribunal de origem não pode avocar o julgamento de determinadas questões de direito de forma desvinculada de uma causa que esteja sob sua apreciação. O relator de uma das causas pendentes de julgamento poderia tomar essa iniciativa, selecionando processos que melhor atendessem a exigência da representatividade adequada para julgá-los como causa-piloto, respeitando o contraditório e a ampla defesa, e permitindo a participação dos atores relevantes do litígio massificado. Não se trata de admitir, indistintamente, a participação de todos os particulares que tiveram seus processos suspensos; isso certamente inviabilizaria o julgamento do Incidente. O ordenamento jurídico, todavia, impõe a efetiva participação, no mínimo, daqueles que tiveram seus processos indicados como causas representativas da controvérsia multitudinária, pois são, indiscutivelmente, partes interessadas no Incidente. O IRDR não pode ser interpretado de forma a dar origem a uma espécie de "justiça de cidadãos sem rosto e sem fala". Ao adotar o sistema da causa-piloto, a tese repetitiva, da qual surtirão os efeitos externos (erga omnes), deve ser apreciada conjuntamente com o caso concreto, do qual surtirão os efeitos internos (inter partes), como se depreende do parágrafo único do art. 978 do CPC: "O órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente". Se as partes autoras dos processos selecionados não os abandonaram ou deles desistiram, sua efetiva participação é imposição do princípio do contraditório e da norma do art. 978, parágrafo único, do CPC. Assim sendo, tenho como patente a violação do art. 978, parágrafo único, do CPC, na medida em que foi admitido o IRDR de forma autônoma, sem vinculação a um processo pendente, o que inviabiliza a exigência de julgamento concomitante de recurso, remessa necessária ou processo de competência originária que lhe pudesse dar origem. (REsp 2.023.892-AP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Execução individual de sentença coletiva. Legitimidade ativa. Diferenciação. Legitimação ordinária e legitimação constitucional ou legal extraordinária. Tema n. 499/STF. Limites territoriais do órgão prolator da decisão. Tema n. 1.075/STF e REsp Repetitivo n. 1.243.887/PR. Limites objetivos e subjetivos da Decisão. Aplicação ao caso concreto do Tema n. 499/STF. Nas ações coletivas em que a associação representa seus associados por legitimação ordinária, nos termos do art. 5º, XXI, da CF/88, o entendimento que deve ser aplicado é o firmado no Tema n. 499 do STF. (EREsp 1.367.220-PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 6/3/2024)
DIREITO DO CONSUMIDOR - Relação de consumo. Repetição de indébito. Devolução em dobro. Parágrafo único do art. 42 do CDC. Requisito subjetivo. Dolo/má-Fé ou culpa. Irrelevância. Prevalência do critério da boa-fé objetiva. A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. Em harmonia com os ditames maiores do Estado Social de Direito, na tutela de sujeitos vulneráveis, assim como de bens, interesses e direitos supraindividuais, ao administrador e ao juiz incumbem exercitar o diálogo das fontes, de modo a - fiéis ao espírito, ratio e princípios do microssistema ou da norma - realizarem material e não apenas formalmente os objetivos cogentes, mesmo que implícitos, abonados pelo texto legal. Nesse sentido, a interpretação e integração de preceitos legais e regulamentares de proteção do consumidor, codificados ou não, submetem-se a postulado hermenêutico de ordem pública, segundo o qual, em caso de dúvida ou lacuna, o entendimento administrativo e o judicial devem expressar o posicionamento mais favorável à real superação da vulnerabilidade ou mais condutivo à tutela efetiva dos bens, interesses e direitos em questão. Em síntese, não pode "ser aceita interpretação que contradiga as diretrizes do próprio Código, baseado nos princípios do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e da facilitação de sua defesa em juízo." (REsp 1.243.887/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe 12/12/2011). In casu, o ato ilícito objeto do pedido de restituição em dobro decorreu da conduta da parte de fazer lançamentos a débito na conta da autora para pagamento de dívida alheia (cheques e parcelas de empréstimo). A presente controvérsia deve ser solucionada à luz do princípio da vulnerabilidade e do princípio da boa-fé objetiva, inarredável diretriz dual de hermenêutica e implementação de todo o CDC e de qualquer norma de proteção do consumidor. O art. 42, parágrafo único, do CDC, dispõe que o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. Ou seja, demonstrado na relação de consumo o pagamento de cobrança indevida, a restituição do indébito dar-se-á em dobro, ressalvado se o fornecedor provar, no caso concreto, o engano justificável. A norma analisada não exige culpa, dolo ou má-fé do fornecedor, quando este cobra e recebe valor indevido do consumidor. Ao fornecedor, a imputação que se lhe faz a lei é objetiva, independentemente de culpa ou dolo. Assim, a justificabilidade (ou legitimidade) do engano, para afastar a devolução em dobro, insere-se no domínio da causalidade, e não no domínio da culpabilidade, pois esta se resolve, sem apelo ao elemento volitivo, pelo prisma da boa-fé objetiva. A Corte Especial do STJ definiu a questão no EAREsp 600.663/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe de 30.3.2021, fixando a seguinte tese: "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. Dessa forma, a regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. No caso em análise, contudo, há um detalhe, em especial, que o exime da aplicação do entendimento prevalecente no STJ, qual seja, o fato de o referido precedente ter modulado os efeitos da aplicação de sua tese, ficando estabelecido que, não obstante a regra geral, o entendimento fixado se aplica aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação do acórdão em 30.3.2021. (EAREsp 1.501.756-SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 21/2/2024)
DIREITO PENAL, EXECUÇÃO PENAL – TEMA 931 - Pena de multa. Inadimplemento. Revisão do Tema 931. Cumprimento da pena privativa de liberdade ou de restritiva de direitos substitutiva. Compreensão firmada pelo STF no julgamento da ADI 3.150/DF. Manutenção do caráter de sanção criminal da pena de multa. Execução da sanção pecuniária. Primazia do Ministério Público. Alteração legislativa do art. 51 do Código Penal. Distinguishing. Impossibilidade de cumprimento da pena pecuniária pelos condenados hipossuficientes. Extinção da punibilidade. Presunção relativa de veracidade da autodeclaração de pobreza. O inadimplemento da pena de multa, mesmo após o cumprimento da pena de prisão ou da pena restritiva de direitos, não impede a extinção da punibilidade, desde que o condenado alegue hipossuficiência, salvo se o juiz competente, em decisão devidamente fundamentada, entenda de forma diferente, indicando especificamente a capacidade de pagamento da penalidade pecuniária. (REsp 2.090.454-SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 28/02/2024, DJe 1/3/2024 (Revisão do Tema 931)).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Honorários advocatícios. Equidade. Descabimento. Valor da causa. Pluralidade de vencedores. Rateio proporcional. Quando houver pluralidade de vencedores representados por escritórios de advocacia distintos, os honorários de sucumbência deverão ser partilhados entre eles, na proporção das respectivas pretensões. Cinge-se a controvérsia em definir como deve ocorrer a fixação dos honorários advocatícios quando houver pluralidade de vencedores representados por escritórios de advocacia distintos, sob a ótica do CPC/1973. No caso, entendeu-se que a fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais em 10% sobre o elevado valor da causa de R$150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais) não foi razoável e proporcional. Daí o provimento recursal para reduzir os honorários advocatícios de 10% (dez por cento) para 1% (um por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC/1973, consoante a jurisprudência do STJ firmada sob a égide do CPC de 1973, que considerava irrisória a verba honorária quando fixada em montante inferior a 1% (um por cento) sobre o valor da causa. Assim, mesmo considerando serem os litisconsortes vencedores representados por escritórios de advocacia distintos, não se deve determinar o pagamento de 1% sobre o valor da causa em favor de cada um dos litisconsortes e de seus nobres patronos. O montante de 1% sobre o valor da causa corresponderá a, pelo menos, R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), quantia expressiva e suficiente, mesmo após ser repartida proporcionalmente entre os litisconsortes. Cumpre registrar o entendimento desta Corte de que, havendo pluralidade de vencedores, os honorários de sucumbência deverão ser partilhados entre eles, na proporção das respectivas pretensões, sob pena de se onerar demasiadamente a parte sucumbente. (AgInt no REsp 1.842.035-MT, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024)
DIREITO DA SAÚDE, DIREITO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA - Plano de saúde. Beneficiário com transtorno do espectro autista. Prescrição de terapias multidisciplinares. Psicopedagogia em ambiente escolar e domiciliar. Obrigação de cobertura afastada. Equotrapia e musicoterapia. Cobertura devida. A equoterapia e a musicoterapia são de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde para os beneficiários com transtornos globais do desenvolvimento, dentre eles o transtorno do espectro autista. Cinge-se a controvérsia em verificar o dever de cobertura, pela operadora do plano de saúde, de sessões de psicopedagogia, equoterapia e musicoterapia prescritos pelo médico assistente para o tratamento de menor com transtorno do espectro autista, além da configuração do dano moral. Embora fixando a tese quanto à taxatividade, em regra, do rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde - ANS, a Segunda Seção deste Tribunal negou provimento a recurso de operadora do plano de saúde, para manter acórdão da Terceira Turma que concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de sessões de terapias especializadas prescritas para o Tratamento de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Especificamente quanto à psicopedagogia, a despeito da ausência de regulamentação legal, a atuação do psicopedagogo é reconhecida como ocupação pelo Ministério do Trabalho, sob o código n. 2394-25 da Classificação Brasileira de Ocupações - CBO (família dos programadores, avaliadores e orientadores de ensino) e é também considerada especialidade da psicologia (Resolução n. 14/2000 do Conselho Federal de Psicologia). A psicopedagogia há de ser considerada como contemplada nas sessões de psicologia, as quais, de acordo com a ANS, são de cobertura obrigatória e ilimitada pelas operadoras de planos de saúde, especialmente no tratamento multidisciplinar do beneficiário com transtorno do espectro autista, obrigação essa, todavia, que, salvo previsão contratual expressa, não se estende ao acompanhamento em ambiente escolar e/ou domiciliar ou realizado por profissional do ensino. A Terceira Turma consolidou o entendimento de que, sendo a equoterapia e a musicoterapia métodos eficientes de reabilitação da pessoa com deficiência, hão de ser tidas como de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde para os beneficiários com transtornos globais do desenvolvimento, dentre eles o transtorno do espectro autista. (Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Cumprimento de sentença. Honorários periciais. Ação acidentária. Competência do juízo que decidiu a causa. Compete ao Juízo Estadual o processamento e julgamento do cumprimento de sentença promovido pelo INSS relativo ao ressarcimento de honorários periciais antecipados no bojo de ação acidentária. Inicialmente, cumpre trazer à baila o disposto no Código de Processo Civil acerca da competência para o processamento do cumprimento de sentença, o qual dispõe, em seu art. 516 e incisos, que: "O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante: I - os tribunais, nas causas de sua competência originária; II - o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição; III - o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo". Referida norma consagra a regra geral de competência para os títulos judiciais e decorre do sincretismo processual, a partir do qual o reconhecimento do direito e a sua efetivação ocorrem no mesmo processo, diferindo-se apenas por fases. A norma ainda traduz princípio consagrado na parte geral do Código, segundo o qual a competência é determinada no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta (art. 43 do CPC). Assim, em regra, o juízo que formou o título executivo é o competente para executá-lo, estando as exceções previstas no próprio artigo de lei, de modo que somente não serão executados perante o juízo que processou a ação os títulos formados a partir de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo ou, ainda, nos casos em que os bens sujeitos à constrição judicial se encontrarem em foro diverso ou se diverso for o foro atual do domicílio do executado. E, no caso em discussão, observa-se que não se enquadra em nenhuma das situações que excepcionam a regra contida no art. 516, II, do CPC, porquanto a exequente pretende efetivar o direito à percepção dos honorários periciais antecipados na lide, em razão de o vencido ser beneficiário da justiça gratuita. Nesse mesmo sentido, esta Corte vem reconhecendo a competência do Juízo Estadual para o processamento e julgamento do Cumprimento de Sentença promovido pelo INSS, relativo ao ressarcimento de honorários periciais antecipados no bojo de ação acidentária, nos seguintes julgados: CC n. 186.830/MS, relator Ministro Herman Benjamin, DJe de 12/4/2022; CC n. 186.831/MS, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), DJe de 31/3/2022; CC n. 186.837/MS, relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 28/3/2022; CC n. 186.666/MS, relator Ministro Francisco Falcão, DJe de 18/3/2022, entre outros. Dessa forma, deve ser declarado competente para o processamento e julgamento do feito, no caso, o Juízo Estadual, ora suscitado. (CC 191.185-MS, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 28/2/2024, DJe 4/3/2024)
EXECUÇÃO PENAL, DIREITO DOS GRUPOS VULNERÁVEIS - Execução da pena privativa de liberdade. Pessoa transgênero. Estabelecimento prisional adequado. Liberdade sexual e de gênero. Princípio da igualdade material. Presídio feminino com estrutura para receber mulher transgênero. Escolha da pessoa presa. É dever do Judiciário indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas. A determinação do local do cumprimento da pena da pessoa transgênero não é um exercício de livre discricionariedade do julgador, mas sim uma análise substancial das circunstâncias que tem por objeto resguardar a liberdade sexual e de gênero, a integridade física e a vida das pessoas transgênero presas, haja vista que o art. 7° da Resolução CNJ n. 348/2020 determina que a referida decisão "será proferida após questionamento da preferência da pessoa presa". Dessa forma, o órgão estatal judicial responsável pelo acompanhamento da execução da pena não deve ter por objeto resguardar supostos constrangimentos das agentes carcerárias, pois, para isso, o Estado tem outros órgãos e outros instrumentos, que, inclusive, utilizam a força e a violência; e, por isso, é objetivo do Judiciário resguardar a vida e a integridade físicas das pessoas presas, respeitando a diversidade de gênero e a liberdade sexual. O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2019, em razão da diversidade de gênero e da igualdade material, havia concedido medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 527, para que pessoas presas transexuais e travestis com identidade de gênero feminino possam escolher cumprir a pena em estabelecimentos prisionais femininos ou masculinos. Assim também determina o art. 8° da Resolução CNJ n. 348/2020. Portanto, é dever do Judiciário indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas. (HC 861.817-SC, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024, DJe 15/2/2024)
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL - Tráfico de drogas. Art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. Ausência de apreensão da substância entorpecente. Comprovação da materialidade delitiva por meio de outros elementos de prova. Impossibilidade. A apreensão e perícia da substância entorpecente é imprescindível para a comprovação da materialidade do crime de tráfico de drogas. O Tribunal de origem assentou que não houve a apreensão de entorpecentes com os acusados, inexistindo, consequentemente, o laudo de exame toxicológico, definitivo ou preliminar, a comprovar a materialidade do delito de tráfico de drogas. Acerca da matéria, a Terceira Seção do STJ, no julgamento do HC 350.996/RJ, DJe de 29/8/2016, reconheceu que o laudo toxicológico definitivo é imprescindível para a comprovação da materialidade dos delitos envolvendo entorpecentes, sem o qual é forçosa a absolvição do acusado, admitindo-se, no entanto, em situações excepcionais, a possibilidade de demonstração da materialidade do crime de tráfico de drogas por laudo de constatação provisório, desde que tal documento permita grau de certeza idêntico ao do laudo definitivo e haja sido elaborado por perito oficial, em procedimento e conclusões equivalentes. Nessa toada, por ocasião da apreciação do EREsp 1.544.057/RJ, DJe de 9/11/2016, a Terceira Seção uniformizou o entendimento de que a ausência do laudo toxicológico definitivo implica a absolvição do acusado, por falta de provas da materialidade delitiva, não podendo essa ser confundida com mera nulidade. Na oportunidade, foi ressalvada a possibilidade de se manter o édito condenatório quando a prova da materialidade delitiva estiver amparada em laudo preliminar, dotado de certeza idêntica à do definitivo, certificado por perito oficial e em procedimento equivalente, que possa atestar, com certo grau de certeza, a existência dos elementos físicos e químicos que qualifiquem a substância como droga, nos termos previstos na Portaria n. 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Pelo que se infere dos referidos precedentes, em um ou outro caso, ou seja, com laudo toxicológico definitivo ou, de forma excepcionalíssima, com laudo de constatação provisório, a apreensão de drogas se revela imprescindível para a condenação do acusado pela prática do crime de tráfico de drogas, não se prestando os demais elementos de prova, por si sós, ainda que em conjunto, à comprovação da materialidade do delito. Tal entendimento foi recentemente consolidado pela Terceira Seção desta Corte Superior, na apreciação do HC 686.312/MS, DJe de 19/4/2023, oportunidade em que se assentou que, "para a perfectibilização do tipo previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 [...] é necessário que a substância seja efetivamente apreendida e periciada, para que se possa identificar, com grau de certeza, qual é o tipo de substância ou produto e se ela(e) efetivamente encontra-se prevista(o) na Portaria n. 344/1998 da Anvisa". (REsp 2.107.251-MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024, DJe 26/2/2024)
EXECUÇÃO PENAL - Permanência de preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima. Retorno ao Estado de origem determinado unilateralmente pelo Juízo Federal. Impossibilidade. Gravidade dos fatos consignada pelo Juízo de origem. Mérito que não compete ao magistrado federal reavaliar. Não cabe à Justiça Federal discutir os motivos declinados pelo Juízo que solicita a transferência ou a permanência de preso em estabelecimento prisional de segurança máxima, pois este é o único habilitado a declarar a excepcionalidade da medida. O § 5º, do art. 10, da Lei n. 11.671/2008 dispõe que, rejeitada a renovação da permanência de preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima, "o juízo de origem poderá suscitar o conflito de competência, que o tribunal apreciará em caráter prioritário". Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não cabe à Justiça Federal discutir os motivos declinados pelo Juízo que solicita a transferência ou a permanência de preso em estabelecimento prisional de segurança máxima, pois este é o único habilitado a declarar a excepcionalidade da medida. Com efeito, "ao Juízo Federal não compete realizar juízo de valor sobre as razões de fato emanadas pelo Juízo solicitante, sendo-lhe atribuído pelo art. 4º da Lei n. 11.671/2008, tão somente, o exame da regularidade formal da solicitação" (STJ, CC 168.595/RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 11/3/2020, DJe 23/3/2020). Ainda, a orientação do STJ é no sentido de que "a demonstração da permanência dos fundamentos que levaram à inclusão do detento no Sistema Prisional Federal é suficiente para justificar o deferimento do pedido de prorrogação, não sendo exigida a indicação de fatos novos". (AgRg no CC 180.682/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 25/8/2021, DJe 1º/9/2021). (AgRg no CC 199.369-PA, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024)
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL - Mandado de busca e apreensão domiciliar em período noturno. Impossibilidade. Nulidade. Art. 22, III, da Lei n. 13.869/2019. Abuso de autoridade. Não configuração. Ausência de regulamentação dos conceitos de dia e de noite. Embora não configure o crime de abuso de autoridade, mesmo que realizada a diligência depois das 5h e antes das 21h, continua sendo ilegal e sujeito à sanção de nulidade cumprir mandado de busca e apreensão domiciliar se for noite. A controvérsia gira em torno de saber se, depois do advento do art. 22, III, da Lei n. 13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade), passou a ser válido o cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar no período compreendido entre 5h e 21h. De acordo com o disposto no art. 5º, XI, da Constituição, "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". O art. 245, caput, do CPP, no mesmo sentido, estabelece que "As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta". A interpretação desses dispositivos sempre gerou intensa celeuma no que concerne à definição dos conceitos de "dia" e de "noite" para fins de cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar (critérios cronológico, físico-astronômico e misto). O advento do art. 22, III, da Lei n. 13.869/2019 deu origem a uma nova corrente, no sentido de que, ao tipificar como crime de abuso de autoridade o cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar entre 21h e 5h, o legislador haveria implicitamente regulamentado o art. 5º, XI, da Constituição e o art. 245 do CPP, para definir como "dia" o período entre 5h e 21h. Todavia, o art. 22, III, da Lei n. 13.869/2019 não definiu os conceitos de "dia" e de "noite" para fins de cumprimento do mandado de busca e apreensão domiciliar. O que ocorreu foi apenas a criminalização de uma conduta que representa violação tão significativa da proteção constitucional do domicílio a ponto de justificar a incidência excepcional do direito penal contra aqueles que a praticarem. É dizer, o fato de que o cumprimento de mandado de busca domiciliar entre 21h e 5h foi criminalizado não significa que a realização da diligência em qualquer outro horário seja plenamente lícita e válida para todos os fins. Assim, mesmo que realizada a diligência depois das 5h e antes das 21h, continua sendo ilegal e sujeito à sanção de nulidade cumprir mandado de busca e apreensão domiciliar se for noite, embora não configure o crime de abuso de autoridade previsto no art. 22, III, da Lei n. 13.869/2019. Vale mencionar, ainda, a reforçar essa interpretação, recente e importante decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Valencia Campos y otros v. Bolívia, julgado em 18 de outubro de 2022, em que o tema da temeridade do ingresso domiciliar em período noturno foi abordado com especial destaque. Em voto concorrente para a condenação do Estado boliviano por violação da Convenção Americana de Direitos Humanos, o Juiz Rodrigo Mudrovitsch e a Juíza Nancy Hernández López pontuaram que, "as invasões policiais noturnas se afiguram incompatíveis com a Convenção e com os standards desta Corte, sendo admissíveis tão somente em situações absolutamente excepcionais e, acima de tudo, previstas de forma clara e taxativa na Constituição ou na Lei, e requerendo motivação reforçada que justifique as razões pelas quais não se pode realizar a diligência no horário diurno. Em outras palavras, não podem ser encaradas pelos Estados como procedimentos corriqueiros da atividade de persecução penal, à livre disposição dos operadores da justiça, e sim como instrumentos que configuram uma das mais graves intervenções na esfera de direitos dos indivíduos. Por essa razão, as invasões noturnas só são justificáveis mediante a mais rigorosa observância cumulativa dos ditames da legalidade e da proporcionalidade em todas as suas dimensões". (Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Laurita Vaz, Rel. para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado em 5/12/2023, DJe 15/12/2023.)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO BANCÁRIO - Obrigação de fazer. Impossibilidade de entrega das ações ao acionista. Conversão em indenização por perdas e danos. Cumprimento de sentença. Apuração do valor das ações cotadas em Bolsa de valores. Eventos societários ocorridos entre a data de emissão das ações e a do trânsito em julgado. Necessidade de inclusão no cálculo. Nas ações que houver a conversão em indenização por perdas e danos pela impossibilidade de entrega das ações ao acionista, embora a fase de liquidação não seja necessariamente obrigatória, é preciso considerar, no cálculo da indenização, os eventos societários de grupamentos e desdobramentos de ações ocorridos entre a data em que as ações foram emitidas e a data do trânsito em julgado da sentença. Analisando a forma como se deve dar a liquidação do julgado, nas causas que envolvem a conversão de ações em indenização por perdas e danos pela impossibilidade de entrega das ações ao acionista, a Segunda Seção desta Corte, no julgamento do REsp 1.387.249/RS, em sede de recurso repetitivo, se manifestou no sentido de que, embora a fase liquidação não seja necessariamente obrigatória, é preciso considerar, no cálculo da indenização, os eventos societários ocorridos entre a data em que foram emitidas as ações e a data do trânsito em julgado da sentença. No referido precedente, o relator afirma que o número de ações obtido deve ser multiplicado por um fator de conversão (Fc), para que se encontre o equivalente de ações na companhia sucessora, hoje existente. Esse fator de conversão deve englobar os agrupamentos acionários eventualmente ocorridos. Por exemplo, se cada grupo de 1.000 ações da companhia X foi agrupado em uma ação da companhia Y, a variável (Fc) deve englobar essa operação acionária. O passo seguinte é multiplicar o número de ações da companhia atual pela cotação das ações no fechamento do pregão da bolsa de valores do dia do trânsito em julgado da ação de conhecimento, conforme definido no REsp 1.025.298/RS, Rel. Ministro Massami Uyeda, DJe 11/2/2011. Seguindo essa mesma linha de entendimento, a Terceira e a Quarta Turmas desta Corte acabaram firmando sua jurisprudência no sentido de que devem ser considerados, para o cálculo do valor devido, todos os eventos societários que importem grupamento e/ou desdobramento de ações, entre a data em que elas foram emitidas e a data do trânsito em julgado da demanda, não havendo que se falar que a observância dessas operações acarretaria ofensa à coisa julgada. Deste modo, é indispensável a avaliação dos eventos societários de grupamentos e desdobramentos de ações ocorridos desde a data em que foram emitidas as ações até a data do trânsito em julgado da ação de obrigação de fazer ajuizada contra o banco, sob pena de configurar-se o enriquecimento sem causa. (AgInt no AREsp 1.488.546-PE, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 6/2/2024)
DIREITO CIVIL - Promessa de compra e venda. Atraso na entrega da obra. Rescisão contratual. Retorno ao status quo ante. Indenização. Restituição integral dos valores despendidos com o imóvel com os encargos legais. Lucros cessantes. Descabimento. Interesse contratual negativo. Presunção de prejuízo. Afastamento. É indevido o pagamento de indenização por lucros cessantes, no caso de rescisão de contrato de promessa de compra e venda de imóvel por inadimplemento da promitente vendedora. Inicialmente, ressalta-se que a jurisprudência desta Corte é pacífica quanto ao cabimento de lucros cessantes em razão do descumprimento do prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, havendo presunção de prejuízo do promitente comprador. Nesse sentido, concluiu a Segunda Seção que os valores a título de lucros cessantes seriam devidos desde o dia seguinte à data pactuada para entrega até o dia de ingresso dos autores na posse do imóvel, já que esse seria o tempo em que teriam permanecido privados do bem em descumprimento aos termos do contrato. Todavia, no universo de casos que vêm sendo trazidos à apreciação das turmas da Segunda Seção, é possível distinguir duas situações principais. No primeiro grupo, a parte compradora ainda anseia por receber o imóvel adquirido na planta, mas requer a condenação da vendedora por lucros cessantes, entre outras parcelas indenizatórias, em decorrência do atraso em sua entrega. Em tais casos, a presunção de lucros cessantes advém da circunstância de que o comprador se viu privado da posse do bem na data aprazada e, por isso, teve custear outra moradia, ou deixar de alugar o imóvel durante o período de atraso. No segundo grupo, estão as ações em que o adquirente, insatisfeito com o atraso, postula a resolução do contrato, cumulada com pedido de indenização, inclusive lucros cessantes, consubstanciados nos aluguéis que deixou de receber ou acabou por ter despendido em decorrência da mora. Em tais casos, deve-se realizar diferenciação em relação aos precedentes da Segunda Seção, exatamente pelo fato de que não é jurídico reconhecer o pedido de lucros cessantes de forma presumida quando o pedido principal da parte compradora é precisamente resilir o contrato com o retorno ao estado anterior em que as partes se encontravam antes da contratação. Com efeito, o art. 475 do Código Civil assim dispõe: "a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos". Interpretando esse dispositivo, é possível perceber que o corolário natural da dissolução da relação contratual consiste no retorno das partes às posições ocupadas antes da contratação. É o que determina o art. 182 do Código Civil relativo à ação de nulidade, mas aplicável analogicamente ao remédio resolutivo, quando dispõe: "restituir-se-ão as partes ao estado, em que antes dele se achavam, e não sendo possível restituí-las, serão indenizadas pelo equivalente." Ademais, como a resolução acaba por extinguir a relação contratual entre as partes e não propriamente o contrato, extinta esta, surgirá nova relação (relação de liquidação para restituir as partes ao status quo ante (restituição) e, eventualmente, indenização ao credor pelo dano sofrido (art. 475 do Código Civil)). Dessa forma, o credor da obrigação não deve receber nem mais nem menos do que forneceu, porque a reconstituição de uma situação jurídica em seguida à resolução é o retorno ao estado que existira anteriormente ao ato. A questão, contudo, é delimitar o que pertenceria à restituição desses valores: se abarcariam os lucros cessantes presumidos, delimitados esses como os aluguéis que a parte agravada deixou de receber pela coisa, ou não. Para explicar a situação indenizatória quando há resolução de contrato por não cumprimento da avença, a maioria da doutrina tradicional trabalha com a distinção entre interesse contratual positivo e interesse contratual negativo, o mesmo acontecendo na jurisprudência. Assim, se o credor optar por pleitear o cumprimento da obrigação terá direito também ao ressarcimento de todos os prejuízos sofridos (danos emergentes e lucros cessantes), ou seja, será colocado na mesma situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido voluntariamente e no modo/tempo/lugar devido (chamado interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento). Por outro lado, se o credor optar pela resolução do contrato, só poderá pedir de forma cumulada a indenização relacionada aos danos que sofreu pela alteração da sua posição contratual. Será, portanto, ressarcido na importância necessária para colocá-lo na mesma situação em que estaria se o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo). O que não cabe é a cumulação das indenizações que seriam resultantes da pretensão de cumprimento do contrato, com as que decorreriam da pretensão de resolução do mesmo pacto. Dessa forma, na hipótese de se requer a resolução do compromisso de compra e venda, deve-se atender ao interesse contratual negativo da parte contratante, visando-se a colocar a parte compradora frustrada na mesma situação em que estaria se o contrato não tivesse sido realizado. Nesse sentido, mesmo sendo possível cumular o pedido de perdas e danos, que abarcariam tanto os danos emergentes como os lucros cessantes, estes últimos não poderiam ser considerados presumidos e muito menos decorrentes de aluguéis da própria coisa nas hipóteses em que há pedido de resolução. Ademais, a devolução integral de todos os valores despendidos, devidamente corrigidos, com juros de mora de 1% (um por cento) a contar da citação, com a imputação da devolução da corretagem à construtora, nas mesmas condições (correção e juros), se acrescida de lucros cessantes torna desproporcional os termos da resolução do contrato, criando desequilíbrio na solução do inadimplemento absoluto, no mais das vezes, servindo de incentivo à rescisão e, consequentemente à multiplicação dos conflitos, visto que o desfazimento do negócio passa a ser mais vantajoso economicamente para o comprador do que a manutenção do contrato, dado que o resultado tenderá a ser correspondente a uma diferenciada aplicação financeira. Assim, a partir do momento em que o adquirente opta pela rescisão do contrato, em razão do atraso na entrega da obra, com restituição integral dos valores despendidos com o imóvel e retorno das partes ao status quo ante, tem-se que os prejuízos materiais decorrentes passam a ser sanados pela devolução de toda a quantia com os encargos legais, o que torna indevida a indenização por alugueis desse mesmo imóvel, afastando-se a presunção de prejuízo. (AgInt no REsp 1.881.482-SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 6/2/2024)
DIREITO CIVIL - Ação de Cobrança. Cumprimento de Sentença. Dívida decorrente de contrato de prestação de serviços de reforma residencial. Bem de família. Penhora. Possibilidade. Art. 3º, II, da Lei 8.009/1990. É possível a penhora do bem de família para assegurar o pagamento de dívida contraída para reforma deste imóvel. Cinge-se a controvérsia em definir se a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990 se aplica à dívida contraída para reforma do imóvel. As regras que estabelecem hipóteses de impenhorabilidade não são absolutas. O próprio art. 3º da Lei n. 8.009/1990 prevê uma série de exceções à impenhorabilidade, entre as quais está a hipótese em que a ação é movida para cobrança de crédito decorrente de financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato (inciso II). Da exegese do comando do art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990, fica evidente que a finalidade da norma foi coibir que o devedor se escude na impenhorabilidade do bem de família para obstar a cobrança de dívida contraída para aquisição, construção ou reforma do próprio imóvel, ou seja, de débito derivado de negócio jurídico envolvendo o próprio bem. É nítida a preocupação do legislador no sentido de impedir a deturpação do benefício legal, vindo a ser utilizado como artifício para viabilizar a aquisição, melhoramento, uso, gozo e/ou disposição do bem de família sem nenhuma contrapartida, à custa de terceiros. No particular, o débito objeto de cumprimento de sentença foi contraído pela recorrente junto às recorridas com a finalidade de implementação de reforma no imóvel residencial, razão pela qual incide o disposto no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990. Portanto, a dívida relativa a serviços de reforma residencial se enquadra na referida exceção. (REsp 2.082.860-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024)
DIREITO CIVIL - Ação de busca e apreensão. Alienação fiduciária. Decreto-Lei n. 911/1969. Registro da garantia no certificado de registro de veículo. Desnecessidade. Eficácia entre as partes. Veículo registrado em nome de terceiro. Necessidade de prova da tradição do bem ao devedor fiduciante. Requisito de eficácia da garantia entre as partes. A anotação da alienação fiduciária no certificado de registro do veículo não constitui requisito para a propositura da ação de busca e apreensão, uma vez que o registro é condição de eficácia da garantia perante terceiros e não entre os contratantes. A controvérsia consiste em definir se o registro da alienação fiduciária no órgão de trânsito é requisito para o ajuizamento da ação de busca e apreensão e se o fato de o veículo estar registrado em nome de terceiro constitui óbice ao prosseguimento da demanda. A ação de busca e apreensão é uma ação autônoma de conhecimento (art. 3º, §8º, do Decreto-Lei n. 911/1969) que tem por finalidade a retomada do bem pelo credor fiduciário. A petição inicial deve indicar o valor da integralidade da dívida pendente (art. 3º, §2º, do Decreto-Lei n. 911/1969) e devem ser observados os requisitos estabelecidos nos arts. 319 e 320 do CPC. São documentos indispensáveis ao ajuizamento da ação de busca e apreensão a comprovação da mora do devedor fiduciante (Súmula n. 72/STJ) e o contrato escrito celebrado entre as partes. Além disso, se o bem objeto da alienação fiduciária estiver registrado em nome de terceiro, a petição inicial deverá ser instruída com prova de que a posse do bem foi transferida ao devedor. Isso porque, a alienação fiduciária somente tem eficácia entre as partes contratantes (comprador e financiador) a partir do momento em que o devedor se torna proprietário do bem, o que ocorre com a tradição (arts. 1.267 e 1.361, § 3º, do CC). A anotação da alienação fiduciária no certificado de registro do veículo não constitui requisito para a propositura da ação de busca e apreensão, uma vez que o registro é condição de eficácia da garantia perante terceiros e não entre os contratantes. No particular, as partes celebraram contrato de financiamento de veículo com pacto acessório de alienação fiduciária, o qual não foi registrado no órgão de trânsito competente, o que, todavia, não é exigido para ação de busca e apreensão. Mas, sendo o proprietário registral terceiro estranho à lide, cabe à recorrente (credora fiduciária) comprovar a tradição do veículo ao recorrido (devedor fiduciante). (REsp 2.095.740-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024, DJe 9/2/2024)
DIREITO PROCESSUAL PENAL - Homicídio. Pronúncia. Indícios de autoria. Testemunhas indiretas. Elementos colhidos no inquérito policial. Insuficiência. É inidônea a pronúncia fundamentada exclusivamente em testemunhos indiretos e elementos colhidos no inquérito sem confirmação na fase judicial. A pronúncia é um juízo de admissibilidade da acusação que não exige prova inequívoca da materialidade e da autoria delitivas. Todavia, por implicar na submissão do acusado ao julgamento popular, a decisão de pronúncia deve satisfazer um standard probatório minimamente razoável. Por esse razão, ambas as turmas desta Corte Superior em matéria criminal têm rechaçado a pronúncia baseada exclusivamente em testemunhos indiretos e elementos probatórios colhidos no inquérito sem confirmação na fase judicial. No caso, as instâncias ordinárias apresentaram como indícios de autoria delitiva para a pronúncia os testemunhos indiretos dos policiais, que não presenciaram diretamente os fatos criminosos, e as declarações prestadas por uma testemunha na fase do inquérito, que não foram confirmadas no curso da instrução criminal. Com efeito, "o depoimento indireto prestado pelos policiais não pode ser considerado hábil a confirmar os elementos inquisitoriais, mormente quando desmentidos pela testemunha sob o contraditório judicial" (AgRg no HC 798.996/RS, relator Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 30/8/2023). Assim, por estarem os indícios de autoria limitados exclusivamente a testemunhos indiretos e elementos do inquérito policial não confirmados em juízo, é devida a impronuncia do acusado, nos termos do art. 414, caput, do Código de Processo Penal. (AgRg no REsp 2.017.497-RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 16/10/2023, DJe 19/10/2023)
DIREITO PENAL - Crime de tortura-castigo. Art. 1°, II, da Lei n. 9.455/1997. Incidência da agravante genérica do art. 61, II, e (contra descendente), do Código Penal. Bin in idem. Não ocorrência. A incidência da circunstância agravante do art. 61, inciso II, e, do Código Penal no crime de tortura, previsto no art. 1°, inciso II, da Lei n. 9.455/1997, não configura bis in idem. O elemento fundamental do delito de tortura, delineado no art. 1°, inciso II (tortura-castigo), da Lei n. 9.455/1997, não deve ser confundido com a agravante genérica do art. 61, inciso II, e (contra descendente), do Código Penal. O dispositivo legal em questão diz que constitui crime de tortura "submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo." Nota-se que o tipo penal descrito no art. 1°, II, da Lei n. 9.455/1997 caracteriza-se como um crime específico, uma vez que requer uma condição especial do agente, ou seja, é um delito que somente pode ser perpetrado por uma pessoa que tenha a vítima sob sua guarda, poder ou autoridade. Já a agravante prevista no art. 61, II, alínea e, do Código Penal diz respeito à prática do crime contra um descendente, independentemente de estar ou não sob a guarda, poder ou autoridade do autor do delito. Essa circunstância objetiva não constitui um elemento essencial do tipo penal que resultou na condenação do acusado. A finalidade dessa agravante é majorar a pena daqueles que violam o dever legal e moral de apoio mútuo entre parentes. No caso, observa-se uma maior censurabilidade na conduta do réu, uma vez que ele perpetrara o crime de tortura contra sua própria filha adolescente, o que contraria sua função de garantidor, que impõe o dever de zelar pelo bem-estar e proteção da menor. Portanto, a agravante descrita no art. 61, II, alínea e, do Código Penal, prevê a prática do crime contra descendente, que pode ou não estar sob aguarda, poder ou autoridade do autor do delito de tortura castigo previsto no art. 1°, II, da Lei n. 9.455/1997, não se confundido com elementar do tipo, bem como não caracterizando bis in idem. (Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 12/12/2023)
DIREITO CIVIL - Ação de extinção de condomínio. Pretensão de ressarcimento das despesas efetuadas em imóvel comum. Prescrição trienal (art. 206, do CC/2002). Não incidência. Obrigação de ordem pessoal. Existência de causa jurídica certa. Aplicação do prazo prescricional decenal (art. 205 do CC/2002) ou vintenário (art. 177 do CC/1916). O prazo prescricional aplicável à pretensão de reembolso de despesas efetuadas por condômino com a manutenção da coisa em estado de indivisão é decenal pelo Código Civil de 2002 (art. 205) e vintenário pelo Código Civil de 1916 (art. 177). A controvérsia atinente ao prazo prescricional aplicável à pretensão de reembolso de despesas efetuadas por coproprietário (condômino) com a manutenção da coisa em estado de indivisão. No Direito Civil pátrio, há quatro tipos de condomínios: voluntário, necessário, edilício e de lote, e a multipropriedade. O condomínio necessário tem previsão no art. 1.327 do Código Civil, e está diretamente relacionado ao direito de vizinhança, por dizer respeito a bens que separam propriedades e são de uso comum, como paredes, cercas, muros. O condomínio edilício e de lote, regulamentado pelo Código Civil e pela Lei nº 4.591/64, conceitua-se como edificação que possui partes de propriedade exclusiva/particular - que só pode ser usufruída pelo proprietário - e partes de propriedade comum. A instituição do condomínio edilício e de lotes se dá por documento registrado no Cartório de Registro de Imóveis, no qual deve constar a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva; a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns; e o fim a que as unidades se destinam. A multipropriedade é um regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada, podendo ser instituída por ato entre vivos ou testamento, registrado no competente cartório de registro de imóveis, devendo constar daquele ato a duração dos períodos correspondentes a cada fração de tempo. O caso concreto se amolda ao condomínio voluntário, que tem previsão no art. 1.314 e seguintes do Código Civil e se constitui quando duas ou mais pessoas são proprietárias do mesmo imóvel de forma espontânea. Nessa modalidade, cada consorte é proprietário de uma fração ideal do todo, pois os condôminos são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes. Todos os condôminos possuem os mesmos poderes de usar, gozar, dispor e reaver, independentemente da fração ideal de cada um, bem como, os mesmos deveres, de manter a integridade do bem, pagar os impostos e taxas que sobre ele recaem, entre outros aspectos. Aqui, não há como cogitar em enriquecimento sem causa ou em responsabilidade extracontratual, vez que as obrigações e direitos inerentes ao condomínio estabelecido entre os detentores de uma fração ideal, ainda que não especificada, são de ordem pessoal. Para que se possa aventar a ocorrência de prescrição de pretensão fundada em enriquecimento sem causa, é imprescindível verificar o enriquecimento de alguém, o empobrecimento correspondente de outrem, a existência de relação de causalidade entre ambos, a ausência de causa jurídica e a inexistência de ação específica. A pretensão do condômino de reembolso de despesas efetuadas com a manutenção da coisa comum tem causa jurídica certa, vez que decorre da relação contratual (ainda que verbal ou presumida) existente entre os coproprietários daquele bem em estado de indivisão. A causa jurídica é oriunda da própria relação que os condôminos tem entre si e da sua obrigação para com a coisa. Nesse sentido, há causa jurídica, por força da expressa dicção do art. 1.315 do Código Civil, o qual estabelece que o "condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita", somente podendo o condômino eximir-se do pagamento das despesas e dívidas se renunciar à sua parte ideal, conforme dispõe o artigo 1.316 do mesmo diploma. Assim, tendo em vista que, no caso, a pretensão do reconvinte é de reembolso de valores com os quais arcou - sozinho - para a manutenção e conservação da coisa comum, é imprescindível a aplicação, na hipótese, do prazo geral estabelecido no ordenamento civil: (20 anos) pelo Código Civil de 1916 (art. 177) e 10 anos pelo Código Civil de 2002 (artigo 205), porquanto ausentes os requisitos para autorizar o enquadramento do caso em hipóteses legais específicas para as quais o legislador ordinário foi expresso ao estabelecer interregnos pontuais menores para o exercício da pretensão fundada em enriquecimento sem causa, ato ilícito ou responsabilidade extracontratual. (REsp 2.004.822-RS, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Rel. para acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 29/11/2023)
DIREITO PENAL - Crime de roubo simples. Emprego de simulacro de arma de fogo. Grave ameaça configurada. Substituição da pena privativa por restritiva de direitos. Impossibilidade. Vedação legal. Art. 44, I, do Código Penal. (Tema 1171). A utilização de simulacro de arma configura a elementar grave ameaça do tipo penal do roubo, subsumindo à hipótese legal que veda a substituição da pena. (REsp 1.994.182-RJ, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por maioria, julgado em 13/12/2023 (Tema 1171))
DIREITO ADMINISTRATIVO - Precatório. Verbas elencadas no art. 100, § 1º, da CF. Rol exemplificativo. Natureza alimentar. Definição. Subsistência do credor e de sua família. Vinculação. O art. 100, § 1º, da Constituição Federal traz um rol exemplificativo, de sorte que a definição da natureza alimentar das verbas nele elencadas encontra-se vinculada à destinação precípua de subsistência do credor e de sua família. De início, não se olvida que o art. 100, § 1º, da Constituição Federal não encerra um rol taxativo das verbas consideradas de natureza alimentar, mas, antes, tão somente exemplificativo. Sobre o tema, a Terceira Turma entendeu no julgamento do REsp n. 1.815.055/SP que a definição da natureza alimentar de determinada verba encontra-se vinculada à destinação precípua de subsistência do credor e de sua família. Nessa linha de ideias, a definição da natureza jurídica de determinada verba deverá ser buscada, tal como assentado pelo STF no julgamento RE n. 470.407/DF, a partir da possibilidade de sua subsunção a uma das categorias elencadas no art. 100, § 1º, da Constituição Federal. No caso, a hipótese não versa a respeito de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações ou benefícios previdenciários. O precatório em tela refere-se a crédito oriundo de indenização devida pelo Estado da Bahia, em virtude da demora na concessão da aposentadoria do impetrante. Nesse sentido, o § 1º do art. 100 da Constituição da República não faz remissão a qualquer tipo de indenização fundada em responsabilidade civil, mas especificamente às indenizações por morte ou invalidez, o que, a toda evidência, não é o caso dos autos. Assim, a indenização devida pelo Estado da Bahia não tem por escopo assegurar a subsistência do recorrente ou de sua família - como é o caso de seus proventos de aposentadoria -, mas única e exclusivamente reparar prejuízos a ele causados em decorrência de ato ilícito praticado pela Administração, situação que também evidencia a natureza comum do crédito em análise. (RMS 72.481-BA, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 5/12/2023)
DIREITO CIVIL, DIREITOS HUMANOS, DIREITO DA SAÚDE - Plano de saúde. Mulher transexual. Procedimentos cirúrgicos prescritos pelo médico assistente no processo transexualizador. Reconhecimento pelo CFM e incorporação ao SUS. Procedimentos listados no rol da ANS sem diretrizes de utilização. Cobertura obrigatória. É obrigatória a cobertura, pela operadora do plano de saúde, de cirurgias de transgenitalização e de plástica mamária com implantação de próteses em mulher transexual. Os procedimentos de afirmação de gênero do masculino para o feminino são reconhecidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e foram também incorporados ao SUS, com indicação para o processo transexualizador, constando, inclusive, na tabela de procedimentos, medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais do SUS, vinculados ao CID 10 F640 - transexualismo (atual CID 11 HA60 - incongruência de gênero), não se tratando, pois, de procedimentos experimentais. Os procedimentos que integram a redesignação sexual no sexo masculino e a plástica mamária incluindo prótese, descritos na Portaria 2.803/2013 do Ministério da Saúde, constam do anexo I do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS (Resolução ANS 465/2021), sem diretrizes de utilização, a saber: orquiectomia, amputação total do pênis, neovagina, reconstrução da mama com prótese, dentre outros. No processo transexualizador, a cirurgia plástica mamária reconstrutiva bilateral incluindo prótese mamária de silicone é procedimento que, muito antes de melhorar a aparência, visa à afirmação do próprio gênero, incluída no conceito de saúde integral do ser humano, enquanto medida de prevenção ao adoecimento decorrente do sofrimento causado pela incongruência de gênero, pelo preconceito e pelo estigma social vivido por quem experiencia a inadequação de um corpo masculino à sua identidade feminina. Tratando-se de procedimentos cirúrgicos prescritos pelo médico assistente, que não se enquadram nas exceções do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, que são reconhecidos pelo CFM e foram incorporados ao SUS para a mesma indicação clínica (CID 10 F640 - transexualismo, atual CID 11 HA60 - incongruência de gênero), e que estão listados no rol da ANS sem diretrizes de utilização, encontram-se satisfeitos os pressupostos que impõem à operadora do plano de saúde a obrigação de sua cobertura, conforme preconizado no projeto terapêutico singular norteado por protocolos e diretrizes vigentes para o processo transexualizador. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o descumprimento contratual por parte da operadora de saúde, que culmina em negativa de cobertura para procedimento médico-hospitalar, enseja compensação por dano moral quando houver agravamento da condição de dor, abalo psicológico ou prejuízos à saúde já debilitada da paciente. (REsp 2.097.812-MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/11/2023, DJe 23/11/2023)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - O exequente responde objetivamente pela reparação de eventuais prejuízos causados ao executado, tendo em vista o risco da execução. Cinge-se a controvérsia à análise atinente ao cumprimento dos requisitos previstos no art. 776 do CPC para viabilizar a responsabilização do exequente pelos danos provocados ao executado na hipótese de extinção da execução. O exequente é responsável pelos prejuízos que acarretar ao executado, quando buscar em juízo a satisfação de dívida inexistente ou inexequível, seja pela via executiva, seja pela via do cumprimento de sentença. Essa expressa responsabilização do exequente encontra-se prevista no sistema processual vigente, cujas normas dos arts. 520, I, e 776 do CPC apenas reproduzem as normas extraídas dos arts. 475-O e 574 do CPC/1973, não se tratando, pois, de inovação legislativa. A leitura do texto legal evidencia a irrelevância do elemento subjetivo do exequente para fins de atribuição de sua responsabilidade, razão por que pode-se afirmar, em regra, a adoção da modalidade objetiva para responsabilização do exequente. Esse entendimento no sentido da responsabilidade objetiva do exequente vem sendo acolhido pacificamente por esta Corte Superior quando se está diante de cumprimento provisório de sentença, bem como nas hipóteses de execução de título extrajudicial. Também no que tange à responsabilização do exequente em hipóteses de cumprimento definitivo da sentença, tem-se admitido doutrinariamente a dispensa de perquirição de culpa. A questão da extinção da execução encontra-se superada, em virtude da imutabilidade da decisão que efetivamente extinguiu o cumprimento de sentença arbitral. É fato consumado - albergado pela coisa julgada - a extinção do cumprimento da sentença arbitral, que se deu sob o fundamento de ausência dos requisitos de exequibilidade do título (certeza, liquidez e exigibilidade). Nesse cenário, deve prevalecer a imputação da responsabilidade civil objetiva do exequente, que deverá suportar o ônus da extinção definitiva da execução, compreendendo a reparação dos prejuízos concretos experimentados pela parte executada, ora recorrida, nos termos do art. 776 do CPC. Outrossim, no caso, a contratação de carta de fiança foi necessária para segurança de juízo, a fim de ensejar o contraditório e resguardar o executado da excussão patrimonial, que lhe seria ainda mais gravosa, com a inevitável penhora de valor de grande monta - valor executado de R$ 34.200.000,00 (trinta e quatro milhões e duzentos mil reais). Os custos comprovados dessa contratação, portanto, enquadram-se no conceito jurídico de prejuízo, sendo passível de ressarcimento, em hipóteses de extinção da demanda executiva. (REsp 1.931.620-SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 5/12/2023)
DIREITO PENAL - Homicídio. Prescrição da pretensão punitiva. Causa interruptiva. Decisão confirmatória da pronúncia. Art. 117, III, do CP. Decisão proferida pelo STJ em sede de agravo em recurso especial. Interrupção da prescrição. Não ocorrência. As decisões proferidas pelo Superior Tribunal Justiça, em recurso interposto contra o acórdão confirmatório da pronúncia, não se inserem no conceito do art. 117, inciso III, do Código Penal como causa interruptiva da prescrição. (HC 826.977-SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Rel. para acórdão Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por maioria, julgado em 5/12/2023.)
DIREITO PENAL - Efeito da condenação. Decretação da perda do cargo. Art. 92, I, do Código Penal. Incompatibilidade entre o efeito da perda do cargo e a substituição da pena por restritivas de direitos. Inexistência. Não há incompatibilidade entre o efeito de perda do cargo previsto no art. 92, I, do Código Penal e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. (AgRg no REsp 2.060.059-MG, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 30/11/2023, DJe 6/12/2023)
APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO DE VULNERÁVEL - RECURSO DEFENSIVO - CONHECIMENTO PARCIAL - AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL QUANTO AOS PEDIDOS RELACIONADOS À PENA - MÉRITO - ABSOLVIÇÃO - NECESSIDADE - CRIME COMETIDO ANTES DA VIGÊNCIA DO § 5º, ART. 217, A, DO CÓDIGO PENAL - ATO PRATICADO DE FORMA CONSENSUAL - CONDUTA ATÍPICA - PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA - EXISTÊNCIA DE RELACIONAMENTO ENTRE AS PARTES - CONDENAÇÃO MAIS PREJUDICIAL QUE A CONDUTA EM SI
- Quando parte dos pedidos defensivos já foram acolhidos na sentença, conhece-se em parte do recurso, por ausência de interesse recursal.
- A alteração legislativa promovida pela Lei nº 13.718/18, que incluiu o § 5º ao art. 217, a, do Código Penal ocorreu em data posterior aos fatos, sendo necessário, portanto, analisar as peculiaridades do caso concreto.
- No caso não se configura o crime de estupro, pois, além de restar evidenciado que o ato sexual havido entre vítima e réu se deu de forma consentida, os agentes iniciaram relacionamento amoroso consentido e aprovado pelos pais da menor, cuja relação gerou o nascimento de uma filha, com paternidade reconhecida.
- Se a própria vítima não se sentiu violada em sua dignidade sexual, de forma a, inclusive, iniciar um relacionamento com o réu, não pode ser o direito penal o ramo a ser acionado para a tutela de um bem jurídico que, a toda evidência, não se viu ultrajado.
- A imposição da condenação criminal, além de ocasionar as graves consequências para a vida do cidadão condenado, trará implicações para a vida da vítima e da própria filha da relação que havia entre aquela e o réu, desestruturando a família. (Apelação Criminal nº 1.0549.16.000218-0/001 - Comarca de Rio Casca - 1º Apelante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - 2º Apelante: E.A.S. - Apelado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais, E.A.S. - Presidente e Relator: Des. Marcílio Eustáquio Santos)
REMESSA NECESSÁRIA - APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO TRIBUTÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA - REJEITADA - VGBL - ÓBITO DO CONTRATANTE - TRANSMISSÃO DO BENEFÍCIO - IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO (ITCMD) - NÃO INCIDÊNCIA - NATUREZA JURÍDICA - SEGURO DE VIDA - PRECEDENTES DO STJ - SENTENÇA MANTIDA.
- O VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) constitui plano de previdência privada e possui natureza jurídica de seguro de vida que, por ocasião do óbito do contratante, será transmitido para a pessoa expressamente indicada no instrumento contratual como beneficiária.
- A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afasta a caracterização do VGBL como herança ou como plano de previdência complementar, tornando incabível a incidência do ITCD.
- Sentença mantida em reexame necessário. Prejudicado o recurso voluntário. (Apelação Cível n° 1.0000.23.101352-5/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelante: Estado de Minas Gerais - Apelados: Ana Luíza Gomes da Mata, Luiz Sávio Gomes da Mata, Maria Cristina de Vasconcellos Gomes, Simão Pedro de Vasconcellos Gomes. Relator: Des. Fábio Torres de Sousa)
INDENIZAÇÃO PELOS DANOS ARBITRADA NA SENTENÇA - DECOTE - IMPOSSIBILIDADE.
- Revisitando o entendimento outrora sufragado quanto à necessidade de pedido expresso na denúncia e instrução específica acerca do quantum mínimo a ser arbitrado a título de indenização pelos danos causados pela infração penal, deve-se firmar nova orientação tal como preconizam, agora uniformemente, as Turmas de Direito Penal do colendo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de se exigir apenas e tão somente o pedido expresso na denúncia ou queixa (AgRg no REsp nº 2.037.975/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, j. em 11.09.2023, DJe de 14.09.2023; AgRg no REsp nº 2.029.732/MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª Turma, j. em 22.08.2023, DJe de 25.08.2023). V.v. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. RECURSO MINISTERIAL. PEDIDO DE MAJORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AFASTAMENTO EX OFFICIO DO DEVER DE INDENIZAR. RECURSO PREJUDICADO. O Col. STJ firmou o entendimento no sentido de que ``a reparação de danos, além de pedido expresso, pressupõe a indicação de valor e de prova suficiente a sustentá-lo, possibilitando ao réu o direito de defesa com indicação de quantum diverso ou mesmo a comprovação de inexistência de prejuízo material ou moral a ser reparado. É necessário, portanto, instrução específica para apurar o valor da indenização'' (AgRg no AREsp nº 1361693/GO, 5ª Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 23.04.2019). (Apelação Criminal nº 1.0000.23.274187-6/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelante: M.P.-.M. - Apelado: I.A.O. - Vítima: P.L.V. - Relator: Des. Anacleto Rodrigues; Revisor e relator para o acórdão Des. Maurício Pinto Ferreira)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT - ACIDENTE DE TRÂNSITO OCORRIDO DURANTE FUGA DE AUTORIDADE POLICIAL - AÇÃO DOLOSA DO AUTOR - IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI Nº 6.194/74 - INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA INDEVIDA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA
- Em que pese a Lei nº 6.194/74 exigir simples prova do acidente e do dano decorrente, a ação dolosa da vítima de acidente de trânsito ocorrido durante a prática de ilícito penal, impede o amparo da norma que rege o seguro obrigatório DPVAT, ainda que sua finalidade seja de cunho social. (Apelação Cível nº 1.0000.23.225779-0/001 - Comarca de Iturama - Apelante: Geovane Souza igueredo - Apelado: Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT S.A. - Relatora: Des.ª aria uíza Santana Assunção)
APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DO CONSUMIDOR E DIREITO CIVIL - CONTA EM REDE SOCIAL - INSTAGRAM - APROPRIAÇÃO POR TERCEIROS (HACKER) DE PERFIL DE USUÁRIO EM REDE SOCIAL - FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - INEXISTÊNCIA DE CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR - RESTABELECIMENTO DA CONTA - DANOS MORAIS - QUANTUM - PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE - DANO MORAL - MAJORAÇÃO - ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA - PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE
- Cabe ao provedor diligenciar quanto às medidas de segurança para impedir ou minimizar os efeitos de invasão de conta.
- Há que ser mantida a condenação do provedor que não bloqueia o acesso de terceiros, nem tampouco devolve o controle da conta ao usuário em tempo que impeça danos a este e a terceiros.
- A reparação por danos morais, ao mesmo tempo em que não deve permitir o enriquecimento injustificado do lesado, não pode ser fixada em valor insignificante, pois deve servir de reprimenda para evitar a repetição da conduta abusiva.
- Em razão do princípio da causalidade, nada sendo providenciado pelo requerido quando o autor, através da política constante do respectivo aplicativo, informou tratar-se de ação de hacker, o que tornou necessário o ajuizamento desta ação, deverá a parte requerida arcar com o pagamento das verbas sucumbenciais. (Apelação Cível nº 1.0000.22.256434-6/002 - Comarca de Três Pontas - Apelantes: Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., Caroline Andrade Martins - Apelados: Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., Caroline Andrade Martins. Relator: Des. Valdez Leite Machado)
CLIPPING JURÍDICO #15 (4/12 A 11/12/2023
JURISPRUDÊNCIA
DIREITO PROCESSUAL PENAL – AÇÃO PENAL; PROVAS; PROVA LÍCITA - Abertura de encomendas, sem autorização de juiz, diante de fortes suspeitas da prática de crime - RE 1.116.949 ED/PR (Tema 1.041 RG)
Tese fixada: “(1) Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo, salvo se ocorrida em estabelecimento penitenciário, quando houver fundados indícios da prática de atividades ilícitas; (2) Em relação a abertura de encomenda postada nos Correios, a prova obtida somente será lícita quando houver fundados indícios da prática de atividade ilícita, formalizando-se as providências adotadas para fins de controle administrativo ou judicial.” É válida a abertura de encomenda postada nos Correios por funcionários da empresa, desde que haja indícios fundamentados da prática de atividade ilícita. Nesse caso, é necessário formalizar as providências adotadas para permitir o posterior controle administrativo ou judicial. Nos presídios, também é válida a abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo quando houver indícios fundamentados da prática de atividades ilícitas. O tratamento legal (Lei 6.538/1978) e jurisprudencial não é idêntico em relação a cartas e encomendas. Exatamente por isso, há todo um sistema de fiscalização nos Correios. Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, conheceu dos embargos de declaração e deu-lhes parcial provimento para, acolhendo a sugestão de redação formulada pelo Ministro Alexandre de Moraes, explicitar a tese do Tema 1.041 da repercussão geral. Precedente citado: ADPF 46. (RE 1.116.949 ED/PR, relator Ministro Edson Fachin, julgamento finalizado em 30.11.2023)
DIREITO DO CONSUMIDOR – CONTRATOS DE CONSUMO; TRANSPORTE AÉREO; RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR; INDENIZAÇÃO Contrato de transporte aéreo internacional de passageiros: danos morais - ARE 766.618 ED/SP (Tema 210 RG)
Tese fixada: “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. O presente entendimento não se aplica às hipóteses de danos extrapatrimoniais.”
Nas hipóteses de danos morais decorrentes de contrato de transporte aéreo internacional de passageiros, o Código de Defesa do Consumidor prevalece sobre as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas (Convenções de Varsóvia e Montreal). Posteriormente à decisão de mérito do STF no presente caso, esta Corte consolidou orientação no sentido de que não se aplicam as convenções de Varsóvia e Montreal às hipóteses de danos extrapatrimoniais decorrentes de contrato de transporte aéreo internacional. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, deu parcial provimento aos embargos de declaração, com efeitos infringentes, e negou provimento ao recurso extraordinário, reconhecendo a inaplicabilidade do prazo prescricional das Convenções de Varsóvia e Montreal ao caso em julgamento, em que só houve condenação por danos morais. Em seguida, a tese do Tema 210 da repercussão geral foi reajustada para abranger o novo entendimento do Tribunal. Precedente citado: RE 1.394.401 RG (Tema 1.240 RG) (ARE 766.618 ED/SP, relator Ministro Luís Roberto Barroso, julgamento finalizado em 30.11.2023)
DIREITO CIVIL, DIREITO DA SAÚDE - Cobertura integral de tratamento psiquiátrico incluindo internação. Inércia da operadora em indicar o profissional assistente. Tratamento realizado fora da rede credenciada às custas do usuário. Coparticipação indevida. Reembolso integral. Configurada a omissão da operadora na indicação de prestador de serviço de saúde da
rede credenciada, o beneficiário faz jus ao reembolso integral das despesas assumidas com o tratamento de saúde. A controvérsia consiste em definir se o beneficiário faz jus ao reembolso integral das despesas com internação fora da rede credenciada ante a omissão da operadora na indicação do prestador. Embora reconhecida a validade da cláusula de coparticipação, esta só se aplica quando o atendimento é realizado por prestador de serviço de saúde da rede credenciada; quando o atendimento é realizado fora da rede credenciada discute-se o direito ao reembolso das despesas assumidas pelo próprio usuário. No julgamento do EAREsp 1.459.849/ES, a Segunda Seção, ao interpretar o art. 12, VI, da Lei n. 9.656/1998, concluiu que "a lei de regência impõe às operadoras de plano de saúde a responsabilidade pelos custos de despesas médicas realizadas em situação de emergência ou de urgência, sempre que inviabilizada pelas circunstâncias a utilização da rede própria ou contratada, limitada, no mínimo, aos preços praticados pelo respectivo produto à data do evento". Na ocasião, o voto condutor do acórdão descreveu que "o autor teria realizado o tratamento com médico e hospital não credenciados pela operadora do plano de saúde, não tendo sido comprovada nenhuma situação de urgência ou emergência, assim como não foi demonstrada a indisponibilidade do tratamento ou falta de capacitação do corpo médico credenciado". Hipótese diversa ocorre no caso em que o beneficiário, diante do quadro grave, aliado à ausência concreta de demonstração de vaga em clínica apta ao tratamento proposto, procura de atendimento fora da rede credenciada. Trata-se de situação excepcional que autoriza o custeio integral por parte da operadora.
Importante ressaltar que a Resolução Normativa n. 566/2022 da ANS impõe a garantia de atendimento na hipótese de indisponibilidade ou inexistência de prestador no município pertencente à área geográfica de abrangência e à área de atuação do produto, e estabelece, para a operadora, a obrigação de reembolso. A partir da interpretação dada pela Segunda Seção desta Corte ao art. 12, VI, da Lei n. 9.656/1998 e das normas editadas pela ANS, somando-se à omissão da operadora na indicação de prestador da rede credenciada, apto a realizar o atendimento do beneficiário, faz este jus ao reembolso integral das despesas assumidas com o tratamento de saúde que lhe foi prescrito pelo médico assistente, sob pena, inclusive, de a operadora incorrer em infração de natureza assistencial. Uma vez disponibilizado o atendimento pela rede credenciada, sem prejuízo do tratamento em curso, cessa o dever de reembolso integral da operadora, passando o usuário a arcar com a coparticipação, na eventualidade de uma nova internação psiquiátrica, a partir do 31º dia, conforme disposto no contrato celebrado entre as partes. (Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 7/11/2023, DJe 14/11/2023)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Ação de indenização. Honorários advocatícios contratuais. Restituição a título de danos materiais. Impossibilidade. Os custos decorrentes da contratação de advogado para o ajuizamento de ação, por si só, não são indenizáveis, sob pena de atribuir ilicitude a qualquer pretensão questionada judicialmente. Na origem, trata-se de Ação de Indenização ajuizada em desfavor de prefeitura municipal, com o objetivo de obter o ressarcimento dos danos materiais advindos da contratação de advogados, técnicos e juristas renomados, para a defesa de seus interesses em processo em que fora autuado pela demolição de imóvel, em que se desenvolvia empreendimento imobiliário. Sustenta a parte agravada, nas razões de seu Recurso Especial, que houve ofensa aos arts. 82 e 95 do CPC, argumentando que "as partes devem arcar com as despesas dos atos que realizarem, na forma do artigo 82", bem como que "a contratação de renomado advogado particular para a defesa em processo administrativo que sequer demandava a realização de defesa técnica, diga-se, é uma comodidade que a parte interessada deverá custear, à semelhança do disposto no artigo 95 do Código de Processo Civil". No entanto, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que "a contratação de advogados para defesa judicial de interesses da parte não enseja, por si só, dano material passível de indenização, porque inerente ao exercício regular dos direitos constitucionais de contraditório, ampla defesa e acesso à Justiça" (STJ, AgRg no AREsp 516.277/SP, Quarta Turma, Rel. Ministro Marco Buzzi, DJe de 4/9/2014). (AgInt no AREsp 2.135.717-SP, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 30/10/2023, DJe 6/11/2023)
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Concessionária de serviço público. Ausência de interesse público primário. Ilegitimidade ativa. Mera possibilidade abstrata de vencimento antecipado de financiamento. As pessoas jurídicas de direito privado têm legitimidade para formular pedido de suspensão de segurança quando prestadoras de serviço público ou no exercício de função delegada pelo Poder Público, desde que na defesa do interesse público primário, correspondente aos interesses da coletividade como um todo. A controvérsia consiste em analisar se a decisão cuja suspensão dos efeitos se pleiteia, por interferir na composição acionária da empresa, implica vencimento antecipado dos valores já liberados em contrato de financiamento firmado com a Caixa Econômica Federal, o que, de forma reflexa, comprometeria a continuidade dos serviços públicos de saneamento básico, além de causar grave lesão à ordem e à economia públicas. No caso, conquanto da companhia de abastecimento ser concessionária de serviço público, não restou efetivamente comprovado, de forma inequívoca, que a pretensão deduzida visa, efetivamente, à tutela do interesse público primário - assim entendido como a própria subsistência da prestação do serviço público, sujeito ao princípio da continuidade. Com efeito, a decisão cujos efeitos se pretende suspender foi proferida em demanda de natureza privada na qual a empresa de saneamento discute com a única acionista da Sociedade Anônima constituída com o fim específico de participar de certame relativo a serviço de abastecimento de água e esgoto do Município, cláusulas contratuais referentes à participação da empresa de saneamento na sociedade. Todavia, não se pode concluir que esse provimento poderá inviabilizar o financiamento do contrato de concessão, especialmente ocasionando vencimento antecipado de saldo devedor de contrato de financiamento ou cessação de repasses pelo financiador, a Caixa Econômica Federal. A concessionária, portanto, pretende obter a salvaguarda de possibilidade abstrata, que, se necessário, pode e deve ser debatida em ação própria, com figurantes divergentes dos que constam da ação de origem. Nesse sentido, a admissão de acontecimentos incertos e casuais genericamente afirmados como fundamento para a concessão de SLS implicaria o acolhimento de toda e qualquer justificativa trazida pelas partes como motivo para Suspensão de Liminar e de Sentença ou de Suspensão de Segurança. Desse modo, não se configura a legitimidade extraordinária da concessionária, porquanto o pedido não diz respeito direta e imediatamente ao serviço público concedido. (AgInt na SLS 3.204-SP, Rel. Ministra Presidente Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, por maioria, julgado em 23/11/2023)
CLIPPING JURÍDICO #14 (21/11 A 3/12/2023
LEGISLAÇÃO
Lei nº 14.735, de 23.11.2023 - Institui a Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis, dispõe sobre suas normas gerais de funcionamento e dá outras providências.
Medida Provisória nº 1.198, de 27.11.2023 - Institui poupança de incentivo à permanência e conclusão escolar para estudantes do ensino médio.
Decreto nº 11.785, de 20.11.2023 - Institui o Programa Federal de Ações Afirmativas.
Decreto nº 11.795, de 23.11.2023- Regulamenta a Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023, que dispõe sobre igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.
Decreto nº 11.793, de 23.11.2023 - Institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Novo Viver sem Limite.
JURISPRUDÊNCIA
DIREITO PROCESSUAL PENAL - Tráfico de drogas. Entorpecentes encontrados nas bagagens de passageiros do ônibus vistoriadas pela Polícia Rodoviária Federal, em fiscalização de rotina. Inspeção de segurança que não se confunde com busca pessoal (natureza processual penal). Fiscalização de natureza administrativa. Legítimo exercício do poder de polícia. Licitude das provas obtidas. A inspeção de segurança nas bagagens dos passageiros de ônibus, em fiscalização de rotina realizada pela Polícia Rodoviária Federal, tem natureza administrativa e prescinde de fundada suspeita. A Sexta Turma do STJ, partir do julgamento do RHC 158.580/BA, aprofundou a compreensão acerca do instituto da busca pessoal, analisando de forma exaustiva os requisitos do art. 244 do Código de Processo Penal. O caso em análise revela a necessidade de se atentar para a distinção existente entre a busca pessoal prevista na lei processual penal e outros procedimentos que não possuem a mesma natureza, os quais, a rigor, não exigem a presença de "fundada suspeita". A denominada "busca pessoal por razões de segurança" ou "inspeção de segurança", ocorre rotineiramente em aeroportos, rodoviárias, prédios públicos, eventos festivos, ou seja, locais em que há grande circulação de pessoas e, em consequência, necessidade de zelar pela integridade física dos usuários, bem como pela segurança dos serviços e instalações. Embora a inspeção de segurança também envolva restrição a direito fundamental e possa ser alvo de controle judicial a posteriori, a fim de averiguar a proporcionalidade da medida e a sua realização sem exposição vexatória, o principal ponto de distinção em relação à busca de natureza penal é a faculdade que o indivíduo tem de se sujeitar a ela ou não. Em outras palavras, há um aspecto de contratualidade, pois a recusa a se submeter à inspeção apenas irá obstar o acesso ao serviço ou transporte coletivo, funcionando como uma medida de segurança dissuasória da prática de ilícitos. A título exemplificativo, destaca-se que a inspeção de segurança em aeroportos decorre de cumprimento de diretriz internacional, prevista no Anexo 17 da Convenção da Organização Internacional de Aviação Civil (OACI), da qual o Brasil é signatário. O Decreto n. 11.195/2022 regulamenta a questão e prevê expressamente que a inspeção de passageiros e bagagens é de responsabilidade do operador de aeródromo, sob supervisão da Polícia Federal (art. 81). Ou seja, delega-se essa possibilidade ao agente privado, sendo a atuação policial também prevista, de forma subsidiária e complementar. Nesse contexto, se a busca ou inspeção de segurança - em espaços e transporte coletivos - pode ser realizada por agentes privados incumbidos da segurança, com mais razão pode - e deve - ser realizada por agentes públicos que estejam atuando no mesmo contexto, sem prejuízo do controle judicial a posteriori acerca da proporcionalidade da medida, em ambos os casos. O contexto que legitima a inspeção de segurança em espaços e meios de transporte de uso coletivo é absolutamente distinto daquele que ampara a realização da busca pessoal para fins penais, na qual há que se observar a necessária referibilidade
da medida (fundada suspeita de posse de objetos ilícitos), conforme já muito bem tratado no referido RHC 158.580/BA, da relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz. No caso, policiais rodoviários federais, em fiscalização na Rodovia Castelo Branco, abordaram ônibus que fazia o trajeto de Dourados-MS para São Paulo-SP. Os agentes públicos narraram que a seleção se deu a partir de análise comportamental (nervosimo visível e troca de olhares entre um adolescente viajando sozinho e outra passageira que afirmou não conhecer). Afirmaram ainda que informaram à acusada quanto ao direito de permanecer em silêncio e, em seguida, iniciaram a vistoria das bagagens, localizando cerca de 30kg de maconha, divididos em tabletes, tanto nos pertences da acusada, como nos do adolescente que viajava ao seu lado, embalados da mesma forma. Assim, forçoso concluir que a inspeção de segurança nas bagagens dos passageiros do ônibus, em fiscalização de rotina realizada pela Polícia Rodoviária Federal, teve natureza administrativa, ou seja, não se deu como busca pessoal de natureza processual penal e, portanto, prescindiria de fundada suspeita. Ademais, se a bagagem dos passageiros poderia ser submetida à inspeção aleatória na rodoviária ou em um aeroporto, passando por um raio-X ou inspeção manual detalhada, sem qualquer prévia indicação de suspeita, por exemplo, não há razão para questionar a legalidade da vistoria feita pelos policiais rodoviários federais, que atuaram no contexto fático de típica inspeção de segurança em transporte coletivo. (HC 625.274-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 17/10/2023, DJe 20/10/2023)
EXECUÇÃO PENAL - Cumprimento de pena no regime aberto. Pandemia da covid-19. Fechamento dos fóruns. Juízo da execução que extinguiu a punibilidade do réu pelo cumprimento integral da pena, desprezando o período de pena remanescente. Cumprimento ficto da pena. Impossibilidade. Violação das disposições contidas no título judicial. Coisa julgada que deve ser preservada. O período em que o sentenciado deixou de comparecer em juízo por causa da pandemia da covid-19 não pode ser considerado como tempo de pena efetivamente cumprido. A questão controvertida cinge-se à possibilidade de cumprimento ficto da pena, em decorrência da pandemia da covid-19, bem como à possibilidade do juízo da execução desprezar período de pena a cumprir e, desde logo, extinguir a punibilidade do apenado pelo cumprimento da pena. Sobre o tema, a jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que "[n]ão é admissível, por ausência de previsão legal, que se considere como cumprida a pena daquele que já obtivera - por motivo de força maior e para não se expor a maior risco em virtude da pandemia - o benefício da suspensão da pena restritiva de direitos, sendo absolutamente necessário o efetivo cumprimento da pena como instrumento tanto de ressocialização do apenado como de contraprestação em virtude da prática delitiva, a fim de que o reeducando alcance o requisito necessário para a extinção de sua punibilidade" (AgRg no HC 644.942/GO, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 17/6/2021). Com efeito, o período em que o sentenciado deixou de comparecer em juízo por causa da pandemia da covid-19 não pode ser considerado como tempo efetivamente cumprido. Apesar de o reeducando não ter dado causa àquela situação, não se pode concluir que a finalidade da pena (retribuição e de ressocialização do indivíduo) tenha sido atingida apenas pelo decurso do tempo. É dever do juízo da execução dar fiel cumprimento ao título judicial, executando a pena do réu nos limites impostos na sentença. A alteração das disposições contidas no título judicial, com o desprezo do período de pena remanescente, sem nenhuma justificativa legal, viola a coisa julgada. Desse modo, o réu não pode se beneficiar daquilo que efetivamente não cumpriu, sob pena de se vulnerar a função ressocializadora, bem como retributiva da reprimenda, ensejando, com isso, grave insegurança jurídica no tocante à execução da pena. (AgRg no REsp 2.076.164-PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 9/10/2023, DJe 16/10/2023)
DIREITO CIVIL - Ação de prestação de contas. Usufruto constituído por ato inter vivos em favor de duas pessoas. Morte de uma delas. Extinção do usufruto. Inexistência de cláusula prevendo o direito de se acrescer o quinhão do usufrutuário falecido ao do usufrutuário sobrevivente. Quinhão que retorna ao nu-proprietário. Inexistência de dever de prestação de contas pelo usufrutuário sobrevivente. Em se tratando de usufruto estabelecido por ato inter vivos, o usufrutuário sobrevivente não tem o dever de prestar contas dos frutos referentes ao
quinhão de usufrutuário falecido no processo de inventário, haja vista que o referido quinhão não foi acrescido ao seu e nem transmitido aos herdeiros, apenas retornando ao nu-proprietário. Cinge-se a controvérsia em verificar se, em caso de usufruto constituído em favor de duas ou mais pessoas, com a morte de uma delas, o usufrutuário sobrevivente teria o dever de prestar contas dos frutos referentes ao quinhão do usufrutuário falecido, a partir da data de abertura da sucessão. Em se tratando de usufruto estabelecido por ato inter vivos, os dispositivos que regem o instituto são aqueles previstos nos artigos 1.390 a 1.411 do Código Civil, não se aplicando ao caso o art. 1.946 do mesmo Código, uma vez que diz respeito a usufruto legado por testamento. Não tendo sido estipulada cláusula prevendo o direito de se acrescer o quinhão do usufrutuário falecido ao quinhão do usufrutuário sobrevivente, a partir da sua morte, aquele quinhão volta ao nu-proprietário. Não há como entender que o usufrutuário sobrevivente deveria prestar contas dos frutos referentes ao quinhão de usufrutuário falecido no processo de inventário, haja vista que o referido quinhão não foi acrescido ao seu e nem transmitido aos herdeiros. Embora, a partir do falecimento do usufrutuário, seja necessário o cancelamento do usufruto no Registro de Imóveis, eventual falha nessa comunicação do óbito não faz nascer o direito de transmissão do quinhão aos herdeiros, pois o ato registral apenas visa a resguardar direito de terceiros. (REsp 1.942.097-MT, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 7/11/2023, DJe 10/11/2023)
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR - Plano de saúde. Recusa da operadora de contratar plano de assistência à saúde. Beneficiária com restrição em órgão de proteção ao crédito. Abusividade configurada. O simples fato de o consumidor registrar negativação nos cadastros de consumidores não pode bastar, por si só, para vedar a contratação do plano de saúde pretendido. A controvérsia consiste em definir se a operadora de plano de saúde está autorizada a negar a contratação de serviço com quem está com o nome negativado em órgão de restrição de crédito. Nos contratos de consumo de bens essenciais como água, energia elétrica, saúde, educação etc, não pode o fornecedor agir pensando apenas no que melhor lhe convém. A negativa de contratação de serviços essenciais constitui evidente afronta à dignidade da pessoa, sendo incompatível ainda com os princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O fato de o consumidor registrar negativação nos cadastros de consumidores não pode bastar, por si só, para vedar a contratação do plano de saúde pretendido. A prestação dos serviços sempre pode ser obstada se não tiver havido o pagamento correspondente. Assim, exigir que a contratação seja efetuada apenas mediante "pronto pagamento", nos termos do que dispõe o art. 39, IX, do CDC, equivale a impor ao consumidor uma desvantagem manifestamente excessiva, o que é vedado pelo art. 39, V, do mesmo diploma. E ainda, em se considerando que o fornecimento (ou o atendimento pelo plano de saúde) só persistirá se houver o efetivo adimplemento das prestações contratadas. No caso, ademais, não se está diante de um produto ou serviço de entrega imediata, mas de um serviço eventual e futuro que, embora posto à disposição, poderá, ou não, vir a ser exigido. Assim, a recusa da contratação ou a exigência de que só seja feita mediante "pronto pagamento", excede aos limites impostos pelo fim econômico do direito e pela boa-fé (art. 187 do CC/2002). A contratação de serviços essenciais não mais pode ser vista pelo prisma individualista ou de utilidade do contratante, mas pelo sentido ou função social que tem na comunidade, até porque o consumidor tem trato constitucional, não é vassalo, nem sequer um pária. (REsp 2.019.136-RS, Rel. Ministro Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 7/11/2023, DJe 23/11/2023)
DIREITO CIVIL - Ação civil ex delicto. Padre. Igreja católica. Responsabilidade civil. - O vínculo permanente e vitalício entre a Igreja Católica e seu sacerdote é apto a ensejar a responsabilidade objetiva da instituição religiosa por desvio moral de conduta de seu representante, desde que comprovada a responsabilidade subjetiva do padre por fato criminoso vinculado ao prestígio social angariado em razão do desempenho da função. Verifica-se pela experiência de senso comum que, no específico caso de sacerdote, este tem vínculo vitalício e permanente com a Igreja Católica. Não se desliga do considerável prestígio social e da autoridade próprias da instituição religiosa, ostentando permanentemente a liturgia, a autoridade moral e inspirando a confiança decorrentes e inerentes ao ofício sacerdotal. Não importa onde ou quando esteja o padre,
ele é sempre o pastor, o sacerdote em quem se pode confiar e a quem se pode recorrer. Nesse sentido, somente em situação excepcional, difícil de conceber, de absoluto anonimato, fato não ocorrente nos autos, poderia estar o padre momentaneamente desvinculado da Igreja. Não se pode, assim, ter a situação de desvio de comportamento moral de um padre, com atuação criminosa, comparada à conduta delitiva de profissionais comuns, como um simples motorista de transportadora ou de um médico empregado de hospital. Nessas situações, o vínculo de preposição realmente é singelo, tênue; não é permanente, mas momentâneo e circunstancial. Já o padre, onde quer que vá e em qualquer horário, representa a Igreja Católica, fazendo permanente uso da autoridade eclesial, inspirando confiança e influenciando pessoas, especialmente os fiéis. O vínculo de preposição entre Igreja e sacerdote é, portanto, pressuposto e permanente, sendo, por isso, a instituição religiosa responsabilizada objetivamente pelo desvio de conduta, desde que comprovada a responsabilidade subjetiva do padre por fato criminoso vinculado ao prestígio social angariado em razão do desempenho da função. Trata-se de uma espécie de risco relacionado com a atividade eclesiástica. (AgInt nos EREsp 1.393.699-PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 27/9/2023, DJe 4/10/2023)
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCEDIMENTAL - INTIMAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA POR MEIO ELETRÔNICO - FASE DE ADMISSÃO DO INCIDENTE - PRELIMINAR REJEITADA - AUSÊNCIA DE REQUISITOS PARA ADMISSÃO - FASE SUPERADA PENHORA DE SALÁRIO - CRÉDITO DE NATUREZA NÃO-ALIMENTAR - LIMITE DE MONTANTE RECEBIDO PELO DEVEDOR - IRRELEVÂNCIA - TESE JURÍDICA FIXADA
- Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não há falar em nulidade quando a intimação, nos processos judiciais eletrônicos, ocorra por meio de consulta eletrônica realizada pela parte, mesmo para as entidades que gozam da prerrogativa de notificação pessoal.
- Superada a fase de admissão, não é mais cabível alegar a inobservância dos requisitos previstos no art. 976 do Código de Processo Civil, máxime quando sua presença foi reconhecida pelo Órgão Julgador na primeira fase do procedimento.
- No julgamento do mérito do incidente de resolução de demandas repetitivas instaurado para discutir a respeito da penhora de salário, o Tribunal fixa a seguinte tese: é permitida, de forma excepcional, a penhora de verba salarial para pagamento de dívida não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor, em percentual condizente com a realidade de cada caso concreto, que não pode superar o limite de 30% (trinta por cento) da aludida verba líquida; e desde que preservado valor que assegure a subsistência digna do devedor e de sua família. (IRDR - CV nº 1.0182.16.001439-1/001 - Comarca de Conquista - Suscitante: Osmar Magnhesi - E - Suscitado: Segunda Seção Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - nteressados: Bernadete Santos Caribé Ferraz, Defensoria Publica do Estado de Minas Gerais, ederação Brasileira dos Bancos, Estado de Minas Gerais - Amicus Curiae: Procon, Instituto de efesa Coletiva, Movimento das Donas de Casa de Minas Gerais, Comissão de Defesa do onsumidor da OAB/MG - Relatora: Des.ª Juliana Campos Horta)
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - CENTRAL NACIONAL DE INDISPONIBILIDADE DE BENS (CNIB) - UTILIZAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - DESVIRTUAMENTO DA FUNÇÃO - RECURSO DESPROVIDO
- Deve ser mantida a decisão que indefere a constrição de bens da executada por meio da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB), por desvirtuar a função do sistema, que possui como finalidade, apenas, receber e divulgar as ordens de indisponibilidades já decretadas (art. 2º, do Provimento da Corregedoria Nacional de Justiça nº 39, de 25 de julho de 2014).
- Recurso desprovido. (Agravo de Instrumento-Cv nº 1.0000.23.9/001 - Comarca de Paracatu - Agravante: Limagrain Brasil S.A. - Agravado: João Batista Schirmer de Mattos - Relator: Des. Amorim Siqueira)
CLIPPING JURÍDICO #13 (06/11 a 20/11/2023)
LEGISLAÇÃO
Lei nº 14.722, de 8.11.2023 - Institui a Política Nacional de Conscientização e Incentivo à Doação e ao Transplante de Órgãos e Tecidos.
Lei nº 14.721, de 8.11.2023 - Altera os arts. 8º e 10 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para ampliar a assistência à gestante e à mãe no período da gravidez, do pré-natal e do puerpério.
Decreto nº 11.777, de 9.11.2023 - Promulga o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição da Pena de Morte, de 15 de dezembro de 1989.
JURISPRUDÊNCIA
EXECUÇÃO PENAL - Progressão de regime. Crime comum e crime hediondo. Mesma execução penal. Aplicação da redação anterior do art. 112 da LEP ao crime comum e da tese fixada no Tema 1084, com base no pacote anticrime (Lei n. 13.964/2019), ao crime hediondo. Matérias distintas reunidas em um só dispositivo. Mens legis. Tratamento distinto aos crimes comuns e hediondos. Princípios da individualização da pena, da isonomia e da irretroatividade da lei penal. Inexistência de combinação de leis. Não configura combinação de leis a aplicação do requisito objetivo para a progressão de regime previsto na antiga redação do art. 112 da Lei de Execução Penal, em relação ao crime comum, e a aplicação retroativa do Pacote Anticrime para reger apenas a progressão do crime hediondo, quando ambos os delitos compõem uma mesma execução penal e foram praticados em momento anterior à edição da Lei n. 13.964/2019. (REsp 2.026.837-SC, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 7/11/2023)
DIREITO CIVIL - Contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária de imóvel. Lei n. 9.514/1997. Intimação pessoal do devedor fiduciante para purgar a mora frustrada. Recusa injustificada de receber intimação. Intimação por edital que se justifica. Se o devedor fiduciante se escusa, por diversas vezes, de receber as intimações para purgar a mora em seu endereço comercial, conforme expressamente indicado no contrato de alienação fiduciária de imóvel, induzindo os Correios a erro ao indicar possível mudança de domicílio que nunca existiu, não há óbice à sua intimação por edital. Da leitura do § 4º do art. 26 da Lei n. 9.514/1997, verifica-se que, após tentativa frustrada de intimação pessoal do devedor fiduciante, o dispositivo autoriza, expressamente, a sua intimação por edital, caso o devedor se encontre em local ignorado, incerto ou inacessível. No caso, conforme esclarecido na sentença, intimações das pessoas jurídicas foram enviadas para o endereço da sua sede, constante do contrato de alienação fiduciária. Após expedição de cinco cartas com aviso de recebimento para fins de intimação no endereço indicado no contrato, todas devolvidas com a indicação de que "mudou-se", houve tentativa de intimação dos sócios no próprio imóvel que era objeto da alienação fiduciária, mas também sem sucesso. Sendo assim, constatado que as recorrentes se esquivaram, por diversas vezes, a receber as intimações para purgar a mora em seu endereço comercial, conforme expressamente indicado no contrato de alienação fiduciária, induzindo os Correios a erro ao indicar possível mudança de domicílio que nunca existiu, não há óbice à intimação por edital. Ademais, apenas a partir da Lei n. 13.465/2017, tornou-se necessária a intimação do devedor fiduciante da data do leilão, devido à expressa determinação legal. No caso, como o procedimento de execução extrajudicial é anterior à entrada em vigor da Lei n. 13.645/2017, não há que se falar em nulidade devido à falta de intimação dos devedores da data de realização do leilão. (REsp 1.733.777-SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 17/10/2023, DJe 23/10/2023)
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Prestação alimentícia. Cumprimento de sentença. Unificação de dois processos. Delimitação dos débitos correspondentes e o rito a ser observado em cada processo. Intimação do paciente na pessoa de seu advogado. Executado que fora intimado e preso anteriormente. Ausência de ilegalidade. Havendo inequívoca ciência do devedor acerca de débito alimentar objeto de execução, não é ilegal a intimação de instauração de um segundo cumprimento de sentença na pessoa do seu advogado referente ao mesmo título judicial. Na origem, tramitavam dois cumprimentos de sentença de prestação alimentícia, envolvendo as mesmas partes - o paciente (executado) e sua filha (exequente) - e ambos sob o rito do art. 528 do CPC/2015 (prisão civil). O Juízo a quo, então, dividiu a execução do débito alimentar da seguinte forma: No primeiro processo, como houve a prisão civil do executado, referente ao primeiro período, o Magistrado registrou que o cumprimento de sentença deveria tramitar pelo rito da penhora (CPC/2015, art. 523). Já no segundo processo, o cumprimento de sentença deveria prosseguir em relação às prestações vencidas no período posterior à prisão civil do executado e não incluído no primeiro processo. Neste, o rito seria o do art. 528 do CPC/2015, possibilitando a prisão civil do paciente. O Superior Tribunal de Justiça entende que a prisão civil somente pode ser decretada após a intimação pessoal do devedor para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo, não suprindo a mera intimação do procurador constituído, em obediência ao que determina o art. 528 do CPC/2015. O fundamento para que não seja admitida a intimação do devedor na pessoa de seu advogado, sem poderes específicos para tanto, consiste na necessidade de se ter a certeza da efetiva ciência do devedor de alimentos a respeito do cumprimento de sentença instaurado, a fim de lhe oportunizar o pagamento do débito, provar que o pagou ou demonstrar a impossibilidade de fazê-lo, notadamente em razão da grave consequência ocasionada pelo não cumprimento dessa obrigação, qual seja, a prisão civil. Na hipótese, contudo, o paciente teve ciência inequívoca da execução da dívida alimentar subjacente, tanto que chegou a ser preso no bojo do primeiro cumprimento de sentença instaurado. Assim, o fato de ter sido instaurado um segundo cumprimento de sentença não exige que o paciente seja novamente intimado pessoalmente, pois se trata do mesmo título judicial executado em relação ao primeiro cumprimento de sentença instaurado, mudando-se apenas o período correspondente ao débito executado. Somente se fosse instaurado um novo cumprimento de sentença referente a outro título judicial, é que seria necessária nova intimação pessoal do devedor. (Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/10/2023, DJe 26/10/2023)
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL - Cultivo doméstico da planta Cannabis sativa para fins medicinais. Uniformização do entendimento das Turmas Criminais do STJ. Direito a saúde pública e a melhor qualidade de vida. Regulamentação. Omissão da ANVISA e do Ministério da Saúde. Atipicidade penal da conduta. O plantio e a aquisição das sementes da Cannabis sativa, para fins medicinais, não configuram conduta criminosa, independente da regulamentação da ANVISA. (AgRg no HC 783.717-PR, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Rel. para acórdão Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Terceira Seção, por maioria, julgado em 13/9/2023, DJe 3/10/2023).
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - LOTE - DIREITO REAL DE USUFRUTO INSTITUÍDO SOBRE A METADE DO BEM - POSSE EXCLUSIVA DA USUFRUTUÁRIA - PESSOA IDOSA - DUAS EDIFICAÇÕES RESIDENCIAIS CONSTRUÍDAS NO IMÓVEL - OBRAS NÃO AVERBADAS NA MATRÍCULA - COTA PARTE DA USUFRUTUÁRIA NÃO DELIMITADA - RECUSA DE COMPARTILHAMENTO DO USO DO BEM - CIRCUNSTÂNCIAS QUE DENOTAM A IMPOSSIBILIDADE DE CONVÍVIO ENTRE AS PARTES - IMISSÃO NA POSSE DO TITULAR DO DOMÍNIO - INVIABILIDADE - QUESTÃO QUE SE RESOLVE EM PERDAS E DANOS - AUSÊNCIA DE PEDIDO VOLTADO PARA TAL FIM - INVIABILIDADE DE APRECIAÇÃO
- O usufruto constitui um direito real de gozo ou fruição, acarretando uma divisão igualitária dos atributos da propriedade.
- O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos (art. 1.394), ao passo que o proprietário permanece com o domínio do bem, sem os atributos do uso e do gozo, vale dizer, mantém apenas a nua-propriedade.
- Se no lote sobre o qual recai usufruto foram erigidas duas construções de alvenaria destinadas à moradia, mas não foi lançada na matrícula do imóvel qualquer averbação nesse sentido, há de ser considerado o aludido bem na sua integralidade para fins de aferição do direito de usufruto lançado sobre a sua metade.
- Existindo posse exclusiva da usufrutuária que possui o seu direito lançado sobre a metade do imóvel, pessoa idosa que se recusa a compartilhar o seu uso com o titular do domínio pleno da outra parcela do imóvel e, uma vez identificada a inviabilidade de convívio entre as partes, denotando o impedimento concreto da utilização conjunta do imóvel, não há que falar em imissão da posse do titular do domínio, devendo o direito do proprietário, nessas circunstâncias, ser resolvido em perdas e danos equivalentes ao valor da locação, cujo exame resta inviabilizado em razão da inexistência de pedido autoral voltado para tal fim. (Apelação Cível nº 1.0000.22.053050-5/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelante: Laila Silveira de Carvalho - Apelada: Ilma Silveira de Carvalho)
CLIPPING JURÍDICO #12 (23/10 a 5/11/2023)
LEGISLAÇÃO
Lei Complementar nº 201, de 24.10.2023 - Dispõe sobre a compensação devida pela União nos termos dos arts. 3º e 14 da Lei Complementar nº 194, de 23 de junho de 2022, a dedução das parcelas dos contratos de dívida, a transferência direta de recursos da União aos Estados e ao Distrito Federal, a incorporação do excesso compensado judicialmente em saldo devedor de contratos de dívida administrados pela Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, o tratamento jurídico e contábil aplicável aos pagamentos, às compensações e às vinculações, as transferências de recursos aos Municípios em razão da redução das receitas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), as transferências de recursos aos Estados e ao Distrito Federal em razão da redução das receitas do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e as regras relativas ao Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS); e revoga dispositivos da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), e das Leis Complementares nºs 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir), e 192, de 11 de março de 2022.
Lei nº 14.711, de 30.10.2023 - Dispõe sobre o aprimoramento das regras de garantia, a execução extrajudicial de créditos garantidos por hipoteca, a execução extrajudicial de garantia imobiliária em concurso de credores, o procedimento de busca e apreensão extrajudicial de bens móveis em caso de inadimplemento de contrato de alienação fiduciária, o resgate antecipado de Letra Financeira, a alíquota de imposto de renda sobre rendimentos no caso de fundos de investimento em participações qualificados que envolvam titulares de cotas com residência ou domicílio no exterior e o procedimento de emissão de debêntures; altera as Leis nºs 9.514, de 20 de novembro de 1997, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.476, de 28 de agosto de 2017, 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), 9.492, de 10 de setembro de 1997, 8.935, de 18 de novembro de 1994, 12.249, de 11 de junho de 2010, 14.113, de 25 de dezembro de 2020, 11.312, de 27 de junho de 2006, 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e 14.382, de 27 de junho de 2022, e o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969; e revoga dispositivos dos Decretos-Lei nºs 70, de 21 de novembro de 1966, e 73, de 21 de novembro de 1966
Lei nº 14.713, de 30.10.2023 - Altera as Leis nºs 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para estabelecer o risco de violência doméstica ou familiar como causa impeditiva ao exercício da guarda compartilhada, bem como para impor ao juiz o dever de indagar previamente o Ministério Público e as partes sobre situações de violência doméstica ou familiar que envolvam o casal ou os filhos.
Lei nº 14.717, de 31.10.2023 - Institui pensão especial aos filhos e dependentes crianças ou adolescentes, órfãos em razão do crime de feminicídio tipificado no inciso VI do § 2º do art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo
JURISPRUDÊNCIA
RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO - ProAfR no REsp 2.024.901-SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 17/10/2023, DJe 30/10/2023 (Revisão do Tema 931). A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps 2.024.901/SP e 2.090.454/SP ao rito dos recursos repetitivos, propondo a revisão da tese firmada no Tema Repetitivo 931/STJ, quanto à alegada necessidade de demonstração da hipossuficiência do apenado para que, a despeito do inadimplemento da pena de multa, possa-se proceder ao reconhecimento da extinção de sua punibilidade.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Duplicata. Manutenção indevida em cadastro de inadimplentes. Endossatário. Ausência boa-fé. Responsabilidade solidária. Dever de indenizar. Litisconsórcio passivo necessário. Não configuração. A manutenção do nome de devedor no cadastro de inadimplentes, após a quitação do débito perante o credor originário em favor do endossante, pode ser oposta ao endossatário se for comprovado que este tinha conhecimento sobre tais fatos, devendo ser afastada sua presunção de boa-fé. O STJ entende que é lícito eventual protesto realizado pelo endossatário em razão do inadimplemento do devedor, pois, uma vez endossada, a validade da duplicata condiciona-se à observância dos requisitos de forma e não à regularidade do saque. Por conseguinte, o endossatário também pode providenciar os atos necessários para eventual inscrição do nome do devedor no cadastro de inadimplentes. Todavia, após a quitação da dívida, a demora excessiva em retirar o nome de devedor do cadastro de órgão de proteção ao crédito como ato ilícito que gera o dever de indenizar. A jurisprudência do STJ é assente no sentido de que a manutenção indevida do nome do devedor no cadastro de inadimplentes enseja dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos. Quanto ao tema, a Segunda Seção do STJ, no julgamento do Recurso Especial n. 1.424.792/BA, assentou o entendimento de que "diante das regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, mesmo havendo regular inscrição do nome do devedor em cadastro de órgão de proteção ao crédito, após o integral pagamento da dívida, incumbe ao credor requerer a exclusão do registro desabonador, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, a contar do primeiro dia útil subsequente à completa disponibilização do numerário necessário à quitação do débito vencido". Este dever do credor ganha complexidade quando se trata de títulos de crédito, pois o credor cambial é aquele que detém o título de crédito, mas o credor original é o que figura como credor do negócio jurídico que gerou o título, mas que pode não mais deter a cártula por ter realizado endosso translativo a terceiro. A quitação pode ser realizada perante o credor original sem que essa questão seja oponível ao terceiro de boa-fé que detém o título. Contudo, há exceção quando o endossatário conhecer o problema que o devedor alega ter ocorrido na relação jurídica originária. Nessa situação, a matéria de defesa torna-se oponível, pois constatada a má-fé. Conforme a doutrina, a desconstituição da presunção de boa-fé não depende de prova da ação combinada e má intencionada (conluio) entre o exequente e o titular originário do mesmo crédito. O simples conhecimento, pelo atual portador do título, da existência de fato oponível ao anterior é suficiente para afastar a boa-fé e, por conseguinte, o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros. Portanto, a depender da peculiaridade dos fatos da situação concreta, a manutenção do nome do devedor no cadastro de inadimplentes após a quitação do débito perante o credor originário, pode ser oposta ao endossatário se for comprovado que ele tinha conhecimento sobre tais fatos, porquanto será afastada a sua presunção de boa-fé. Ademais, se o endossatário tinha ciência que o devedor já havia quitado o débito perante o credor originário e mesmo assim manteve a inscrição do seu nome no cadastro de inadimplentes, é seu dever responder pelos danos a que deu causa. Nos termos do art. 114 do CPC/2015, "o litisconsórcio será necessário por (I) disposição de lei ou quando, (II) pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes". Ausente a determinação legal, o interesse de titulares de direitos e obrigações relacionadas a questões debatidas no processo não configura, por si só, a formação de litisconsórcio necessário. É exatamente essa a situação verificada nas ações indenizatórias consumeristas, nas quais, conforme preconiza o art. 7º do CDC, havendo responsabilidade solidária por ter a ofensa mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. Nessa situação, o fato de um dos responsáveis solidários não ter figurado no polo passivo da ação originária não macula de ineficácia a sentença proferida contra apenas um dos devedores solidários. Portanto, não há litisconsórcio obrigatório quando a eficácia da sentença que condenou o endossatário a pagar a indenização pela manutenção indevida do nome do devedor no cadastro de inadimplentes não depende da citação credor originário. (REsp 2.069.003-MS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/10/2023, DJe 23/10/2023)
DIREITO PENAL - Agravante da reincidência. Art. 61, I, do Código Penal. Reincidente específico. Único fundamento. Fração de aumento de 1/6 (um sexto). Tratamento igualitário ao reincidente genérico. Ressalva de justificativa concreta. Tema 1172. A reincidência específica como único fundamento só justifica o agravamento da pena em fração mais gravosa que 1/6 em casos excepcionais e mediante detalhada fundamentação baseada em dados concretos do caso. Cinge-se a controvérsia a definir se é possível a elevação da pena por circunstância agravante, na fração maior que 1/6, utilizando como fundamento unicamente a reincidência específica do réu. Uma análise evolutiva do ordenamento jurídico nacional mostra que antes do Código Penal de 1940 a configuração da agravante da reincidência tinha como pressuposto o cometimento de crimes de mesma natureza. O Código Penal de 1940, em sua redação original, ampliou o conceito da agravante da reincidência ao permitir que o crime anteriormente cometido fosse de natureza diversa do atual, inaugurando a classificação da reincidência em específica e genérica, com ressalva expressa de que pena mais gravosa incidiria ao reincidente específico. Durante esse período histórico, a diferença de tratamento entre reincidência específica e genérica para fins de cominação de pena já era discutível, com posições jurídicas antagônicas. Nesse contexto, sobreveio a vigência da Lei n. 6.416/1977 que, alterando o Código Penal, aboliu a diferenciação entre reincidência específica e genérica e, por consequência, suprimiu o tratamento diferenciado no tocante à dosimetria da pena. Assim, considerando que a redação vigente do Código Penal estatuída pela Lei n. 7.209/1984 teve origem na Lei n. 6.416/1977, a interpretação da norma deve ser realizada de forma restritiva, evitando, com isso, restabelecer parcialmente a vigência da lei expressamente revogada. Inclusive, tal interpretação evita incongruência decorrente da afirmativa de que a reincidência específica, por si só, é mais reprovável do que a reincidência genérica. Ainda, para fins de inadmitir distinção de agravamento de pena entre o reincidente genérico e o específico, é importante pesar que o tratamento diferenciado entre os reincidentes pode ser feito em razão da quantidade de crimes anteriores cometidos, ou seja, da multirreincidência. Sendo assim, a controvérsia deve ser solucionada no sentido de não ser possível a elevação da pena pela presença da agravante da reincidência em fração mais prejudicial ao apendo do que a de 1/6 utilizando-se como fundamento unicamente a reincidência específica do réu. Fica ressalvada a excepcionalidade da aplicação de fração mais gravosa do que 1/6 mediante fundamentação concreta a respeito da reincidência específica. (REsp 2.003.716-RS, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 25/10/2023 (Tema 1172))
DIREITO PENAL - Furto. Restituição imediata e integral dos bens subtraídos. Aplicação do princípio da insignificância. Descabimento. Necessidade de observância dos vetores fixados pelo STF e consolidado pela jurisprudência do STJ. Tema 1205. A restituição imediata e integral do bem furtado não constitui, por si só, motivo suficiente para a incidência do princípio da insignificância. (REsp 2.062.095-AL, REsp 2.062.375-AL, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 25/10/2023 (Tema 1205))
DIREITO PENAL - Estupro de vulnerável. Continuidade delitiva. Número indeterminado de atos sexuais. Crimes praticados por longo período de tempo. Recorrência das condutas delitivas. Pratica inequívoca de mais de 7 repetições. Fração máxima de majoração da pena. Possibilidade. Tema 1202. No crime de estupro de vulnerável, é possível a aplicação da fração máxima de majoração prevista no art. 71, caput, do Código Penal, ainda que não haja a delimitação precisa do número de atos sexuais praticados, desde que o longo período de tempo e a recorrência das condutas permita concluir que houve 7 (sete) ou mais repetições. A continuidade delitiva, prevista no art. 71 do Código Penal, é instituto da dosimetria da pena concebido com a função de racionalizar a punição de condutas que, embora praticadas de forma independente, estejam inseridas dentro de um mesmo desenvolvimento delitivo. Assim, por opção legislativa e critérios de política criminal, a lei penal afasta excepcionalmente a aplicação do concurso material e impõe uma única punição àqueles casos nos quais os crimes subsequentes possam ser tidos como continuação de um primeiro delito, de acordo com a análise das condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. Com efeito, a compreensão jurisprudencial uníssona desta Corte Superior firmou-se no sentido de que, diante da prática de apenas 2 (duas) condutas em continuidade, deve-se aplicar o aumento mínimo previsto no art. 71, caput, do Código Penal, qual seja, 1/6 (um sexto). A partir desse piso, a fração de aumento deve ser aumentada gradativamente, conforme o número de condutas em continuidade, até se alcançar o teto legal de 2/3 (dois terços), o que ocorre a partir da sétima conduta delituosa. A adoção do critério referente ao número de condutas praticadas suscita questões específicas nos crimes de natureza sexual, especialmente no delito de estupro de vulnerável, em razão do triste contexto fático que frequentemente se constata nestes crimes. A proximidade que o autor do delito de estupro de vulnerável normalmente possui com a vítima, a facilidade de acesso à sua residência e a menor capacidade que os vulneráveis possuem de se insurgir contra o agressor são condições que favorecem a repetição silenciosa, cruel e indeterminada de abusos sexuais. Não raras vezes, cria-se um ambiente de submissão perene da vítima ao agressor, naturalizando-se a repetição da violência sexual como parte da rotina cotidiana de crianças e adolescentes. Nessas hipóteses, a vítima, completamente subjugada e objetificada, não possui sequer condições de quantificar quantas vezes foi violentada. A violência contra ela deixou ser um fato extraordinário, convertendo-se no modo cotidiano de vida que lhe foi imposto. A torpeza do agressor, que submeteu a vítima a abusos sexuais tão recorrentes e constantes ao ponto de tornar impossível determinar o número exato de suas condutas, evidentemente não pode ser invocada para se pleitear uma majoração menor na aplicação da continuidade delitiva. Nos crimes de natureza sexual, o critério jurisprudencial objetivo para a fixação da fração de majoração na continuidade delitiva deve ser contextualizado com as circunstâncias concretas do delito, em especial o tempo de duração da situação de violência sexual e a recorrência das condutas no cotidiano da vítima, devendo-se aplicar o aumento no patamar que, de acordo com as provas dos autos, melhor se aproxime do número real de atos sexuais efetivamente praticados. De fato, ambas as turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça já se manifestaram, de forma unânime, no sentido de que, para aplicação do aumento decorrente da continuidade delitiva, é prescindível a indicação exata do número de condutas praticadas, sendo preponderante o exame do tempo de duração dos abusos e da sua recorrência. Na situação em análise, a Corte estadual esclareceu que a vítima, com apenas 11 anos de idade no início das condutas delitivas, foi submetida pelo Acusado aos mais diversos tipos de atos libidinosos, de modo frequente e ininterrupto, ao longo de cerca de 4 (quatro) anos. Estas circunstâncias fáticas tornam plenamente justificada a majoração da pena, em decorrência da continuidade delitiva, na fração máxima de 2/3 (dois terços). Por fim, não é possível a aplicação da continuidade delitiva entre os delitos de estupro qualificado (art. 213, § 1.º, do Código Penal) e estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal), pois se tratam de tipos penais que tutelam bens jurídicos diversos e que possuem circunstâncias elementares bastante distintivas. Enquanto o estupro de vulnerável tutela a dignidade sexual e o direito ao desenvolvimento da personalidade livre de abusos, o estupro qualificado tutela a liberdade sexual e o direito ao exercício da sexualidade sem coações. No caso, verifica-se que ambos os bens jurídicos foram violados, pois o sentenciado violou a dignidade sexual da criança, convertendo-a em instrumento sexual quando ela sequer era capaz de consentir com os atos praticados, bem como, posteriormente, violou a liberdade sexual da adolescente, privando-a da liberdade de consentir ao constrangê-la mediante o emprego de grave ameaça. (REsp 2.029.482-RJ, REsp 2.050.195-RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 17/10/2023. (Tema 1202)).
EXECUÇÃO PENAL - Reincidência. Ausência de reconhecimento pelo juízo sentenciante. Reconhecimento pelo juízo da execução. Possibilidade. Reafirmação do entendimento sedimentado pela Terceira Seção do STJ no EREsp 1.738.968-MG. Tema 1208. A reincidência pode ser admitida pelo juízo das execuções penais para análise da concessão de benefícios, ainda que não reconhecida pelo juízo que prolatou a sentença condenatória. O reconhecimento da reincidência nas fases de conhecimento e de execução penal produz efeitos diversos. Incumbe ao Juízo de conhecimento a aplicação da agravante do art. 61, inciso I, do Código Penal, para fins de agravamento da reprimenda e fixação do regime inicial de cumprimento de pena. Em um segundo momento, o reconhecimento dessa condição pessoal para fins de concessão de benefícios da execução penal compete ao Juízo das Execuções, nos termos do art. 66, inciso III, da Lei de Execução Penal. Desse modo, ainda que não reconhecida na condenação, a reincidência deve ser observada pelo Juízo das Execuções para concessão de benefícios, sendo descabida a alegação de reformatio in pejus ou de violação da coisa julgada, pois se trata de atribuições distintas. Há, na verdade, a individualização da pena relativa à apreciação de institutos próprios da execução penal. A matéria foi definida pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do EREsp 1.738.968/MG, oportunidade em que ficou estabelecido que a intangibilidade da sentença penal condenatória transitada em julgado não retira do Juízo das Execuções Penais o dever de adequar o cumprimento da sanção penal às condições pessoais do réu. Efetivamente, "a reincidência é um fato, relativo à condição pessoal do condenado, que não pode ser desconsiderado pelo juízo da execução, independente da sua menção na sentença condenatória, pois afetaria exponencialmente o bom desenvolvimento da execução da pena traçado nas normas correspondentes" (AgRg no REsp 1.642.746/ES, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe de 14/8/2017). Nesse sentido, frisa-se que "não cabe ao Juiz da Execução rever a pena e o regime aplicados no título judicial a cumprir. Contudo, é de sua competência realizar o somatório das condenações (unificação das penas), analisar a natureza dos crimes (hediondo ou a ele equiparados) e a circunstância pessoal do reeducando (primariedade ou reincidência) para fins de fruição de benefícios da LEP." (AgRg no AREsp 1.237.581/MS, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 1/8/2018). (REsp 2.049.870-MG, REsp 2.055.920-MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, por maioria, julgado em 17/10/2023, DJe 20/10/2023. (Tema 1208)).
DIREITO CIVIL - Débito prescrito. Cobrança judicial e extrajudicial. Instituto de direito material. Plano da eficácia. Princípio da indiferença das vias. Prescrição que não atinge o direito subjetivo. Cobrança de dívida prescrita. Impossibilidade. O reconhecimento da prescrição da pretensão impede tanto a cobrança judicial quanto a cobrança extrajudicial do débito. Para o deslinde da controvérsia, é necessário que se examine a atuação da prescrição no plano da eficácia, o que perpassa, inicialmente, pela distinção entre os conceitos de direito subjetivo e de pretensão, pois, somente esta é, propriamente, atingida pela prescrição. Segundo a doutrina, a pretensão é o poder de exigir um comportamento positivo ou negativo da outra parte da relação jurídica. Observa-se, desse modo, que, antes do advento da pretensão, já existe direito e dever, mas em situação estática. Isso porque a dinamicidade do direito subjetivo surge, tão somente, com o nascimento da pretensão, que pode ser ou não concomitante ao surgimento do próprio direito subjetivo. Somente a partir desse momento, o titular do direito poderá exigir do devedor que cumpra aquilo a que está obrigado. No que diz respeito ao seu modo de atuação, restou demonstrado que a prescrição não atingiria a ação, mas sim a pretensão, o que representou fundamental virada dogmática com reflexos não só na nomenclatura, mas, sobretudo, na essência do instituto. Na doutrina brasileira, era relativamente comum, antes do advento do Código Civil de 2002, e em alguns casos, até mesmo, depois de sua entrada em vigor -, se apontar como alvo da eficácia da prescrição a própria ação. No entanto, o art. 189 do Código Civil de 2002, que representou importante inovação legislativa em face do direito anterior, acolheu a novel construção doutrinária ao estabelecer, expressamente, que o alvo da prescrição é mesmo a pretensão, instituto de direito material. Dessa forma, a doutrina defende que "eventuais projeções ao direito de ação (em sentido processual) só se justificam de modo reflexo." Isso porque, sendo a pretensão e a ação em sentido material encobertas pela prescrição, o seu titular não pode se servir dos remédios processuais da ação em sentido processual. A doutrina adverte que "a consequência processual de não poder se servir da 'ação', no entanto, não tem o condão de explicar o instituto. Trata-se de um resultado decorrente de uma prévia eficácia que se sucedeu no direito material". Nessa esteira de intelecção, não se pode olvidar, ainda, que a "pretensão se submete ao princípio da indiferença das vias, isto é, pode ser exercida tanto judicial, quanto extrajudicialmente". Nesse sentido, ao cobrar extrajudicialmente o devedor, o credor está, efetivamente, exercendo sua pretensão, ainda que fora do processo. Se a pretensão é o poder de exigir o cumprimento da prestação, uma vez paralisada em razão da prescrição, não será mais possível exigir o referido comportamento do devedor, ou seja, não será mais possível cobrar a dívida. Logo, o reconhecimento da prescrição da pretensão impede tanto a cobrança judicial quanto a cobrança extrajudicial do débito. Não há, portanto, duas pretensões, uma veiculada por meio do processo e outra veiculada extrajudicialmente. Independentemente do instrumento utilizado, trata-se da mesma pretensão, haurida do direito material. É a pretensão e não o direito subjetivo que permite a exigência da dívida. Uma vez prescrita, resta impossibilitada a cobrança da prestação. Nessas situações, não há que se falar em pagamento indevido, nem sequer em enriquecimento sem causa, nos termos do art. 882 do Código Civil, uma vez que o direito subjetivo (crédito) continua a existir. O que não há, de fato, é a possibilidade de exigi-lo. (REsp 2.088.100-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/10/2023)
DIREITO PROCESSUAL PENAL - Condenação por danos morais. Ausência de indicação do quantum debeatur e de instrução específica. Divergência entre as turmas criminais do STJ. Particularidade do caso. Vítima pessoa jurídica. Necessidade de instrução específica independentemente da posição jurisprudencial adotada. Teoria geral da responsabilidade civil. Dano moral à pessoa jurídica. Efetiva comprovação de abalo à honra objetiva. Necessidade. É inviável fixar, na esfera penal, indenização mínima a título de danos morais, sem que tenha havido a efetiva comprovação do abalo à honra objetiva da pessoa jurídica. (AREsp 2.267.828-MG, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 17/10/2023, DJe 23/10/2023)
CLIPPING JURÍDICO #11 (14/10 a 22/10/2023)
LEGISLAÇÃO
Lei nº 14.698, de 19.10.2023 - Erige em monumento nacional o Caminho da Estrada Real, que abrange os Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
Lei nº 14.701, de 20.10.2023 - Regulamenta o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas; e altera as Leis nºs 11.460, de 21 de março de 2007, 4.132, de 10 de setembro de 1962, e 6.001, de 19 de dezembro de 1973
JURISPRUDÊNCIA
STJ – PROPOSTA DE AFETAÇÃO – TEMA 1215
A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps 2.038.833/MG, 2.048.768/DF e 2.049.969/DF ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "definir se nos crimes praticados contra a dignidade sexual configura bis in idem a aplicação simultânea da agravante genérica do art. 61, II, f, do Código Penal e a majorante específica do art. 226, II, do Código Penal. (ProAfR no REsp 2.038.833-MG, ProAfR no REsp 2.049.969-DF e ProAfR no REsp 2.048.768-DF)
STJ – PROPOSTA DE AFETAÇÃO – TEMA 1216
A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 2.050.957/SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "possibilidade de aplicação do instituto da consunção com o fim de reconhecer a absorção do crime de conduzir veículo automotor sem a devida permissão para dirigir ou sem habilitação (art. 309 do CTB) pelo crime de embriaguez ao volante (art. 306 do CTB). (ProAfR no REsp 2.050.957-SP)
DIREITO PROCESSUAL PENAL - Decisão de pronúncia. In dubio pro societate. Não aplicação. Standard probatório. Elevada probabilidade. Para a decisão de pronúncia, exige-se elevada probabilidade de que o réu seja autor ou partícipe do delito a ele imputado, não se aplicando o princípio in dubio pro societate. A pronúncia consubstancia um juízo de admissibilidade da acusação, razão pela qual o Juiz precisa estar "convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação" (art. 413, caput, do Código de Processo Penal). O juízo da acusação (judicium accusationis) funciona como um importante filtro pelo qual devem passar somente as acusações fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (judicium causae). A desnecessidade de prova cabal da autoria para a pronúncia levou parte da doutrina, acolhida durante tempo considerável pela jurisprudência, a defender a existência do in dubio pro societate, princípio que alegadamente se aplicaria a essa fase processual. Todavia, o fato de não se exigir um juízo de certeza quanto à autoria nessa fase não significa legitimar a aplicação da máxima in dubio pro societate, que não tem amparo no ordenamento jurídico brasileiro, e admitir que toda e qualquer dúvida autorize uma pronúncia. Trata-se, apenas, de analisar os requisitos para a submissão do acusado ao tribunal popular sob o prisma dos standards probatórios, os quais devem seguir uma tendência geral ascendente/progressiva e representam, segundo a doutrina, "regras que determinam o grau de confirmação que uma hipótese deve ter, a partir das provas, para poder ser considerada provada para os fins de se adotar uma determinada decisão". Essa tendência geral ascendente e progressiva decorre, também, de uma importante função política dos standards probatórios, qual seja, a de distribuir os riscos de erro entre as partes (acusação e defesa), erros estes que podem ser tanto falsos positivos quanto falsos negativos. Quanto mais embrionária a etapa da persecução penal e menos invasiva, restritiva e severa a medida ou decisão a ser adotada, mais tolerável é o risco de um eventual falso positivo (atingir um inocente) e, portanto, é mais atribuível à defesa suportar o risco desse erro; por outro lado, quanto mais se avança na persecução penal e mais invasiva, restritiva e severa se torna a medida ou decisão a ser adotada, menos tolerável é o risco de atingir um inocente e, portanto, é mais atribuível à acusação suportar o risco desse erro. Como a pronúncia se situa na penúltima etapa (antes apenas da condenação) e se trata de medida consideravelmente danosa para o acusado, que será submetido a julgamento imotivado por jurados leigos, o standard deve ser razoavelmente elevado e o risco de erro deve ser suportado mais pela acusação do que pela defesa, ainda que não se exija um juízo de total certeza para submeter o réu ao Tribunal do Júri. Deve-se distinguir a dúvida que recai sobre a autoria, a qual, se existentes indícios suficientes contra o acusado, só será dirimida ao final pelos jurados, porque é deles a competência para o derradeiro juízo de fato da causa, da dúvida quanto à própria presença dos indícios suficientes de autoria (metadúvida, dúvida de segundo grau ou de segunda ordem), que deve ser resolvida em favor do réu pelo magistrado na fase de pronúncia. Também na pronúncia, ainda que com contornos em certa medida distintos, tem aplicação o in dubio pro reo, pois, segundo a doutrina, "submeter a julgamento popular um acusado, mesmo quando há dúvidas da existência do crime ou de indícios suficientes de crimes, constitui uma temeridade. Isso porque não apenas se viola flagrantemente os direitos e as garantias constitucionais, como também porque aumenta a possibilidade de erros judiciais, tendo em vista que a condenação do acusado poderá ocorrer mesmo se os parâmetros probatórios necessários para a condenação não sejam atingidos". À luz da efetividade e da utilidade do processo, é preciso, como regra, que toda decisão que implique o prosseguimento do feito em desfavor do imputado, com início de nova etapa processual, realize dois juízos: um diagnóstico (retrospectivo) sobre a suficiência do que se produziu até aquele momento; outro prognóstico sobre o que se projeta para a próxima etapa, a fim de verificar se será viável superá-la. Na pronúncia, esse juízo prognóstico sobre a etapa vindoura (julgamento em plenário e condenação) seria ainda mais importante em virtude da ausência de fundamentação da decisão dos jurados; ou seja, considerando que, na etapa final do procedimento dos crimes dolosos contra a vida, o veredito é imotivado, adquire especial relevo o juízo prognóstico sobre a viabilidade da condenação. Isso esbarra, porém, em dois obstáculos impostos ao juiz togado: a) a impossibilidade de usurpar a competência constitucional dos jurados para o judicium causae e b) a necessidade de fundamentar de forma sucinta a decisão, sob pena de incorrer em excesso de linguagem, a teor do art. 413, § 1º, do CPP e influenciar negativamente os jurados contra o réu. Assim, o standard probatório para a decisão de pronúncia, quanto à autoria e à participação, situa-se entre o da simples preponderância de provas incriminatórias sobre as absolutórias (mera probabilidade ou hipótese acusatória mais provável que a defensiva), típico do recebimento da denúncia, e o da certeza além de qualquer dúvida razoável (BARD ou outro standard que se tenha por equivalente), necessário somente para a condenação. Exige-se para a pronúncia, portanto, elevada probabilidade de que o réu seja autor ou partícipe do delito a ele imputado. A adoção desse standard desponta como solução possível para conciliar os interesses em disputa dentro das balizas do ordenamento. Resguarda-se, assim, a função primordial de controle prévio da pronúncia sem invadir a competência dos jurados e sem permitir que o réu seja condenado pelo simples fato de a hipótese acusatória ser mais provável do que a sua negativa. (REsp 2.091.647-DF, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 26/9/2023, DJe 3/10/2023)
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR - Vazamento de dados bancários. Golpe do boleto. Tratamento de dados pessoais sigilosos de maneira inadequada. Art. 43 da LGPD. Facilitação da atividade criminosa. Fato do serviço. Dever de indenizar. Súmula 479/STJ. A instituição financeira responde pelo defeito na prestação de serviço consistente no tratamento indevido de dados pessoais bancários, quando tais informações são utilizadas por estelionatário para facilitar a aplicação de golpe em desfavor do consumidor. Nos termos do art. 14, § 1°, do CDC (Código de Defesa do Consumidor), o serviço é considerado defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração circunstâncias relevantes, como o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se conjecturam, e a época em que foi fornecido. A prestação do serviço de qualidade pelos fornecedores abrange o dever de segurança, que, por sua vez, engloba tanto a integridade psicofísica do consumidor, quanto sua integridade patrimonial. Consabidamente, o CDC é aplicável às instituições financeiras (Súmula 297/STJ), as quais devem prestar serviços de qualidade no mercado de consumo. No entendimento do Tema Repetitivo n. 466/STJ, que contribuiu para a edição da Súmula n. 479/STJ, as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros, como, por exemplo, abertura de conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno (REsp n. 1.197.929/PR, Segunda Seção, julgado em 24/8/2011, DJe 12/9/2011). Especificamente nos casos de golpes de engenharia social, não se pode olvidar que os criminosos são conhecedores de dados pessoais das vítimas, valendo-se dessas informações para convencê-las, por meio de técnicas psicológicas de persuasão - como a semelhança com o atendimento bancário verdadeiro -, a fim de atingir seu objetivo ilícito. Todavia, para sustentar o nexo causal entre a atuação dos estelionatários e o vazamento de dados pessoais pelo responsável por seu tratamento é imprescindível perquirir, com exatidão, quais dados estavam em poder dos criminosos, a fim de examinar a origem de eventual vazamento e, consequentemente, a responsabilidade dos agentes respectivos. Assim, para se imputar a responsabilidade às instituições financeiras, no que tange ao vazamento de dados pessoais que culminaram na facilitação de estelionato, deve-se garantir que a origem do indevido tratamento seja o sistema bancário. Os nexos de causalidade e imputação, portanto, dependem da hipótese concretamente analisada. Isso porque os dados sobre operações financeiras são, em regra, presumivelmente de tratamento exclusivo pelas instituições financeiras. Portanto, dados pessoais vinculados a operações e serviços bancários são sigilosos e cujo tratamento com segurança é dever das instituições financeiras. Desse modo, seu armazenamento de maneira inadequada, a possibilitar que terceiros tenham conhecimento dessas informações e causem prejuízos ao consumidor, configura falha na prestação do serviço (art. 14 do CDC e 43 da LGPD). (REsp 2.077.278-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 3/10/2023, DJe 9/10/2023)
DIREITO CIVIL, DIREITO DA SAÚDE - Protocolo Pediasuit. Procedimento não listado no rol da ANS. Cobertura pela operadora. Incidência da cláusula de coparticipação para atendimento ambulatorial. Previsão contratual. Não abusividade. Parâmetro para cobrança. Valor pago a título de contraprestação. O tratamento conforme o protocolo Pediasuit configura-se como uma forma de assistência ambulatorial, não se caracterizando como prática abusiva a cobrança de coparticipação pelo plano de saúde, desde que tal cobrança esteja prevista no contrato.
A coparticipação, segundo o art. 16, VIII, da Lei n. 9.656/1998, deve estar prevista no contrato. No caso, o Tribunal de origem registrou que as partes possuem contrato empresarial na modalidade coparticipação e que o contrato prevê a cobrança de coparticipação somente para os procedimentos de consulta, exames de rotina, exames especializados, atendimento ambulatorial e internação. Diante disso, passou-se a discutir se o tratamento com o protocolo Pediasuit se enquadra na hipótese de atendimento ambulatorial, a autorizar a cobrança da coparticipação prevista no contrato. O protocolo Pediasuit, é, em geral, aplicado em sessões conduzidas por fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e/ou fonoaudiólogos, dentro das respectivas áreas de atuação, sem a necessidade de internação ou mesmo da utilização de estrutura hospitalar, enquadrando-se, a despeito de sua complexidade, no conceito de atendimento ambulatorial, para os fins de direito. Assim, o tratamento com o protocolo Pediasuit pode ser objeto de cláusula contratual de coparticipação. O fato de o procedimento específico não estar incluído no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) não impede a cobrança da coparticipação correspondente estabelecida em contrato. A uma, porque essa contraprestação está vinculada à prévia cobertura pela operadora; a duas, porque o rol não é estático, mas está em constante e permanente atualização. É dizer, se a operadora atende à necessidade do beneficiário ao custear o procedimento ou evento, ainda que não listado no rol da ANS, opera-se o fato gerador da obrigação de pagar a coparticipação, desde que, evidentemente, haja clara previsão contratual sobre a existência do fator moderador e sobre as condições para sua utilização, e que, concretamente, sua incidência não revele uma prática abusiva. E para que a coparticipação não caracterize o financiamento integral do procedimento por parte do usuário ou se torne fator restritor severo de acesso aos serviços, é possível aplicar, por analogia, o disposto no art. 19, II, "b", da RN-ANS 465/2022, para limitar a cobrança "ao máximo de cinquenta por cento do valor contratado entre a operadora de planos privados de assistência à saúde e o respectivo prestador de serviços de saúde". (AgInt no REsp 1.870.789/SP, Terceira Turma, julgado em 18/5/2021, DJe 24/5/2021). No que tange à exposição financeira do titular, mês a mês, é razoável fixar como parâmetro, para a cobrança da coparticipação, o valor equivalente à mensalidade paga, de modo que o desembolso mensal realizado por força do mecanismo financeiro de regulação não seja maior que o da contraprestação paga pelo beneficiário. Assim, quando a coparticipação devida for superior ao valor de uma mensalidade, o excedente deverá ser dividido em parcelas mensais, cujo valor máximo se limita ao daquela contraprestação, até que se atinja o valor total. (REsp 2.001.108-MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 3/10/2023, DJe 9/10/2023)
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL - Guardas municipais. Exercício de atividade de segurança pública que não se equipara por completo às polícias. Art. 301 do CPP. Flagrante delito. Tráfico de drogas. Não ocorrência. Art. 244 do CPP. Busca pessoal. Ausência de relação com as finalidades da guarda municipal. Impossibilidade. Prova ilícita. O fato de as guardas municipais não haverem sido incluídas nos incisos do art. 144, caput, da CF não afasta a constatação de que elas exercem atividade de segurança pública e integram o Sistema Único de Segurança Pública. Isso, todavia, não significa que possam ter a mesma amplitude de atuação das polícias. (HC 830.530-SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 27/9/2023, DJe 4/10/2023)
RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DISCUSSÃO QUANTO À NECESSIDADE DE CUMPRIMENTO DA EXIGÊNCIA LEGAL DE REGULARIDADE FISCAL PELA RECUPERANDA, A PARTIR DAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N. 14.112/2020, COMO CONDIÇÃO À CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPLEMENTAÇÃO, NO ÂMBITO FEDERAL, DE PROGRAMA LEGAL DE PARCELAMENTO E DE TRANSAÇÃO FACTÍVEL. NECESSIDADE DE SUA DETIDA OBSERVÂNCIA. RECONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. A controvérsia posta no presente recurso especial centra-se em saber se, a partir da vigência da Lei n. 14.112/2020 (a qual estabeleceu medidas facilitadoras destinadas ao equacionamento das dívidas tributárias, conferindo ao Fisco, em contrapartida, maiores prerrogativas no âmbito da recuperação judicial, ainda que seu crédito a ela não se encontre subordinado), o cumprimento da exigência legal estabelecida no art. 57 da Lei n. 11.101/2005 – consistente na apresentação de certidões de regularidade fiscal pela recuperanda – consubstancia ou não condição à concessão da recuperação judicial, nos termos do art. 58 do mesmo diploma legal. 2. Durante os primeiros 15 (quinze) anos de vigência da Lei n. 11.101/2005, o crédito fiscal, embora concebido pelo legislador como preferencial, ficou relegado a um plano secundário. 2.1 A execução do crédito fiscal não tinha o condão de alcançar sua finalidade satisfativa, de toda inviabilizada, não apenas pela então admitida (e necessária) intervenção do Juízo recuperacional, mas, principalmente, pela própria dificuldade de se promover a persecução do crédito fiscal, em sua integralidade e de uma única vez, o que, caso fosse autorizada, frustraria por completo o processo de recuperação judicial, ainda que a empresa em crise financeira apresentasse condições concretas de soerguimento, auxiliada pelos esforços conjuntos e pelos sacrifícios impostos a todos credores. 2.2 A própria finalidade do processo recuperacional, de propiciar o soerguimento da empresa, com sua reestruturação econômico-financeira, mostrava-se, em certa medida, comprometida. É que, diante da absoluta paralisia da execução fiscal e da ausência de mecanismos legais idôneos a permitir a equalização do correlato crédito, o processo de recuperação judicial avançava, sem levar em consideração essa parte do passivo da empresa devedora comumente expressiva, culminando, primeiro, com a concessão da recuperação judicial, a qual, em tese, haveria de sinalizar o almejado saneamento, como um todo, de seus débitos e, num segundo momento, o encerramento da recuperação judicial, que, por sua vez, deveria refletir o efetivo atingimento da reestruturação econômico-financeira da recuperanda. Não obstante, encerrada, muitas vezes, a recuperação judicial, a empresa remanescia em situação deficitária, a considerar a magnitude dos débitos fiscais ainda em aberto, a ensejar, inarredavelmente, novos endividamentos. 3. Em janeiro de 2021, entrou em vigor a citada Lei n. 14.112/2020 com o declarado propósito de aprimorar o processo das recuperações e de falência, buscando suprir as inadequações apontadas e destacadas pela doutrina e pela jurisprudência entre as disposições legais originárias e a prática, a fim de atingir, efetivamente, as finalidades precípuas dos institutos estabelecidos na lei. 4. A partir da exposição de motivos e, principalmente, das disposições implementadas pela Lei 14.112/2020 – que se destinaram a melhor estruturar o parcelamento especial do débito fiscal (no âmbito federal) para as empresas em recuperação judicial (art. 10-A e 10-B da Lei n. 10.522/2022), bem como a estabelecer a possibilidade de a empresa em recuperação judicial realizar, com a União, suas autarquias e fundações, transação resolutiva de litígio relativa a créditos inscritos em dívida ativa, nos moldes da Lei 13.988/2020, a chamada Lei do Contribuinte Legal (10-C da Lei n. 10.522/2022), com o estabelecimento de grave consequência para o caso de descumprimento – pode-se afirmar, com segurança, o inequívoco propósito do legislador de conferir concretude à exigência de regularidade fiscal a empresa em recuperação judicial (cuja previsão, nos arts. 57 e 58 da LRF, remanesceu incólume, a despeito da abrangente alteração promovida na Lei n. 11.101/2005). 5. O novo tratamento legal conferido ao crédito fiscal, com repercussão direta e imbrincada no processo de recuperação judicial, deve ser analisado dentro do sistema em que inserido. 5.1 A fim de dar concretude à preferência legal conferida ao crédito de titularidade da Fazenda Pública, a Lei n. 14.112/2020 reconheceu, expressamente, a competência do Juízo da execução fiscal para determinar a constrição de bens da empresa recuperanda para fazer frente à totalidade do débito, e reduziu, substancialmente, a competência do Juízo da recuperação judicial, limitada a determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial. Ciente, porém, de que a satisfação integral do débito fiscal, por meio de constrições judiciais realizadas no bojo da execução fiscal sobre o patrimônio já combalido da empresa, tem o indiscutível potencial de comprometer o processo recuperacional como um todo, o legislador implementou o direito subjetivo do contribuinte/devedor em recuperação judicial ao parcelamento de seu débito fiscal (ou a transação e outros modos de composição) estipulando sua quitação no considerável prazo de 10 (dez) anos, com o escalonamento ali previsto. 5.2 A equalização do crédito fiscal – que pode se dar por meio de um programa legal de parcelamento factível, efetivamente implementado por lei especial – tem o condão, justamente, de impedir e de tornar sem efeito as incursões no patrimônio da empresa em recuperação judicial na execução fiscal, providência absolutamente necessária para a viabilização de seu soerguimento. 5.3 Dúvidas não remanescem quanto à conclusão de que a satisfação do crédito fiscal, por meio do parcelamento e da transação postos à disposição do contribuinte em recuperação judicial, no prazo de 10 (dez) anos, apresenta-se indiscutivelmente mais benéfica aos interesses da recuperanda do que a persecução do crédito fiscal, em sua integralidade e de um única vez, no bojo da execução fiscal. 5.4 A exigência da regularidade fiscal, como condição à concessão da recuperação judicial, longe de encerrar um método coercitivo espúrio de cumprimento das obrigações, constituiu a forma encontrada pela lei para, em atenção aos parâmetros de razoabilidade, equilibrar os relevantes fins do processo recuperacional, em toda a sua dimensão econômica e social, de um lado, e o interesse público titularizado pela Fazenda Pública, de outro. Justamente porque a concessão da recuperação judicial sinaliza o almejado saneamento, como um todo, de seus débitos, a exigência de regularidade fiscal da empresa constitui pressuposto da decisão judicial que assim a declare. 5.5 Sem prejuízo de possíveis críticas pontuais, absolutamente salutares ao aprimoramento do ordenamento jurídico posto e das decisões judiciais que se destinam a interpretá-lo, a equalização do débito fiscal de empresa em recuperação judicial, por meio dos instrumentos de negociação de débitos inscritos em dívida ativa da União estabelecidos em lei, cujo cumprimento deve se dar no prazo de 10 (dez) anos (se não ideal, não destoa dos parâmetros da razoabilidade), apresenta-se – além de necessária – passível de ser implementada. 5.6 Em coerência com o novo sistema concebido pelo legislador no tratamento do crédito fiscal no processo de recuperação judicial, a corroborar a imprescindibilidade da comprovação da regularidade fiscal como condição à concessão da recuperação judicial, o art. 73, V, da LRF estabeleceu o descumprimento do parcelamento fiscal como causa de convolação da recuperação judicial em falência. 6. Não se afigura mais possível, a pretexto da aplicação dos princípios da função social e da preservação da empresa vinculados no art. 47 da LRF, dispensar a apresentação de certidões negativas de débitos fiscais (ou de certidões positivas, com efeito de negativas), expressamente exigidas pelo art. 57 do mesmo veículo normativo, sobretudo após a implementação, por lei especial, de um programa legal de parcelamento factível, que se mostrou indispensável a sua efetividade e ao atendimento a tais princípios. 7. Em relação aos débitos fiscais de titularidade da Fazenda Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a exigência de regularidade fiscal, como condição à concessão da recuperação judicial, somente poderá ser implementada a partir da edição de lei específica dos referidos entes políticos (ainda que restrita em aderir aos termos da lei federal). 8. Recurso especial improvido, devendo a parte recorrente comprovar a regularidade fiscal, no prazo estipulado pelo Juízo a quo, sob pena de suspensão do processo de recuperação judicial, com a imediata retomada do curso das execuções individuais e de eventuais pedidos de falência, enquanto não apresentadas as certidões a que faz referência o art. 57 da LRF. (STJ, 3ª Turma, REsp 2.053.240/SP, relator o Ministor Marco Aurélio Bellizze, j. em 17/10/2023)
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. TELEFONIA. PLANO DE EXPANSÃO. CONTRATOS. PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. CUMPRIMENTO. SENTENÇA. LIQUIDAÇÃO. DOCUMENTOS. JUNTADA TARDIA. IMPOSSIBILIDADE. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NEGATIVA. AFASTAMENTO. CAUSA DE PEDIR REMOTA. AUSÊNCIA. JURISDIÇÃO. ALCANCE. COISA JULGADA. EFEITOS. LIMITAÇÃO. CONTRADITÓRIO. AMPLA DEFESA. PREJUÍZO. VÍCIO TRANSRESCISÓRIO. RECONHECIMENTO. 1. A controvérsia dos autos está em verificar i) a ocorrência, ou não, da negativa de prestação jurisdicional alegada e ii) a possibilidade, ou não, da juntada de documentos que dão suporte à causa de pedir apenas na fase de cumprimento de sentença. 2. Não se reconhece a alegada negativa de prestação jurisdicional, quando o órgão julgador dirime todas as questões que lhe foram postas à apreciação, de forma clara e completa, embora não tenha acolhido a pretensão da parte. 3. Segundo a jurisprudência do STJ, a juntada tardia de documentos, mesmo nas hipóteses em que não se verifique a má-fé ou a intenção de surpreender o juízo, só é permitida quando a documentação a ser juntada não seja indispensável à propositura da ação. Precedentes. 4. A causa de pedir é elemento essencial da petição inicial e esta, a seu turno, instrumentaliza a pretensão deduzida em juízo, provocando a jurisdição. Ausente a causa de pedir remota, a jurisdição fica prejudicada, esvaziando-se o alcance da coisa julgada em relação aos elementos probatórios que não foram anexados aos autos durante a instrução do processo e, portanto, não foram examinados em juízo. 5. O vício transrescisório pode ser reconhecido a qualquer termo, mediante ação própria (querela nullitatis) ou no curso do cumprimento de sentença. Precedente. 6. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, 3ª Turma, REsp 1.632.501/SP, relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 12/9/2023).
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VEDAÇÃO À DECISÃO SURPRESA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PRÉVIA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. NULIDADE. FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO IMPUGNADOS. SÚMULA 283/STF. ASSOCIAÇÃO CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE. ALCANCE. PATRIMÔNIO DE DIRIGENTES E ASSOCIADOS COM PODERES DE GESTÃO. REQUISITOS VERIFICADOS PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. FIXAÇÃO DE VERBA HONORÁRIA. INADMISSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. A suposta nulidade do acórdão recorrido, decorrente da ofensa ao princípio do contraditório, não foi objeto de debate pelas instâncias ordinárias. O prequestionamento é exigência inafastável contida na própria previsão constitucional, impondo-se como um dos principais pressupostos ao conhecimento do recurso especial, a atrair, por consequência, o óbice das Súmulas n. 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.
2. Ao enfrentar a questão referente à nulidade decorrente da ausência de liquidação, o aresto recorrido destacou que a matéria está preclusa para a associação executada, pois ela foi intimada para se manifestar sobre o cumprimento de sentença, mas permaneceu inerte por mais de 2 (dois) anos, sendo inviável que somente agora venha a ser aduzida tal tese. Contudo, o referido fundamento do acórdão recorrido não foi objeto de impugnação especifica nas razões do recurso especial. Assim, a manutenção de algum argumento que, por si só, sustenta o acórdão recorrido torna inviável o conhecimento do apelo especial, atraindo a aplicação do enunciado n. 283 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
3. Há diferença estrutural e funcional entre as sociedades e associações, na medida em que, ao se desconsiderar a personalidade jurídica de determinada sociedade, alcança-se um contrato societário, o qual vincula seus sócios no plano obrigacional, destacando-se o seu elemento pessoal. De outro lado, as associações são marcadas por um negócio jurídico firmado entre elas e seus associados, mas sem nenhum vínculo obrigacional, conforme comando do parágrafo único do art. 53 do CC, de modo que o elemento pessoal não lhe é inerente.
4. É admissível a desconsideração da personalidade jurídica de associação civil, contudo a responsabilidade patrimonial deve ser limitada apenas aos associados que estão em posições de poder na condução da entidade, pois seria irrazoável estender a responsabilidade patrimonial a um enorme número de associados que pouco influenciaram na prática dos atos associativos ilícitos.
5. No caso dos autos, a desconsideração da personalidade jurídica da associação está atingindo apenas o patrimônio daqueles associados que exerceram algum cargo diretivo e com poder de decisão dentro da entidade, bem como se reconheceu o abuso da personalidade jurídica, porquanto o regime jurídico próprio das formas associativas sofreu distorções e desvirtuamento de seu propósito. Infirmar tais conclusões demandaria o reexame de provas, o que é vedado nesta instância extraordinária, sob pena de incidência do óbice da Súmula 7/STJ.
6. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, não é cabível a fixação de honorários sucumbenciais em incidente processual diante da ausência de previsão legal, ressalvadas hipóteses excepcionais em que comprovada a extinção ou alteração substancial do processo principal.
7. Recurso especial parcialmente conhecido para, nessa extensão, negar-lhe provimento. (STJ, 3ª Turma, REsp 1.812.929/DF, relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. em 12/9/2023)
HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. DIREITO PROCESSUAL PENAL. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, IMPETRADO QUANDO O PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DA VIA RECURSAL CABÍVEL NA CAUSA PRINCIPAL AINDA NÃO HAVIA FLUÍDO. INADEQUAÇÃO DO PRESENTE REMÉDIO. PRECEDENTES. EVENTUAL SUPERVENIÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO QUE AGREGA ÓBICE À COGNIÇÃO DO PEDIDO. ART. 105, INCISO I, ALÍNEA E, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DESCABIMENTO DE CONCESSÃO DE ORDEM DE OFÍCIO. ALEGAÇÃO DE PARCIALIDADE DO JUIZ PRESIDENTE DO TRIBUNAL DO JÚRI. REEXAME DE PROVAS.
IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. COMPETÊNCIA PARA JULGAR OS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA ATRIBUÍDA CONSTITUCIONALMENTE AO CONSELHO DE SENTENÇA, E NÃO AO JUIZ DE DIREITO. EVENTUAL INFLUÊNCIA NEGATIVA DA CONDUÇÃO DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA, PELO MAGISTRADO TOGADO, SOBRE OS JURADOS, NEM SEQUER ALEGADA NA INICIAL DO WRIT.
PEDIDO DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. Hipótese na qual as indagações do Juiz Presidente do Tribunal do Júri ao inquirir a irmã da Vítima durante a sessão plenária guardam absoluta relação com a causa, formuladas para que se esclarecesse quem em regra iniciava as constantes agressões mútuas (se a Ofendida, que foi morta, ou seu companheiro, o Réu, ora Paciente). Ainda que se possa conjecturar que o Juiz de Direito tenha sido incisivo em seus questionamentos, não há como concluir que atuou na condução do feito de forma parcial.
2. A "suspeição, via de regra, é assunto impróprio ao veio restrito do habeas corpus, pois, além de ter o meio adequado (exceção), a análise de eventual motivo para afastar o magistrado de um processo demanda revolvimento de aspectos fáticos não condizentes com a via eleita" (STJ, HC 405.958/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 5/12/2017, DJe 12/12/2017).
3. A alegada suspeição do Juiz Togado parece até ser, in casu, desinfluente para a solução da controvérsia, porque o Magistrado Presidente não tem competência constitucional para julgar os crimes dolosos contra a vida. Em outras palavras, também não há como reconhecer o alegado vício porque o mérito da causa não foi analisado pelo Juiz de Direito, mas pelos Jurados.
4. Na espécie presume-se ainda que a Defesa nem sequer cogitou de eventual influência negativa do Magistrado Togado, sobre os jurados, ao inquirir testemunhas, pois essa conjuntura não foi alegada na inicial. Assim, incide a regra prevista no art. 563, do Código de Processo Penal – a positivação do dogma fundamental da disciplina das nulidades –, de que o reconhecimento de vício que enseja a anulação de ato processual exige a efetiva demonstração de prejuízo (pas de nullité sans grief).
5. E, ainda que assim não fosse, cabe referir que a doutrina ressalta que o munus de julgar confere ao leigo responsabilidade, além de provocar-lhe o sentimento de civismo ( v.g , NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri: 9.ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2022. p. 22). É por isso que não se pode compreender que tão somente uma postura mais firme (ou até mesmo dura) do Magistrado Presidente influencie negativamente os Jurados – a quem a Constituição da República pressupôs a plena capacidade de discernimento, ao conceber o direito fundamental do Tribunal do Jú ri (art. 5.º, inciso XXXVIII).
6. Sem a demonstração de configuração de quais quer das hipóteses legais que configurem a suspeição do juiz, referidas no art. 254 do Código de Processo Penal, não há nulidade a ser reconhecida. Por todos esses fundamentos, e em homenagem ao princípio da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri (art. 5.º, inciso XXXVIII, alínea c, do Texto Constitucional), a hipótese não é de afastamento da conclusão do Conselho de Sentença, possível somente em circunstâncias excepcionais.
7. Pedido de habeas corpus não conhecido. (STJ, 6ª Turma, HC 6.821.181/RJ, relatora a Ministra Laurita Vaz, j. em 168/5/2023)
EMBARGOS INFRINGENTES - TRÁFICO DE DROGAS - ANTECEDENTES DESABONADORES CONFIGURADOS - CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06 - CIRCUNSTÂNCIA OBSTATIVA - EMBARGOS REJEITADOS
- Condenação criminal definitiva por crime anterior, ainda que transitada em julgado em data posterior aos fatos, configura maus antecedentes, a obstar o reconhecimento da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06.
V.v. Embargos infringentes. Tráfico de drogas. Prova de dedicação à atividade criminosa a partir de relato policial. Impossibilidade. Requisitos do art. 33, § 4º, da Lei nº 13.343/06. Embargos acolhidos. - A inserção no ordenamento da causa de diminuição no tráfico privilegiado teve por escopo diferenciar aquele que não é dedicado a ilícitos penais, daquele que efetivamente se dedica ao tráfico de drogas com maior potencialidade lesiva à sociedade. - Para que se fundamente a negativa da minorante pelo argumento de ``dedicação a atividade criminosa'', como desdobramento do próprio Princípio da Presunção de Inocência, imprescindível a existência de dados concretos que indiquem tal situação. - Embargos acolhidos. (Embargos Infringentes e de Nulidade nº 1.0024.09.573710-2/004 - Comarca de Belo Horizonte - Embargante: H.S.S. - Embargado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Relator: Des. Matheus Chaves Jardim)
CLIPPING JURÍDICO #10 (7/10 a 11/10/2023)
JURISPRUDÊNCIA
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Alimentos. Execução por quantia certa. Rito expropriatório. Prestações vincendas. Inclusão. Possibilidade. É possível a inclusão das prestações alimentícias vencidas no curso da execução, ainda que o credor opte pelo procedimento da coerção patrimonial, previsto no art. 528, § 8º, do CPC/2015, em observância dos princípios da efetividade, da celeridade e da economia processual. A controvérsia resume-se à possibilidade de inclusão no saldo devedor das prestações não pagas que vencerem no curso da execução de alimentos, ajuizada pelo rito da expropriação patrimonial. O rito da execução de alimentos por expropriação, não há previsão específica de inclusão das prestações vincendas, conforme depreende-se do disposto no art. 528, § 8º, do CPC/2015. Apenas no rito da prisão há previsão legal de incluir na execução as prestações que vencerem no curso do processo: art. 52, § 7º O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo. Contudo, deve-se conferir à norma uma interpretação lógico-sistemática, a fim de compreender seu alcance no conjunto do sistema jurídico. Sob esse aspecto, a inclusão das prestações a vencer no curso da execução não deve ser restrita ao rito da coerção pessoal, pois esse entendimento induziria o exequente a optar pelo procedimento mais gravoso ao executado - o da prisão. Isso porque se o credor for obrigado a ajuizar nova ação cada vez que a prestação alimentar vencer e não for paga, será para ele muito mais célere e menos dispendiosa a execução dos alimentos, desde logo, pelo rito da prisão, reclamando o pagamento das últimas três prestações e das vencidas em seu curso, ou, ainda, pelo ajuizamento da execução por ambos ritos - coerção pessoal (prisão) e coerção patrimonial (penhora) -, por ser possível a cumulação dos procedimentos, conforme entendimento da Quarta Turma (REsp 1.930.593/MG, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe 26/8/2022). Por conseguinte, ao se permitir a inclusão das parcelas vincendas no curso da execução de alimentos pelo rito da constrição patrimonial, evita-se a propositura de novas execuções com base na mesma relação jurídica, observando-se os princípios da efetividade, da celeridade e da economia processual. (Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 12/9/2023)
AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA DE NATUREZA REPETITIVA. DANO AMBIENTAL. OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO. ARTS. 3º, IV, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/81. NATUREZA PROPTER REM E SOLIDÁRIA. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS ATUAIS POSSUIDORES OU PROPRIETÁRIOS, ASSIM COMO DOS ANTERIORES, OU DE AMBOS. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015, aplicando-se, no caso, o Enunciado Administrativo 3/2016, do STJ, aprovado na sessão plenária de 09/03/2016 ("Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC").
II. A controvérsia ora em apreciação, submetida ao rito dos recursos especiais repetitivos, nos termos dos arts. 1.036 a 1.041 do CPC/2015, restou assim delimitada: "As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores ou, ainda, dos sucessores, à escolha do credor".
III. A matéria afetada encontra atualmente consubstanciada na Súmula 623/STJ, publicada no DJe de 17/12/2018: "As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor".
IV. Esse enunciado sumular lastreia-se em jurisprudência do STJ que, interpretando a legislação de regência, consolidou entendimento no sentido de que "a obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem, por isso que a Lei 8.171/91 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por eventuais desmatamentos anteriores, máxime porque a referida norma referendou o próprio Código Florestal (Lei 4.771/65) que estabelecia uma limitação administrativa às propriedades rurais (...)" (REsp 1.090.968/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJe de 03/08/2010). Segundo essa orientação, o atual titular que se mantém inerte em face de degradação ambiental, ainda que pré-existente, comete ato ilícito, pois a preservação das áreas de preservação permanente e da reserva legal constituem "imposições genéricas, decorrentes diretamente da lei. São, por esse enfoque, pressupostos intrínsecos ou limites internos do direito de propriedade e posse (...) quem se beneficia da degradação ambiental alheia, a agrava ou lhe dá continuidade não é menos degradador" (STJ, REsp 948.921/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 11/11/2009). No mesmo sentido: "Não há cogitar, pois, de ausência de nexo causal, visto que aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outrem está, ele mesmo, praticando o ilícito" (STJ, REsp 343.741/PR, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, DJU de 07/10/2002). Atualmente, o art. 2º, § 2º, da Lei 12.651/2012 expressamente atribui caráter ambulatorial à obrigação ambiental, ao dispor que "as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural". Tal norma, somada ao art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81 – que estabelece a responsabilidade ambiental objetiva –, alicerça o entendimento de que "a responsabilidade pela recomposição ambiental é objetiva e propter rem, atingindo o proprietário do bem, independentemente de ter sido ele o causador do dano" (STJ, AgInt no REsp 1.856.089/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 25/06/2020).
V. De outro lado, o anterior titular de direito real, que causou o dano, também se sujeita à obrigação ambiental, porque ela, além de ensejar responsabilidade civil, ostenta a marca da solidariedade, à luz dos arts. 3º, IV, e 14, § 1º, da Lei 6.938/81, permitindo ao demandante, à sua escolha, dirigir sua pretensão contra o antigo proprietário ou possuidor, contra os atuais ou contra ambos. Nesse sentido: "A ação civil pública ou coletiva por danos ambientais pode ser proposta contra poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental (art. 3º, IV, da Lei 6.898/91), co-obrigados solidariamente à indenização, mediante a formação litisconsórcio facultativo" (STJ, REsp 884.150/MT, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJe de 07/08/2008). E ainda: "Na linha da Súmula 623, cabe relembrar que a natureza propter rem não afasta a solidariedade da obrigação ambiental. O caráter adesivo da obrigação, que acompanha o bem, não bloqueia a pertinência e os efeitos da solidariedade. Caracterizaria verdadeiro despropósito ético-jurídico que a feição propter remservisse para isentar o real causador (beneficiário da deterioração) de responsabilidade" (STJ, AgInt no AREsp 1.995.069/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 05/09/2022).VI. Assim, de acordo com a mais atual jurisprudência do STJ, "a responsabilidade civil por danos ambientais é propter rem, além de objetiva e solidária entre todos os causadores diretos e indiretos do dano" (AgInt no AREsp 2.115.021/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 16/03/2023).
VII. Situação que merece exame particularizado é a do anterior titular que não deu causa a dano ambiental ou a irregularidade. A hipótese pode ocorrer de duas formas. A primeira acontece quando o dano é posterior à cessação do domínio ou da posse do alienante, situação em que ele, em regra, não pode ser responsabilizado, a não ser que, e.g., tenha ele, mesmo já sem a posse ou a propriedade, retornado à área, a qualquer outro título, para degradá-la, hipótese em que responderá, como qualquer agente que realiza atividade causadora de degradação ambiental, com fundamento no art. 3º, IV, da Lei 6.938/81, que prevê, como poluidor, o "responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental". Isso porque a obrigação do anterior titular baseia-se no aludido art. 3º, IV, da Lei 6.938/81, que torna solidariamente responsável aquele que, de alguma forma, realiza "atividade causadora de degradação ambiental", e, consoante a jurisprudência, embora a responsabilidade civil ambiental seja objetiva, "há de se constatar o nexo causal entre a ação ou omissão e o dano causado, para configurar a responsabilidade" (STJ, AgRg no REsp 1.286.142/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/02/2013). Em igual sentido: "A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade. Excetuam-se à regra, dispensando a prova do nexo de causalidade, a responsabilidade de adquirente de imóvel já danificado porque, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos, imputa-se ao novo proprietário a responsabilidade pelos danos. Precedentes do STJ. A solidariedade nessa hipótese decorre da dicção dos arts. 3º, inc. IV, e 14, § 1º, da Lei 6.398/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente)" (STJ, REsp 1.056.540/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 14/09/2009). A segunda situação a ser examinada é a do anterior titular que conviveu com dano ambiental pré-existente, ainda que a ele não tenha dado causa, alienando o bem no estado em que o recebera. Nessa hipótese, não há como deixar de reconhecer a prática de omissão ilícita, na linha da jurisprudência do STJ, que – por imperativo ético e jurídico –não admite que aquele que deixou de reparar o ilícito, e eventualmente dele se beneficiou, fique isento de responsabilidade. Nessa direção: "Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem" (STJ, REsp 650.728/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 02/12/2009). Sintetizando esse entendimento, conclui-se que o anterior titular só não estará obrigado a satisfazer a obrigação ambiental quando comprovado que não causou o dano, direta ou indiretamente, e que este é posterior à cessação de sua propriedade ou posse.
VIII. No caso concreto, o acórdão recorrido conta com motivação suficiente e não deixou de se manifestar sobre a matéria cujo conhecimento lhe competia, permitindo, por conseguinte, a exata compreensão e resolução da controvérsia, não havendo falar em descumprimento aos arts. 489, § 1º, VI, e 1.022, II, do CPC/2015, tal como demonstra o parecer ministerial.IX. No mérito, é incontroverso que as partes firmaram, em 11/12/2006, Termo de Ajustamento de Conduta, no qual se pactuou que a parte ora recorrida viria a requerer, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, à Secretaria de Estado de Meio Ambiente - SEMA/MS ou Instituto do Meio Ambiente - Pantanal - IMAP, atual IMASUL, licenciamento ou autorização conforme as exigências da Lei 4.771/65. Comprometeu-se a parte recorrida, ainda, a encaminhar, em 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias, documentação que atendesse às exigências da mesma Lei. Nenhuma das obrigações foi satisfeita, pelo que o Juízo de 1º Grau determinou a sua conversão em perdas e danos, com realização de perícia, a ser custeada pela ora recorrida. Considerando que, em 13/03/2008, o imóvel objeto do TAC, Fazenda Olho D´Água, teve sua propriedade transferida para terceiro, o Tribunal de origem declarou a ilegitimidade da parte recorrida para ocupar o polo passivo da execução, entendendo que a natureza propter rem da obrigação isentaria o anterior proprietário de responsabilidade, "mormente para efetuar o pagamento dos honorários periciais".
X. O acórdão recorrido está em desacordo com o entendimento fixado no presente julgamento, razão pela qual merece ele reforma, para restabelecer a decisão de 1º Grau que, reconhecendo a responsabilidade ambiental e a legitimidade passiva da parte ora recorrida, atribuiu-lhe o ônus de pagar honorários periciais para apuração do valor das perdas e danos decorrentes do inadimplemento das obrigações de fazer, impostas no Termo de Ajustamento de Conduta.
XI. Tese jurídica firmada: "As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo possível exigi-las, à escolha do credor, do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores, ou de ambos, ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente." XII. Caso concreto: Recurso Especial conhecido e provido.
XIII. Recurso julgado sob a sistemática dos recursos especiais representativos de controvérsia (art. 1.036 e seguintes do CPC/2005 e art. 256-N e seguintes do RISTJ). (STJ, 1ª Seção, REsp 1.962.089/MS, relatora a Ministra Assusete Magalhães)
APELAÇÃO CRIMINAL - PROVIMENTO PARCIAL PARA DESCLASSIFICAR A CONDUTA PREVISTA NO ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL PARA A TIPIFICADA NO ART. 215-A DO MESMO DIPLOMA LEGAL - INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ART. 1.030, II, DO CPC - JUÍZO DE RETRATAÇÃO EXERCIDO - SENTENÇA CONFIRMADA.
- Se a posição manifestada no acórdão recorrido no sentido de que o ato praticado pelo réu - beijo lascivo -, por sua brevidade e superficialidade não configurava a conduta prevista art. 217-A do Código Penal, mas, sim, a tipificada no art. 215-A do mesmo diploma legal, entendimento esse afrontoso ao cristalizado no Tema nº 1121, devendo ser exercido o juízo de retratação (art. 1.030, II, CPC), para fins de se manter a condenação do réu pelo delito de estupro de vulnerável.
- Nos termos dos art.1.040, inciso II, e 1.041, caput, do CPC, a Turma Julgadora do Tribunal de origem deve apenas reapreciar a decisão, não havendo vinculação ao julgamento proferido pelo eg. Superior Tribunal de Justiça, podendo a c. Câmara optar por manter ou reformar o acórdão, ficando preservada a sua livre convicção.
- O Direito Penal não admite presunções absolutas, sob pena de se promover a responsabilização penal objetiva.
- À luz do princípio da proporcionalidade, o cometimento de atos libidinosos de menor gravidade, sem qualquer contato intenso com partes íntimas ou circunstâncias que denotem maior reprovabilidade, autorizam a adequação típica à norma do art. 215-A do CP. (Apelação Criminal nº 1.0143.17.002927-4/001 - Comarca de Carmo do Paranaíba - Apelante: V.C.M. - Apelado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Relator: Des.ª Beatriz Pinheiro Caires (Presidente)).
CLIPPING JURÍDICO #9 (29/9 a 6/10/2023)
LEGISLAÇÃO
Emenda Constitucional Nº 130, de 3.10.2023 - Altera o art. 93 da Constituição Federal para permitir a permuta entre juízes de direito vinculados a diferentes tribunais.
Emenda Constitucional Nº 131, de 3.10.2023 - Altera o art. 12 da Constituição Federal para suprimir a perda da nacionalidade brasileira em razão da mera aquisição de outra nacionalidade, incluir a exceção para situações de apatridia e acrescentar a possibilidade de a pessoa requerer a perda da própria nacionalidade.
Lei Nº 14.690, de 3.10.2023 - Institui o Programa Emergencial de Renegociação de Dívidas de Pessoas Físicas Inadimplentes – Desenrola Brasil; estabelece normas para facilitação de acesso a crédito e mitigação de riscos de inadimplemento e de superendividamento de pessoas físicas; altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nºs 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 10.522, de 19 de julho de 2002 e 12.087, de 11 de novembro de 2009; e revoga dispositivo da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), e a Medida Provisória nº 1.176, de 5 de junho de 2023.
Lei Nº 14.691, de 3.10.2023 - Altera as Leis nºs 12.340, de 1º de dezembro de 2010, e 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para destinar parcela das arrecadações de recursos financeiros advindos do pagamento de multas por crimes e infrações ambientais e de acordos judiciais e extrajudiciais de reparação de danos socioambientais para o Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap)
JURISPRUDÊNCIA
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL, DIREITOS HUMANOS - Tráfico de drogas. "Nemo tenetur se detegere". Direito de mentir. Inexistência. Suposta mentira do réu interrogatório. Falsa atribuição de crime a outrem. Dosimetria. Aumento da pena-base. Valoração como circunstância judicial negativa. Impossibilidade. Fato não comprovado e posterior ao delito imputado. O fato de o réu mentir em interrogatório judicial, imputando prática criminosa a terceiro, não autorização a majoração da pena-base. (HC 834.126-RS, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 5/9/2023, DJe 13/9/2023.)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Penhora. Patrimônio. Terceiro. Grupo econômico. Pessoa jurídica executada. Desconsideração da personalidade jurídica. Incidente processual. Necessidade de instauração. Uma empresa do mesmo grupo econômico da parte executada só pode ter seus bens bloqueados se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica for previamente instaurado, não sendo suficiente mero redirecionamento do cumprimento de sentença contra quem não integrou a lide na fase de conhecimento. A previsão de responsabilidade civil subsidiária, inerente ao direito material, não exclui a observância das normas processuais, garantidoras do contraditório e da ampla defesa, incluindo, entre outras, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Nesse aspecto, numa interpretação sistemática do Código de Defesa do Consumidor, é possível observar que a previsão de responsabilidade civil subsidiária das sociedades integrantes de um mesmo grupo encontra-se inserida na seção que trata da desconsideração da personalidade jurídica. Dessa forma, para que uma empresa, pertencente ao mesmo grupo econômico da executada, sofra constrição patrimonial, é necessária prévia observância dos procedimentos específicos da desconsideração da personalidade jurídica, que pode ser instaurada, inclusive, na fase de cumprimento de sentença ou na execução fundada em título executivo extrajudicial, nos termos do art. 134 do CPC. Ressalte-se que a instauração do incidente de desconsideração é norma processual de observância obrigatória, como forma de garantir o devido processo legal. Nesse sentido, a Terceira Turma desta Corte manifestou-se quanto à impossibilidade de mero redirecionamento do cumprimento de sentença àquele que não integrou a lide na fase de conhecimento: Uma vez formado o título executivo judicial contra uma ou algumas das sociedades, poderão responder todas as demais componentes do grupo, desde que presentes os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica, na forma do art. 28, § 2º, do CDC, sendo inviável o mero redirecionamento da execução contra aquela que não participou da fase de conhecimento. (AgInt no REsp 1.875.845/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 16/5/2022, DJe 19/5/2022.) (REsp 1.864.620-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 12/9/2023)
DIREITO CIVIL - Contribuições condominiais. Cumprimento de sentença. Natureza propter rem do débito. Alienação fiduciária em garantia. Penhora do imóvel. Possibilidade. Em execução por dívida condominial movida pelo condomínio edilício, é possível a penhora do próprio imóvel que dá origem ao débito, ainda que esteja alienado fiduciariamente, devendo o condomínio exequente promover a prévia citação também do credor fiduciário, a fim de que venha integrar a execução, facultando-lhe a oportunidade de quitar o débito condominial. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que entende que não é possível a penhora do imóvel alienado fiduciariamente em execução de despesas condominiais de responsabilidade do devedor fiduciante, na forma dos arts. 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997 e 1.368-B, parágrafo único, do CC/2002, uma vez que o bem não integra o seu patrimônio, mas sim o do credor fiduciário. Admitindo-se, contudo, a penhora do direito real de aquisição derivado da alienação fiduciária, de acordo com os arts. 1.368-B, caput, do CC/2002, c/c o art. 835, XII, do CPC (REsp 2.036.289/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18/4/2023, DJe 20/4/2023). Tal solução se mostra correta para o contexto, para um credor comum, o credor normal de um condômino, naquela situação. O credor não poderá penhorar o imóvel do devedor, por estar o bem alienado fiduciariamente ao credor fiduciário, sendo este o titular da propriedade resolúvel da coisa imóvel. Porém, quando o credor do condômino devedor é o próprio condomínio a solução não se ajusta. É que relativamente ao próprio condomínio-credor, dada a natureza propter rem das despesas condominiais, nos termos do art. 1.345 do Código Civil, haverá necessidade de se promover a citação, na ação de execução, também do credor fiduciário no aludido contrato para que venha integrar a lide, possibilitando ao titular do direito previsto no contrato de alienação fiduciária quitar o débito condominial existente e, em ação regressiva, tentar obter do devedor fiduciante o retorno desses valores. A razão para tanto está em que não se pode cobrir o credor fiduciário de imunidade contra dívida condominial, outorgando-lhe direitos maiores do que aqueles que tem qualquer proprietário. Quer dizer, o proprietário fiduciário não é um proprietário especial, detentor de maiores direitos do que o proprietário comum de imóvel em condomínio edilício. A natureza propter rem se sobreleva ao direito do próprio credor fiduciário, dado que não é justo que se coloque nos ombros dos demais condôminos a obrigação de arcar com o rateio daquelas despesas, tendo em vista que, de um lado, o devedor fiduciante se sente confortável em não pagar, porque sabe que o apartamento não poderia ser objeto de nenhuma constrição. E, de outro lado, o credor fiduciário se sente tranquilo também, porque, recebendo o dinheiro correspondente ao empréstimo que realizou, não será importunado no seu direito de propriedade, apesar da existência de débitos condominiais que pairam sem uma definição de pagamento. Dessa forma, é dever de o condomínio exequente promover a citação do credor fiduciário a fim de que ele venha integrar a execução, facultando-lhe a oportunidade de quitar o débito condominial para não ver o imóvel ser arrematado em praça na execução e, assim, se creditar para, em ação regressiva, buscar o ressarcimento desse valor junto ao devedor fiduciante. (REsp 2.059.278-SC, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. para acórdão Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 23/5/2023, DJe 12/9/2023)
DIREITO PENAL - Latrocínio. Subtração de um só patrimônio. Pluralidade de vítimas da violência. Concurso formal impróprio. Descabimento. Overruling. Adequação à jurisprudência do STF. Subtraído um só patrimônio, a pluralidade de vítimas da violência não impede o reconhecimento de crime único de latrocínio. Na origem, houve a condenação por três crimes de latrocínio tentado, em concurso formal impróprio, quando, na verdade, foram atingidos apenas dois patrimônios. É certo que o entendimento adotado pelas instâncias ordinárias encontra respaldo na jurisprudência do STJ, no sentido de que há concurso formal impróprio no crime de latrocínio quando, não obstante houver a subtração de um só patrimônio, o animus necandi seja direcionado a mais de um indivíduo, ou seja, a quantidade de latrocínios será aferida a partir do número de vítimas em relação às quais foi dirigida a violência, e não pela quantidade de patrimônios atingidos. No entanto, essa posição destoa da orientação do Supremo Tribunal Federal, que têm afastado o concurso formal impróprio, e reconhecido a ocorrência de crime único de latrocínio, nas situações em que, embora o animus necandi seja dirigido a mais de uma pessoa, apenas um patrimônio tenha sido atingido. Por essa razão, mostra-se prudente proceder ao overruling da jurisprudência deste Tribunal Superior, adequando-a à firme compreensão do STF acerca do tema. No caso, as instâncias ordinárias afirmaram que houve desígnios autônomos em relação ao animus necandi, motivo pelo qual entenderam pelo concurso formal impróprio, o qual deve ser afastado, nos termos do entendimento do STF. No entanto, é inviável o reconhecimento de crime único, porque foram atingidos dois patrimônios distintos. Nesse contexto, deve ser reconhecida a prática de dois delitos de latrocínio, na forma tentada, em concurso formal próprio, pois não foi mencionado pela Corte de origem que também teria havido autonomia de desígnios em relação às subtrações patrimoniais, mas tão somente no tocante ao animus necandi. (AgRg no AREsp 2.119.185-RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 13/9/2023, DJe 19/9/2023).
DIREITO CIVIL - Compra e venda de imóvel. Alienação fiduciária em garantia. Registro do contrato em cartório. Ausência. Efeitos entre os contratante. Validade. Alienação extrajudicial. Registro. Imprescindibilidade. A ausência de registro do contrato que serve de título à propriedade fiduciária no Registro de Imóveis não retira a validade do ajuste entre os contratantes, bem como não impede o credor fiduciário de, após a efetivação do registro, promover a alienação extrajudicial do bem. Ainda que o registro do contrato no competente Registro de Imóveis seja imprescindível à constituição da propriedade fiduciária de coisa imóvel, nos termos do art. 23 da Lei n. 9.514/1997, sua ausência não retira a validade e a eficácia dos termos livre e previamente ajustados entre os contratantes, inclusive da cláusula que autoriza a alienação extrajudicial do imóvel em caso de inadimplência. O reconhecimento da validade e da eficácia do contrato de alienação fiduciária, mesmo sem o registro no Ofício de Registro de Imóveis, opera-se em favor de ambas as partes da relação contratual. Com efeito, constituída a propriedade fiduciária, com o consequente desdobramento da posse, o credor fiduciário perde o direito de livre disposição do bem. Nessa hipótese, somente se houver inadimplência do devedor fiduciante, e após a consolidação da propriedade, observado o procedimento previsto no art. 26 da Lei n. 9.514/1997, poderá o credor fiduciário alienar o objeto da garantia. Assim, mesmo na ausência de registro, ao devedor fiduciante deve ser assegurado o direito de não ter o imóvel objeto da garantia alienado fora das hipóteses legalmente admitidas e de obter o termo de quitação após o pagamento integral da dívida e de seus encargos, com vistas à consolidação da propriedade definitiva do imóvel. Se assim não fosse, o credor fiduciário poderia requerer o distrato mesmo sem o inadimplemento do devedor fiduciário, gerando enorme insegurança jurídica para este último. Em contrapartida, por se tratar de contrato bilateral, com a assunção de obrigações recíprocas, também deve ser reconhecido o direito de o credor fiduciário utilizar os meios contratuais de execução da garantia em caso de inadimplência do devedor fiduciante, mesmo na hipótese em que a avença não é levada a registro. Ressalta-se que o registro, conquanto despiciendo para conferir eficácia ao contrato de alienação fiduciária entre devedor fiduciante e credor fiduciário, é, sim, imprescindível para dar início à alienação extrajudicial do imóvel, tendo em vista que a constituição do devedor em mora e a eventual purgação desta se processa perante o Oficial de Registro de Imóveis, nos moldes do art. 26 da Lei n. 9.514/1997. Assim, admitir a rescisão do contrato de alienação fiduciária de bem imóvel com base nas normas de proteção ao direito do consumidor, ou seja, com a devolução da maior parte dos valores pagos e a retenção de um pequeno percentual a título de ressarcimento de eventuais despesas, seria desvirtuar por completo o instituto, que certamente cairia em desuso, em prejuízo dos próprios consumidores de imóveis, que teriam maior dificuldade de acesso ao crédito e juros mais elevados. Entende-se, desse modo, que a ausência de registro do contrato que serve de título à propriedade fiduciária no competente Registro de Imóveis não confere ao devedor fiduciante o direito de promover a rescisão da avença por meio diverso daquele contratualmente previsto, tampouco impede o credor fiduciário de, após a efetivação do registro, promover a alienação do bem em leilão para só então entregar eventual saldo remanescente ao adquirente do imóvel, descontados os valores da dívida e das demais despesas efetivamente comprovadas. (EREsp 1.866.844-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por maioria, julgado em 27/9/2023).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO FALIMENTAR - Tramitação de falências envolvendo empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico. Lei n. 11.101/2005. Necessidade de reunião das ações falimentares perante o juízo do local do principal estabelecimento do devedor. A existência de grupo econômico entre as empresas envolvidas impõe que as falências devem ser reunidas perante o juízo onde fica localizado o principal estabelecimento do devedor conforme estabelecido no art. 3º da Lei 11.101/2005. (CC 183.402-MG, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 27/9/2023)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Cumprimento espontâneo de sentença. Ação de reembolso. Ausência de impugnação tempestiva por parte do credor. Preclusão. Configuração. No cumprimento de sentença, na hipótese de o credor não manifestar oposição aos termos do requerimento de cumprimento espontâneo apresentado pelo devedor, cabe ao juiz declarar satisfeita a obrigação e extinguir o processo em razão da preclusão. Trata-se, na origem, de cumprimento de sentença que tem por objeto ação de reembolso julgada procedente para reembolsar a sócio as ações a que tem direito em decorrência da sua saída do quadro societário de sociedade anônima, conforme o valor patrimonial destas, a serem avaliadas por ocasião do pagamento. A sociedade empresária deu início ao cumprimento espontâneo da sentença, informando que o seu balanço patrimonial estava negativo, motivo pelo qual nada haveria a ser reembolsado. Intimado, o sócio retirante nada requereu, mesmo tendo feito carga dos autos. Nessa linha, apresentados os cálculos pela sociedade anônima, ainda que negativos e conforme interpretação unilateral da sentença, uma vez que devidamente intimado e silente o recorrido, somente se apresentava uma solução ao magistrado: a homologação dos cálculos. Sendo assim, ainda que ausente a declaração de homologação acima descrita, uma vez que não se poderia chegar a resultado diverso, cumpre reconhecer haver-se operado a preclusão temporal quanto a eventual direito de impugnação acerca dos cálculos e termos do cumprimento de sentença apresentados, o que, em última análise, convola-se em coisa julgada, preclusão máxima. Não por outro motivo, o CPC/2015 deu vida ao art. 526, §§ 1º e 3, do CPC, determinando que, não havendo oposição aos termos do requerimento de cumprimento espontâneo apresentado pelo devedor, cabe ao juiz declarar satisfeita a obrigação e extinguir o processo. (REsp 2.077.205-GO, Rel. Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/9/2023)
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NATUREZA JURÍDICA DE DEMANDA INCIDENTAL. LITIGIOSIDADE. EXISTÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. FIXAÇÃO. CABIMENTO.
1. O fator determinante para a condenação ao pagamento de honorários advocatícios não pode ser estabelecido a partir de critérios meramente procedimentais, devendo ser observado o êxito obtido pelo advogado mediante o trabalho desenvolvido.
2. O CPC de 2015 superou o dogma da unicidade de julgamento, prevendo expressamente as decisões de resolução parcial do mérito, sendo consequência natural a fixação de honorários de sucumbência.
3. Apesar da denominação utilizada pelo legislador, o procedimento de desconsideração da personalidade jurídico tem natureza jurídica de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido.
4. O indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo.
5. Recurso especial conhecido e não provido. (STJ, 3ª Turma, REsp 1.925.959/SP, relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 12/9/2023)
BANCÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. TAXA CDI. UTILIZAÇÃO COMO CORREÇÃO MONETÁRIA. INADMISSIBILIDADE. ÍNDICE QUE NÃO REFLETE A DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA, MAS UMA REMUNERAÇÃO DEVIDA EM EMPRÉSTIMOS INTERBANCÁRIOS. RECURSO
ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. A correção monetária não causa o ganho de capital pelo credor, mas apenas mantém inalterado seu patrimônio, evitando o enriquecimento do devedor, que deve devolver a quantia emprestada com preservação do valor real do patrimônio, que, naturalmente foi corroído pela inflação durante o período em que o dinheiro esteve à disposição do mutuário.
2. Considerando que a correção monetária contempla índice que recompõe a desvalorização da moeda, a aplicação da taxa CDI a este título se mostra mesmo inadequada, em razão da sua própria
natureza.
3. Recurso especial não provido. (STJ, 3ª Turma, REsp 2.081.432/SC, relator o Ministro Moura Ribeiro, j. em 22/8/2023)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DEMOLITÓRIA - AUSÊNCIA DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO - ART. 334 DO CPC - TEMA Nº 69 - RECONHECIMENTO DA REVELIA - PREJUÍZO PARA O RÉU - NULIDADE DO PROCESSO
- No julgamento do IRDR nº 1.0000.17.027556-4/003, Tema nº 69 IRDR, foi fixada a seguinte tese: ``É obrigatória a realização de audiência preliminar a que alude o art. 334 do CPC, quando inexistente manifestação expressa de ambas as partes pelo desinteresse na composição consensual. - É nulo o processo, quando o juiz, diante da manifestação de apenas uma das partes, deixa de designar a audiência de conciliação prevista no art. 334 do CPC.''
- No caso dos autos deve ser reconhecida a nulidade do processo, em virtude do evidente prejuízo para o réu, uma vez que a audiência prevista no art. 334 do CPC não foi realizada (apesar da inexistência de manifestação expressa de ambas as partes pelo desinteresse), foi decretada a revelia, com consequente procedência do pedido inicial. (Apelação Cível nº 1.0000.23.149074-9/001 - Comarca de Itabira - Apelante: Vagner Augusto da Silva - Apelado: Município de Itabira - Relator: Des. Wagner Wilson Ferreira
CLIPPING JURÍDICO #8 (25/9 a 29/09/2023)
JURISPRUDÊNCIA
DIREITO PENAL - Homicídio culposo na direção de veículo automotor. Incidência da agravante prevista no art. 298, inciso I, do CTB. Possibilidade. Não há incompatibilidade entre a agravante do art. 298, inciso I, do CTB e os delitos de trânsito culposos. O Tribunal de origem aplicou a agravante do art. 298, inciso I, do Código de Trânsito Brasileiro em razão do dano no veículo da vítima e, ainda, ao potencial dano para as pessoas que passavam pelo local. De fato, a doutrina e a jurisprudência majoritárias somente admitem a incidência das agravantes previstas no inciso II do artigo 61 do Código Penal aos crimes dolosos, por absoluta incompatibilidade com o delito culposo, cujo resultado é involuntário. Contudo, verifica-se, em relação a agravante do art. 298, I, do CTB ("dano potencial para duas ou mais pessoas ou com grande risco de grave dano patrimonial a terceiros"), que a norma visou proteger do autor do homicídio culposo, além da vítima, as demais pessoas que forem colocadas em risco, bem como o patrimônio de terceiros. Não há, pois, nenhuma incompatibilidade entre a referida agravante e as figuras típicas culposas, que também têm o potencial de colocar em risco outras pessoas além da vítima. (AgRg no AREsp 2.391.112-SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 12/9/2023, DJe 19/9/2023)
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL, DIREITOS HUMANOS -Lei Maria da Penha - Lei n. 11.340/2006. Medida protetiva de urgência. Ação de obrigação de não fazer, com pedidos de tutelas provisórias. Risco à integridade da vítima de violência doméstica. Legitimidade do Ministério Público para requerer atos inibitórios. Art. 26 da Lei n. 11.340/2006. Art. 1º da Lei n. 8.625/1993. Direito individual indisponível. O Ministério Público possui legitimidade para requerer, em ação civil pública, medida protetiva de urgência em favor de mulher vítima de violência doméstica. A controvérsia refere-se à legitimidade, ou não, do Ministério Público para requerer, em ação civil pública, medida protetiva de urgência em favor de mulher vítima de violência doméstica. O art. 25 da Lei n. 11.343/2006 determina que o Ministério Público é legítimo para atuar nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher. A Primeira Seção desta Corte Superior, em recurso repetitivo, firmou a tese de que o Ministério Público é parte legítima para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos nas demandas de saúde propostas contra os entes federativos, mesmo quando se tratar de feitos contendo beneficiários individualizados, porque se trata de direitos individuais indisponíveis. Segundo este Tribunal, o limite para a legitimidade da atuação judicial do Ministério Público vincula-se à disponibilidade, ou não, dos direitos individuais vindicados, isto é, tratando-se de direitos individuais disponíveis, e não havendo uma lei específica autorizando, de forma excepcional, a atuação dessa instituição permanente, não se pode falar em legitimidade de sua atuação. Contudo, se se tratar de direitos ou interesses indisponíveis, a legitimidade ministerial decorre do art. 1º da Lei n. 8.625/1993. Outrossim, esta Corte entende que é viável a ação civil pública não apenas para tutelar conflitos de massa (direitos transindividuais), mas também se revela como o meio pertinente à tutela de direitos e interesses indisponíveis e/ou que detenham suficiente repercussão social, aproveitando, em maior ou menor medida, toda a coletividade. A medida protetiva de urgência requerida para resguardar interesse individual de mulher vítima de violência doméstica tem natureza indisponível, e, pela razoabilidade, não se pode entender pela disponibilidade do direito, haja vista que a Lei 11.340/2006 surgiu no ordenamento jurídico brasileiro como um dos instrumentos que resguardam os tratados internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é parte, e assumiu o compromisso de resguardar a dignidade humana da mulher, dentre eles, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. A Lei Maria da Penha foi criada como mecanismo para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8° do art. 226 da Constituição da República, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Portanto, conclui-se que, no âmbito do combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, por se tratar de direito individual indisponível, o MP possui legitimidade para atuar tanto na esfera jurídica penal, quanto na cível, nos termos do art. 1º da Lei n. 8.625/1993 e art. 25 da Lei n. 11.340/2006. REsp 1.828.546-SP, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 12/9/2023, DJe 15/9/2023)
DIREITO CIVIL - Transporte aéreo. Cancelamento de voo. Responsabilidade civil da sociedade que apenas vendeu as passagens. Inexistência. Serviço de emissão das passagens devidamente prestado. Culpa exclusiva da companhia aérea pelo descumprimento do contrato. Art. 14, § 3º, incisos I e II, do Código de Defesa do Consumidor. A vendedora de passagem aérea não responde solidariamente com a companhia aérea pelos danos morais e materiais experimentados pelo passageiro em razão do cancelamento do voo. Cinge-se a controvérsia a saber se a sociedade empresarial que apenas vendeu as passagens aéreas tem responsabilidade pelo cancelamento do voo. Inicialmente, constata-se que na ocorrência da compra de passagem, não houve nenhum defeito na prestação do serviço contratado junto à sociedade empresária, pois as passagens aéreas foram devidamente emitidas, não lhe incumbindo a responsabilidade pelo efetivo cumprimento do contrato de transporte aéreo com a companhia. Com efeito, os fatos demonstram a incidência da exclusão de responsabilidade do fornecedor, prevista no art. 14, § 3º, incisos I e II, do Código de Defesa do Consumidor, pois, de um lado, não existe defeito em relação à prestação do serviço que incumbia à empresa que intermediou a venda da passagem (emissão dos bilhetes aéreos), e, de outro, houve culpa exclusiva de terceiro, companhia aérea, no tocante ao cancelamento do voo contratado. Conquanto as normas do Estatuto Consumerista (CDC) tenham como finalidade a busca pelo equilíbrio nas relações de consumo, trazendo princípios e regras próprias para proteger o consumidor de eventuais prejuízos na aquisição de produtos e serviços, dentre as quais está a responsabilidade solidária, a sua aplicação não pode ultrapassar os limites da razoabilidade, tanto que o próprio diploma consumerista traz hipóteses de exclusão da responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços. (REsp 2.082.256-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por maioria, julgado em 12/9/2023, DJe 21/9/2023)
DIREITO DO CONSUMIDOR - Responsabilidade objetiva de instituição financeira. Fraude perpetrada por terceiro. Contratação de mútuo. Movimentações atípicas e alheias ao padrão de consumo. A instituição financeira responde objetivamente por falha na prestação de serviços bancários ao permitir a contratação de empréstimo por estelionatário. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é aplicável às instituições financeiras (Súmula n. 297/STJ), as quais devem prestar serviços de qualidade no mercado de consumo. O dever de segurança é noção que abrange tanto a integridade psicofísica do consumidor, quanto sua integridade patrimonial. Como consequência, é dever da instituição financeira verificar a regularidade e a idoneidade das transações realizadas pelos consumidores, desenvolvendo mecanismos capazes de dificultar fraudes perpetradas por terceiros, independentemente de qualquer ato dos consumidores. Veja-se que, nas fraudes e nos golpes de engenharia social, geralmente são efetuadas diversas operações em sequência, num curto intervalo de tempo e em valores elevados. Em razão desta combinação de fatores, as transações feitas por criminosos destoam completamente do perfil do consumidor e, portanto, podem e devem ser identificadas pelos bancos. A conduta das instituições financeiras de se manter inerte perante a ocorrência de diversas transações atípicas em poucos minutos concorre para permitir os golpes aplicados em seus correntistas. Assim, o nexo causal é estabelecido ao se concluir que poderia a instituição financeira ter evitado o dano sofrido em decorrência dos golpes, caso adotasse medidas de segurança mais eficazes. No entendimento do Tema Repetitivo 466/STJ, que contribuiu para a edição da Súmula 479/STJ, as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros como, por exemplo, abertura de conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno (REsp 1.197.929/PR, Segunda Seção, julgado em 24/8/2011, DJe 12/9/2011). Mesma lógica se aplica à hipótese em que o falsário, passando-se por funcionário da instituição financeira e após ter instruído o consumidor a aumentar o limite de suas transações, contrata mútuo com o banco e, na mesma data, vale-se do alto montante contratado e dos demais valores em conta corrente para quitar obrigações relacionadas, majoritariamente, a débitos fiscais de ente federativo diverso daquele em que domiciliado o consumidor. (REsp 2.052.228-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/9/2023, DJe 15/9/2023)
REPERCUSSÃO GERAL – STF – TEMA 1.276 – RECONHECIMENTO
RE 1419890 em que se discute “à luz dos artigos 5º, XXXVI, e 37, XV e § 5º, da Constituição Federal, se, em relação de trato sucessivo, o ato administrativo de concessão de determinada vantagem financeira se configura como termo inicial do prazo decadencial para que a Administração reveja tal ato.”
REPETITIVO – STJ – TEMA 1.212 – AFETAÇÃO
“Definir se nos crimes praticados contra a dignidade sexual configura bis in idem a aplicação simultânea da agravante genérica do art. 61, II, f, do Código Penal e a majorante específica do art. 226, II, do Código Penal.”
REPETITIVO – STJ – TEMA 1.216 – AFETAÇÃO
“Possibilidade de aplicação do instituto da consunção com o fim de reconhecer a absorção do crime de conduzir veículo automotor sem a devida permissão para dirigir ou sem habilitação (art. 309 do CTB) pelo crime de embriaguez ao volante (art. 306 do CTB).”
RECURSOS REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA – GRUPO 37
O primeiro-vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Desembargador Alberto Vilas Boas, em 27/9/2023, admitiu os Recursos Especiais nºs 1.0000.21.249657-4/003, 1.0000.22.065892-6/003 e 1.0000.22.196430-7/003 como representativos de controvérsia do Grupo de Representativos 37, criado para dirimir a questão jurídica delimitada nos seguintes termos: "recurso em que se discute se há necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da tese firmada em julgamento de IRDR para sua aplicação nos processos correlatos e, por conseguinte, se a reclamação apresentada com o objetivo de ver aplicada a tese fixada em IRDR é admissível independentemente do trânsito em julgado da referida tese."
RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. PRÉVIA NOTIFICAÇÃO. NECESSIDADE. NOTIFICAÇÃO POR E-MAIL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CORRESPONDÊNCIA AO ENDEREÇO DO CONSUMIDOR. 1. Ação de cancelamento de registro e indenizatória ajuizada em 10/12/2021, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 16/2/2023 e concluso ao gabinete em 11/5/2023. 2. O propósito recursal consiste em dizer se a notificação prévia à inscrição do consumidor em cadastro de inadimplentes, prevista no §2º, do art. 43, do CDC, pode ser realizada, exclusivamente, por e-mail. 3. O Direito do Consumidor, como ramo especial do Direito, possui autonomia e lógica de funcionamento próprias, notadamente por regular relações jurídicas especiais compostas por um sujeito em situação de vulnerabilidade. Toda legislação dedicada à tutela do consumidor tem a mesma finalidade: reequilibrar a relação entre consumidores e fornecedores, reforçando a posição da parte vulnerável e, quando necessário, impondo restrições a certas práticas comerciais. 4. É dever do órgão mantenedor do cadastro notificar o consumidor previamente à inscrição - e não apenas de que a inscrição foi realizada -, conferindo prazo para que este tenha a chance (I) de pagar a dívida, impedindo a negativação ou (II) de adotar medidas extrajudiciais ou judiciais para se opor à negativação quando ilegal. 5. Na sociedade brasileira contemporânea, fruto de um desenvolvimento permeado, historicamente, por profundas desigualdades econômicas e sociais, não se pode ignorar que o consumidor, parte vulnerável da relação, em muitas hipóteses, não possui endereço eletrônico (e-mail) ou, quando o possui, não tem acesso facilitado a computadores, celulares ou outros dispositivos que permitam acessá-lo constantemente e sem maiores dificuldades, ressaltando-se a sua vulnerabilidade técnica, informacional e socioeconômica. 6. A partir de uma interpretação teleológica do §2º, do art. 43, do CDC, e tendo em vista o imperativo de proteção do consumidor como parte vulnerável, conclui-se que a notificação do consumidor acerca da inscrição de seu nome em cadastro restritivo de crédito exige o envio de correspondência ao seu endereço, sendo vedada a notificação exclusiva através de e-mail. 7. Na hipótese dos autos, merece reforma o acórdão recorrido, com o cancelamento da inscrição mencionada na inicial, pois, à luz das disposições do CDC, não se admite a notificação do consumidor, exclusivamente, através de e-mail. 8. No que diz respeito à eventual compensação por danos morais, não é possível o seu arbitramento neste momento processual, pois não se extrai dos fatos delineados pelo acórdão recorrido a existência ou não, em nome da parte autora, de inscrições preexistentes e válidas além daquela que compõe o objeto da presente demanda, o que afastaria a caracterização do dano extrapatrimonial alegado. 9. Recurso especial conhecido e provido para determinar o cancelamento da inscrição mencionada na exordial por ausência da notificação exigida pelo art. 43, § 2º, do CDC, e o retorno dos autos à origem para que examine a caracterização ou não dos danos morais, a partir das peculiaridades da hipótese concreta. (STJ, REsp 2.070.073/RS, relatora a Ministra Nancy Andrighi, j. em 13/6/2023)
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. USUFRUTO. USO EXCLUSIVO. ARBITRAMENTO DE ALUGUEL. DIREITO REAL SOBRE IMÓVEL. AUSÊNCIA DE REGISTRO EM CARTÓRIO DE IMÓVEIS. PRESCINDIBILIDADE. NEGÓCIO JURÍDICO EXISTENTE, VÁLIDO E EFICAZ ENTRE AS PARTES. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional. 2. O usufruto é direito real sobre coisa, direito ou patrimônio não próprios, limitado no tempo e adstrito à destinação econômica do objeto usufruído, ficando o proprietário com a nuapropriedade da coisa, pois não pode usar ou fruir, cabendo-lhe apenas dispor. 3. O art. 1.391 do CC determina que a constituição do usufruto sobre imóvel depende do registro em Cartório de Registro de Imóveis. A principal função dessa determinação legal é exatamente dar publicidade ao instituto, de maneira que possa ser oponível a terceiros, pois o registro é requisito para eficácia erga omnes do direito real. 4. Contudo, na discussão envolvendo apenas a usufrutuária e a nua-proprietária, não há óbice para que a parte diretamente beneficiária do ato busque a proteção do seu direito em relação à outra, independentemente do registro. 5. No caso em apreço, vê-se que o usufruto sobre 2 (dois) imóveis foi instituído por testamento lavrado em escritura pública perante tabelião de notas, de modo que, em relação à usufrutuária e à nua-proprietária, o negócio jurídico era existente, válido e eficaz. Ademais, a nuaproprietária já vinha pagando parte dos valores dos aluguéis decorrentes do uso exclusivo dos bens, não podendo agora alegar a ausência do registro para se esquivar do pagamento, sob pena de enriquecimento sem causa e ofensa ao princípio do venire contra factum proprium. 6. Recurso especial desprovido. (STJ, REsp 1.860.313/SP, relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze)
CLIPPING JURÍDICO #7 (16/9 a 22/9/2023)
LEGISLAÇÃO
Lei Nº 14.689, de 20.9.2023 - Disciplina a proclamação de resultados de julgamentos na hipótese de empate na votação no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf); dispõe sobre a autorregularização de débitos e a conformidade tributária no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda, sobre o contencioso administrativo fiscal e sobre a transação na cobrança de créditos da Fazenda Pública; altera o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, e as Leis nºs 6.830, de 22 de setembro de 1980 (Lei de Execução Fiscal), 9.430, de 27 de dezembro de 1996, 13.988, de 14 de abril de 2020, 5.764, de 16 de dezembro de 1971, 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e 10.150, de 21 de dezembro de 2000; e revoga dispositivo da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002.
Lei Nº 14.688, de 20.9.2023 - Altera o Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), a fim de compatibilizá-lo com o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e com a Constituição Federal, e a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), para classificar como hediondos os crimes que especifica.
JURISPRUDÊNCIA
SÚMULA STJ N. 658 - O crime de apropriação indébita tributária pode ocorrer tanto em operações próprias, como em razão de substituição tributária. (Terceira Seção. Aprovada em 13/9/2023).
SÚMULA STJ N. 659 - A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações. (Terceira Seção. Aprovada em 13/9/2023).
SÚMULA STJ N. 660 - A posse, pelo apenado, de aparelho celular ou de seus componentes essenciais constitui falta grave. (Terceira Seção. Aprovada em 13/9/2023).
SÚMULA STJ N. 661 - A falta grave prescinde da perícia do celular apreendido ou de seus componentes essenciais. (Terceira Seção. Aprovada em 13/9/2023).
SÚMULA STJ N. 662 - Para a prorrogação do prazo de permanência no sistema penitenciário federal, é prescindível a ocorrência de fato novo; basta constar, em decisão fundamentada, a persistência dos motivos que ensejaram a transferência inicial do preso. (Terceira Seção. Aprovada em 13/9/2023).
IAC - DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO TRIBUTÁRIO - Execução fiscal. Competência delegada. Justiça Federal e Justiça Estadual. Regra de transição prevista no art. 75 da Lei 13.043/2014. Revogação pela EC 103/2019. Não ocorrência. Manutenção na Justiça Estadual. CC 188.314-SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 13/9/2023 (IAC 15/STJ).
RECURSOS REPETITIVOS - DIREITO PROCESSUAL PENAL - Interrogatório do réu. Inversão da ordem prevista no art. 400 do CPP. Cumprimento de carta precatória. Nulidade que se sujeita à preclusão temporal e a demonstração de prejuízo à defesa. Tema 1114. O interrogatório do réu é o último ato da instrução criminal. A inversão da ordem prevista no art. 400 do CPP tangencia somente à oitiva das testemunhas e não ao interrogatório. O eventual reconhecimento da nulidade se sujeita à preclusão, na forma do art. 571, I e II, do CPP, e à demonstração do prejuízo para o réu. (REsp 1.933.759-PR e REsp 1.946.472-PR, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Terceira Seção, por maioria, julgado em 13/9/2023 (Tema 1114)).
RECURSOS REPETITIVOS - DIREITO DO CONSUMIDOR - Plano de saúde. Paciente pós-cirurgia bariátrica. Dobras de pele. Cirurgias plásticas. Necessidade. Natureza e finalidade. Caráter funcional e reparador. Cobertura. Restabelecimento integral da saúde. (Tema 1069) - (I) É de cobertura obrigatória pelos planos de saúde a cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional indicada pelo médico assistente, em paciente pós-cirurgia bariátrica, visto ser parte decorrente do tratamento da obesidade mórbida; (II) Havendo dúvidas justificadas e razoáveis quanto ao caráter eminentemente estético da cirurgia plástica indicada ao paciente pós-cirurgia bariátrica, a operadora de plano de saúde pode se utilizar do procedimento da junta médica, formada para dirimir a divergência técnico-assistencial, desde que arque com os honorários dos respectivos profissionais e sem prejuízo do exercício do direito de ação pelo beneficiário, em caso de parecer desfavorável à indicação clínica do médico assistente, ao qual não se vincula o julgador. (REsp 1.870.834-SP e REsp 1.872.321-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 13/09/2023, DJe 19/9/2023. (Tema 1069)).
RECURSOS REPETITIVOS - DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CIVIL
Tema - Servidor público aposentado. Revisão administrativa. Mais de cinco anos desde o ato de aposentação. Reconhecimento do direito à contagem de tempo especial com reflexo financeiro favorável ao aposentado. Realinhamento da administração federal ao quanto decidido pelo TCU no acórdão n. 2008/2006 (conforme orientações normativas 3 e 7, de 2007, do MPOG). Pretensão em receber as respectivas diferenças desde a data da aposentação, e não somente a contar da edição do acórdão do TCU (2006). Impossibilidade. Reconhecimento de direito que não implicou renúncia tácita à prescrição por parte da administração. Inaplicabilidade do art. 191 do Código Civil na espécie. Regime jurídico-administrativo de direito público que exige lei autorizativa própria para fins de renúncia à prescrição já consumada em favor da administração. - Não ocorre renúncia tácita à prescrição (art. 191 do Código Civil), a ensejar o pagamento retroativo de parcelas anteriores à mudança de orientação jurídica, quando a Administração Pública, inexistindo lei que, no caso concreto, autorize a mencionada retroação, reconhece administrativamente o direito pleiteado pelo interessado. (REsp 1.925.192-RS, REsp 1.925.193-RS e REsp 1.928.910-RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 13/9/2023 (Tema 1109)).
RECURSOS REPETITIVOS - DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PASEP. Má gestão dos valores depositados. Saques indevidos. Legitimidade passiva do Banco do Brasil. Prescrição decenal prevista no art. 205 do Código Civil. Termo inicial da prescrição. Teoria da actio nata. Ciência dos desfalques na conta individualizada. Tema 1150. I) O Banco do Brasil tem legitimidade passiva ad causam para figurar no polo passivo de demanda na qual se discute eventual falha na prestação do serviço quanto a conta vinculada ao PASEP, saques indevidos e desfalques, além da ausência de aplicação dos rendimentos estabelecidas pelo Conselho Diretor do referido programa; II) A pretensão ao ressarcimento dos danos havidos em razão dos desfalques em conta individual vinculada ao PASEP se submete ao prazo prescricional decenal previsto pelo artigo 205 do Código Civil; e III) O termo inicial para a contagem do prazo prescricional é o dia em que o titular, comprovadamente, toma ciência dos desfalques realizados na conta individual vinculada ao PASEP. (REsp 1.895.936-TO, REsp 1.895.941-TO e REsp 1.951.931-DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 13/9/2023 (Tema 1150)).
RECURSOS REPETITIVOS - DIREITO AMBIENTAL - Dano ambiental. Obrigação de reparação. Natureza propter rem e solidária. Alienante cujo direito real cessou antes da causação do dano. Isenção. Tema 1204. As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo possível exigi-las, à escolha do credor, do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores, ou de ambos, ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente. (REsp 1.953.359-SP e REsp 1.962.089-MS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 14/9/2023. (Tema 1204)).
RECURSOS REPETITIVOS - DIREITO AMBIENTAL - Multas administrativas. Infração ambiental. Prévia aplicação de advertência. Desnecessidade. Tema 1159. A validade das multas administrativas por infração ambiental, previstas na Lei n. 9.605/1998, independe da prévia aplicação da penalidade de advertência. (REsp 1.984.746-AL e REsp 1.993.783-PA, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 13/9/2023, DJe 19/9/2023 (Tema 1159)).
REPERCUSSÃO GERAL – STF – TEMA 1.270 - ADMISSÃO
Em que se discute “à luz dos artigos 5º, caput, XXXV, XXXVI, LIV e LXXVIII, 127, caput, e 129, III e IX, da Constituição Federal, se o interesse público do qual se reveste o Ministério Público, enquanto legitimado extraordinário para propor a ação civil pública, alcança a perseguição do efetivo ressarcimento dos prejuízos globalmente causados pela pessoa que atentou contra as normas jurídicas de caráter público, lesando os consumidores, ou se a liquidação e/ou execução da sentença genérica sobre direitos individuais disponíveis deve ser processada individualmente pelos interessados.”
REPETITIVO – STJ – TEMA 1.151 – CANCELAMENTO
Cancelamento do tema que tinha por objeto: “ "Definir se, inscrito o imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR), torna-se indevida a multa fixada em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) anterior e, caso não inscrito o imóvel no CAR, persiste a obrigatoriedade de averbação da reserva legal no registro imobiliário, independentemente do prazo previsto na legislação superveniente ou de cláusula convencionada no TAC".
DIREITO PENAL - Crime de estupro de vulnerável. Artigo 217-A, §5º, do Código Penal. Menor de 14 anos à época dos fatos. Não houve aquiescência da genitora. Manifestação de vontade da adolescente irrelevante. União estável posterior. Aplicação da Súmula 593/STJ. Não cabe a distinção realizada no julgamento do REsp 1.977.165/MS - caso de dois jovens namorados, cujo relacionamento tinha aquiescência dos genitores da vítima, sobrevindo um filho - na hipótese em que não há consentimento da responsável legal - o que impossibilita qualquer relativização da presunção de vulnerabilidade de menor de 14 anos no crime de estupro de vulnerável. (Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 14/8/2023, DJe 21/8/2023)
OBS.: O precedente abaixo se refere a sentença prolatada pelo Juiz de Direito Renato Luiz Faraco, da 13ª Vara Cível de Belo Horizonte, confirmada pela 13ª Câmara Cível do TJMG.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE GÁS NATURAL. CLÁUSULA DE TAKE OR PAY. CONTRATO DE TRATO SUCESSIVO. INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR POR CONSUMO MÍNIMO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. DIREITO AO RECEBIMENTO, NO PERÍODO SUBSEQUENTE, DA DIFERENÇA ENTRE A QUANTIDADE EFETIVAMENTE CONSUMIDA E O VOLUME MÍNIMO DE GÁS CONVENCIONADO. INEXISTÊNCIA. HONORÁRIOS RECURSAIS. NÃO CABIMENTO.
1. Ação de cobrança ajuizada em 01/10/2010, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 14/09/2021 e concluso ao gabinete em 17/03/2021.
2. O propósito recursal consiste em dizer a) sobre a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional; b) se a condenação ao pagamento do consumo mínimo pactuado na cláusula de take or pay confere ao devedor o direito ao recebimento do produto correspondente e c) acerca dos honorários recursais.
3. Não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional quando o Tribunal de origem examina, de forma fundamentada, as questões a ele devolvidas, aplicando o direito que entende cabível à espécie.
4. A cláusula take or pay consiste em disposição contratual por meio da qual o comprador se obriga a pagar por uma quantidade mínima especificada no contrato, ainda que o insumo não seja entregue ou consumido. Isto é, uma das partes assume a obrigação de pagar pela quantidade mínima de bens ou serviços disponibilizada, independentemente da flutuação da sua demanda. São duas as principais finalidades dessa cláusula: alocar riscos entre as partes e garantir o fluxo de receitas para o vendedor. Essa espécie de cláusula negocial é comumente inserida em contratos de prestação continuada, nos quais as obrigações renovam-se periodicamente.
5. Considerando que a obrigação de disponibilizar o volume mínimo de gás estipulado e a correspondente obrigação da parte adquirente de pagar por essa quantia, ainda que não consumida, se renovam periodicamente, o pagamento do consumo mínimo não confere à compradora o direito de, no período subsequente, obter o volume de gás correspondente à diferença entre a demanda disponibilizada e aquela efetivamente consumida.
6. A majoração dos honorários recursais pressupõe o preenchimento dos seguintes pressupostos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/03/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso. Precedentes. Assim, se a parte não sucumbiu na sua pretensão e, por isso, não foi condenada ao pagamento de honorários de sucumbência, não há que se falar em honorários sucumbenciais.
7. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (STJ, 3ª Turma, REsp 2.048.957/MG, relatora a Ministra Nancy Andrighi)
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA. CONSTATAÇÃO DA REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA. FORNECIMENTO DE GÁS. TARIFA DE MEDIÇÃO INDIVIDUAL DE CONSUMO. LEGALIDADE. PROPORCIONALIDADE DA COBRANÇA. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O propósito recursal consiste em definir se: a) houve negativa de prestação jurisdicional; b) há ilegitimidade ativa da associação autora ante a ausência de representatividade adequada; c) é lícita a cobrança do serviço de medição individualizada no fornecimento de GLP; d) é possível a condenação à publicação da sentença condenatória; e e) a multa aplicada nos embargos de declaração deve ser mantida.
2.Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.
3. A legitimidade ativa das associações civis para a propositura de ação civil pública é verificada pela sua representatividade adequada, a qual deverá ser aferida à vista da sua pertinência temática e da pré-constituição há pelo menos 1 (um) ano, nos termos da lei civil. Na espécie, tais requisitos foram observados.
4. A legislação consumerista protege a equivalência entre as prestações do fornecedor e consumidor, considerando-se exagerada a vantagem que se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, de acordo com a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso (art. 51, § 1º, III, do CDC). Assim, deve-se observar os princípios da transparência e da informação, que impõem a observância da lealdade recíproca antes, durante e depois da relação contratual.
5. No fornecimento de gás a condomínios residenciais, as empresas distribuidoras de GLP disponibilizam duas formas de contratação, quais sejam, a modalidade medição coletiva e a de fornecimento com leitura individualizada, cabendo a escolha à assembleia condominial de acordo com seus interesses.
5.1. Na segunda modalidade, adotada na hipótese vertente, há o fornecimento de gás a granel, mas com medição e gestão individualizada do consumo de cada unidade autônoma do condomínio – serviço executado pelo fornecedor do produto, que, em razão disso, cobra um preço previsto no respectivo contrato.
5.2. Não se mostra abusiva a cobrança de tarifa para medição individualizada quando assegurada a livre escolha dos consumidores na contratação, com liberdade na formação do preço, de acordo com seus custos e em atenção às características da atividade realizada, respeitando-se a equivalência material das prestações e demonstrada a correspondente vantagem do consumidor no caso.
6. Fica prejudicada a análise das questões referentes à publicação da sentença e da multa aplicada nos embargos de declaração, em virtude da improcedência dos pedidos iniciais.
7. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (STJ, 3ª Turma, REsp 1.986.320/SP, relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. em 08/8/2023)
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. RELAÇÃO DE CONSUMO. ART. 28, § 5º, DO CDC. TEORIA MENOR. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PENHORA. IMPUGNAÇÃO. CONTA-CORRENTE. DEPÓSITO. 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. LIMITE. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. IMPENHORABILIDADE AFASTADA. SOCIEDADE. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PENHORA DE AÇÕES. BEM. TITULARIDADE DO SÓCIO. POSSIBILIDADE. 1. A controvérsia dos autos consiste em saber: a) se houve negativa de prestação jurisdicional; b) se podem ser penhorados valores depositados em conta-corrente inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos e c) se é possível a penhora de ações que, a despeito de pertencerem aos acionistas controladores, integram o capital social de sociedade em recuperação judicial.
2. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.
3. Em regra, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a impenhorabilidade de valores depositados em conta-corrente deve ser respeitada, mas não pode servir de escudo contra a efetividade dos meios executórios, visto que o intuito da norma contida no art. 833, X, do CPC/2015 é apenas o de resguardar a existência de um patrimônio mínimo capaz de proporcionar uma vida digna ao devedor e sua família. Excepcionalidade configurada.
4. Não há óbice à penhora de ações que integrem o capital social de sociedade anônima em recuperação judicial, em relação às quais se adota o princípio da livre circulabilidade da participação societária. Os ativos integram o capital social da companhia recuperanda, mas são de titularidade dos acionistas e, portanto, penhoráveis.
5. Não tendo recaído a penhora sobre o patrimônio de nenhuma das empresas do grupo que estão em recuperação judicial, nada obsta a sua manutenção em relação a bens particulares da acionista majoritária, estes, sim, objeto de constrição judicial.
6. Recurso especial não provido. (STJ, 3ª Turma, REsp 2.055.518/DF, relator o Ministro Ricardo Villas Boas Cuêva)
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO CLONADO ANUNCIADO À VENDA NA PLATAFORMA OLX. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. INEXISTÊNCIA. FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL.
1. Ação de compensação por danos materiais e morais ajuizada em 21/02/2018, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 17/05/2021 e concluso ao gabinete em 02/05/2023.
2. O propósito recursal consiste em definir se a OLX pode ser responsabilizada pelos danos decorrentes da aquisição de veículo clonado anunciado em sua plataforma.
3. O responsável pela plataforma de comércio eletrônico, ao veicular ofertas de produtos, disponibilizando sua infraestrutura tecnológica, assume a posição de fornecedor de serviços. O serviço fornecido consiste na “disponibilização de espaço virtual na internet para facilitação e viabilização de vendas e compras de bens e contratação de serviços.
4. Os sites classificados auferem receita por meio de anúncios publicitários, não cobrando comissão pelos negócios celebrados. Não se lhes pode impor a responsabilidade de realizar a prévia fiscalização sobre a origem de todos os produtos, por não se tratar de atividade intrínseca ao serviço prestado. Todavia, sob a ótica da diligência média que se espera do provedor, é razoável exigir que mantenham condições de identificar cada um de seus anunciantes, a fim de que nenhum ilícito caia no anonimato. Logo, o site de classificados não responde por vícios ou defeitos do produto ou serviço. Por outro lado, os sites de intermediação são remunerados pelos serviços prestados, geralmente por uma comissão consistente em percentagem do valor da venda. Assim, a depender do contexto, a OLX poderá enquadrar-se como um simples site de classificados ou, então, como uma verdadeira intermediária.
5. Para o surgimento do dever de indenizar, é indispensável que haja um liame de causalidade entre a conduta do agente e o resultado danoso. Nessa linha, caso verificado o fato exclusivo de terceiro, haverá o rompimento do nexo causal entre o prejuízo e aquele a quem se atribui a autoria (art. 14, § 3º, II, do CDC).
6. No particular, os recorridos adquiriram um veículo que havia sido anunciado na plataforma da recorrente (OLX). Após concluída a transação, tomaram conhecimento de que se tratava de automóvel clonado. No entanto, a operação de compra e venda do veículo foi concretizada integralmente fora da plataforma, não tendo o fraudador utilizado nenhuma ferramenta colocada à disposição pela recorrente. Tal circunstância evidencia que, na hipótese, a OLX funcionou não como intermediadora, mas como mero site de classificados. A fraude perpetrada caracteriza-se como de fato de terceiro que rompeu o nexo causal entre o dano e o fornecedor (art. 14, § 3º, II, do CDC).
7. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, 3ª Turma, REsp 2.067.181 / PR, relatora a Ministra Nancy Andrighi)
APELAÇÃO CÍVEL - GUARDA COMPARTILHADA - DEFINIÇÃO DO LAR REFERENCIAL - ANUÊNCIA DA ADOLESCENTE - MELHOR INTERESSE - RECURSO NÃO PROVIDO.
- Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos, ex vi, art. 1.583, § 2º, do Código Civil. Não há empecilho, entretanto, para a definição do lar referencial da menor, essencial para formação pessoal e intelectual, com vistas a lhe conferir maior estabilidade;
- A definição da residência base não desnatura o instituto da guarda compartilhada, tampouco mitiga o direito de convivência;
- É essencial a oitiva do adolescente em ações em que se discute a sua guarda, devendo ser respeitada a sua preferência, mormente quando notado o seu estágio de desenvolvimento e o grau de compreensão da situação que vivencia, ex vi, art. 28, § 2º, Estatuto da Criança e do Adolescente. (Apelação Cível nº 1.0000.23.081507-8/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelante: M.R.V.S. - Apelado: W.V.F.S. - Relator: Des. Delvan Barcelos Júnior)
CLIPPING JURÍDICO # 06 (07/9 a 15/9/2023)
LEGISLAÇÃO
Lei Nº 14.663, de 2023 - Define o valor do salário mínimo a partir de 1º de maio de 2023; estabelece a política de valorização permanente do salário mínimo a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2024; e altera os valores da tabela mensal do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física de que trata o art. 1º da Lei nº 11.482, de 31.5.2007, e os valores de dedução previstos no art. 4º da Lei nº 9.250, de 26.12.1995.
Lei Nº 14.675, de 14.9.2023 - Dispõe sobre o funcionamento dos serviços privados de vacinação humana.
Lei Nº 14.674, de 14.9.2023 - Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para dispor sobre auxílio-aluguel a ser concedido pelo juiz em decorrência de situação de vulnerabilidade social e econômica da ofendida afastada do lar.
Súmula STJ 659 – A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações.
Súmula STJ 660 – A posse, pelo apenado, de aparelho celular ou de seus componentes essenciais constitui falta grave.
Súmula STJ 661 – A falta grave prescinde da perícia do celular apreendido ou de seus componentes essenciais.
Súmula STJ 662 – Para a prorrogação do prazo de permanência no sistema penitenciário federal, é prescindível a ocorrência de fato novo; basta constar, em decisão fundamentada, a persistência dos motivos que ensejaram a transferência inicial do preso.
JURISPRUDÊNCIA
RECURSOS REPETITIVOS – JULGAMENTO - TEMA 1069
(i) É de cobertura obrigatória pelos planos de saúde a cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional indicada pelo médico assistente, em paciente pós-cirurgia bariátrica, visto ser parte decorrente do tratamento da obesidade mórbida; e (ii) Havendo dúvidas justificadas e razoáveis quanto ao caráter eminentemente estético da cirurgia plástica indicada ao paciente pós-cirurgia bariátrica, a operadora de plano de saúde pode se utilizar do procedimento da junta médica, formada para dirimir a divergência técnico-assistencial, desde que arque com os honorários dos respectivos profissionais e sem prejuízo do exercício do direito de ação pelo beneficiário, em caso de parecer desfavorável à indicação clínica do médico assistente, ao qual não se vincula o julgador.
RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1029.
Definição acerca da (in)compatibilidade do Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica, previsto no art. 133 e seguintes do Código de Processo Civil, com o rito próprio da Execução Fiscal, disciplinado pela Lei n. 6.830/1980 e, sendo compatível, identificação das hipóteses de imprescindibilidade de sua instauração, considerando o fundamento jurídico do pleito de redirecionamento do feito executório. (REsp 2039132/SP)
RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1213.
Definição acerca da seguinte tese: "A responsabilidade de agentes ímprobos é solidária e permite a constrição patrimonial em sua totalidade, sem necessidade de divisão pro rata, ao menos até a instrução final da ação de improbidade, quando ocorrerá a delimitação da quota de cada agente pelo ressarcimento". (REsp 1.955.957 e REsp 1.955.116)
RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1214.
"definir se há obrigatoriedade ou não de redução proporcional da pena-base quando o tribunal de segunda instância, em recurso exclusivo da defesa, afastar circunstância judicial negativa reconhecida na sentença". (ProAfR no REsp 2.058.971-MG, REsp 2.058.970-MG e REsp 2.058.976-MG)
DIREITO PROCESSUAL PENAL - Tribunal do Júri. Boate Kiss. Má formulação dos quesitos. Desrespeito ao princípio da correlação. Nulidade absoluta. Não ocorrência de preclusão. A má formulação de quesito, com imputações não admitidas na pronúncia, causa nulidade absoluta e justifica exceção à regra da impugnação imediata, afastando-se a preclusão. (REsp 2.062.459-RS, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por maioria, julgado em 5/9/2023)
DIREITO PENAL - Tortura e ocultação de cadáver. Dosimetria. Pena-base. Majoração pelas consequências do crime. Repercussão internacional do delito. Fundamentação idônea. É idônea a mensuração da repercussão internacional do delito na majoração da pena-base pelas consequências do crime. A pena-base comporta aumento em virtude da repercussão internacional do delito, por se referir a consequências que desbordam do tipo penal. Note-se que "a circunstância judicial referente às consequências do delito procura mensurar o abalo social da conduta, em razão da extensão e da repercussão dos efeitos do delito, principalmente, o grau de alcance do resultado da ação ilícita." (AgRg no HC 438.774/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 13/9/2018), e "o vetor consequências, no contexto da individualização das penas, deve ser avaliado aferindo-se a repercussão do fato no cotidiano da vítima e no tecido social." (HC 435.215/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 29/8/2018). No caso, em que os réus foram condenados pelos crimes de tortura e ocultação de cadáver, diferentemente do que concluiu a Corte estadual, não há como atribuir essa repercussão tão somente aos interesses político-econômicos da época, que haveriam influenciado a imprensa. Com efeito, o delito se tornou notório em decorrência da gravidade concreta do fato, que configurou um emblemático episódio de violência policial contra integrante da população preta e periférica do Rio de Janeiro, a provocar abalos sociais não apenas na comunidade local, como também no país e na comunidade internacional. (Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 22/8/2023, DJe 28/8/2023)
DIREITO PENAL - Estupro de vulnerável contra vítimas distintas. Violência real. Ausência. Continuidade delitiva específica. Não incidência. Não incide a regra a continuidade delitiva específica nos crimes de estupro praticados com violência presumida. O crime continuado é benefício penal, modalidade de concurso de crimes, que, por ficção legal, consagra unidade incindível entre os crimes que o formam, para fins específicos de aplicação da pena. Para a sua aplicação, o art. 71, caput, do CP, exige, concomitantemente, três requisitos objetivos: pluralidade de condutas, pluralidade de crime da mesma espécie e condições semelhantes de tempo lugar, maneira de execução e outras semelhantes. Quanto à continuidade delitiva específica, descrita no art. 71, parágrafo único, do Código Penal, são acrescidos os seguintes requisitos: sejam dolosos, realizados contra vítimas diferentes e cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. No caso, a instância a quo não aplicou a regra continuidade delitiva específica porque não empregada violência real contra as vítimas. De fato, "A violência de que trata a continuidade delitiva especial (art. 71, parágrafo único, do Código Penal) é real, sendo inviável aplicar limites mais gravosos do benefício penal da continuidade delitiva com base, exclusivamente, na ficção jurídica de violência do legislador utilizada para criar o tipo penal de estupro de vulnerável, se efetivamente a conjunção carnal ou ato libidinoso executado contra vulnerável foi desprovido de qualquer violência real." (PET no REsp 1.659.662/CE, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 14/5/2021). Nesse sentido, "A jurisprudência desta Corte Superior decidiu que, nas hipóteses de crimes de estupro ou de atentado violento ao pudor praticados com violência presumida, não incide a regra do concurso material nem da continuidade delitiva específica. (REsp 1.602.771/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 27/10/2017)”. Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 5/9/2023, DJe 8/9/2023)
DIREITO ADMINISTRATIVO - Limitação administrativa. Ato emanado pelo poder público municipal. Diminuição demasiada do valor econômico do imóvel. Comprovação de efetivo prejuízo. Indenização aos proprietários. Necessidade. Tratando-se de limitação administrativa, em regra, é indevido o pagamento de indenização aos proprietários dos imóveis abrangidos em área delimitada por ato administrativo, a não ser que comprovem efetivo prejuízo, ou limitação além das já existentes. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que 'a indenização pela limitação administrativa advinda da criação de área non aedificandi, somente é devida se imposta sobre imóvel urbano e desde que fique demonstrado o prejuízo causado ao proprietário da área' (REsp n. 750.050/SC, Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe 7/11/2006). No caso, o Tribunal de origem, à luz das provas dos autos, notadamente do laudo pericial, concluiu que o prejuízo restou demonstrado, pois, a partir do advento da lei municipal, os loteamentos foram enquadrados na zona de proteção ambiental, situação que contribuiu para a desvalorização imobiliária dos aludidos lotes, diminuindo-lhes o valor econômico. Assim, os argumentos utilizados pela parte recorrente somente poderiam ter sua procedência verificada mediante o necessário reexame de matéria fática, não cabendo a esta Corte, a fim de alcançar conclusão diversa, reavaliar o conjunto probatório dos autos, em conformidade com a Súmula 7/STJ. (AREsp 551.389-RN, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2023)
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL CUMULADA COM COBRANÇA DE MULTA CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CUMPRIMENTO DEFINITIVO DE PARCELA INCONTROVERSA. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE CAPÍTULO DE SENTENÇA SUJEITO A RECURSO SEM EFEITO SUSPENSIVO. CONCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE. COISA JULGADA PARCIAL OU PROGRESSIVA. VIABILIZADA PELO CPC/15. DESNECESSIDADE DE DESMEMBRAMENTO. MANUTENÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO QUE DECIDIU A CAUSA NO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 516, II, DO CPC/15. HIPÓTESE DOS AUTOS. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE DETERMINOU O PROSSEGUIMENTO SOMENTE DO CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE SENTENÇA. NECESSIDADE DE RETORNO DO PROCESSO PARA APRECIAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE PARCELA INCONTROVERSA. MULTA DO ART. 1.026, § 2º, DO CPC/15 AFASTADA. AUSÊNCIA DE INTUITO PROTELATÓRIO.
1. Ação de resolução de contrato de promessa de compra e venda de bem imóvel cumulada com cobrança de multa contratual e indenização por danos materiais e morais, em fase de cumprimento provisório de sentença, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 24/8/2021 e concluso ao gabinete em 17/9/2022.
2. O propósito recursal consiste em decidir se é possível a propositura concomitante de cumprimento provisório e cumprimento definitivo de capítulos diversos do mesmo pronunciamento judicial.
3. Entendimento sob a égide do CPC/73 no sentido de ser “incabível o trânsito em julgado de capítulos da sentença ou do acórdão em momentos distintos, a fim de evitar o tumulto processual decorrente de inúmeras coisas julgadas em um mesmo feito” (REsp 736.650/MT, Corte Especial, DJe 1/9/2014 e EDcl na Rcl 18.565/MS, 2ª Seção, DJe 15/12/2015).
4. A partir da entrada em vigor do CPC/15, com a expressa adoção do julgamento antecipado parcial de mérito (art. 356 do CPC/15) e com a possibilidade de cumprimento definitivo de decisão sobre parcela incontroversa (art. 523 do CPC/15), exige-se uma releitura da temática.
5. Quando não impugnados capítulos da sentença autônomos e independentes, estes transitarão em julgado e sobre eles incidirá a proteção assegurada à coisa julgada. Possibilidade de o mérito da causa “ser cindido e examinado em duas ou mais decisões prolatadas no curso do processo” (REsp 1.845.542/PR, 3ª Turma, DJe 14/5/2021).
6. A sistemática do Código de Processo Civil, ao albergar a coisa julgada progressiva e autorizar o cumprimento definitivo de parcela incontroversa da sentença condenatória, privilegia os comandos da efetividade da prestação jurisdicional e da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF/88 e 4º do CPC/15), bem como prestigia o próprio princípio dispositivo (art. 2º, do CPC/15).
7. Mostra-se possível o trâmite concomitante de cumprimento provisório, sobre o qual pende o julgamento de recurso sem efeito suspensivo (art. 520 do CPC/15), e cumprimento definitivo de parcela incontroversa do mesmo título judicial de condenação ao pagamento de quantia.
8. Desnecessidade de desmembramento do processo, sendo competente para processar ambos os cumprimentos de sentença o Juízo que decidiu a causa no primeiro grau de Jurisdição (art. 516, II, do CPC/15) – ainda que determinado órgão estadual tenha estabelecido, por motivos de conveniência, setores especializados. Viabilidade dos procedimentos seguirem em conjunto, desde que observada a exigência de caução pelo exequente para o cumprimento provisório da sentença (art. 520, IV, do CPC/15).
9. Hipótese em que o Tribunal de origem, destoando do entendimento desta Corte, determinou o prosseguimento somente do cumprimento provisório de sentença, deixando de analisar se há, efetivamente, parcela incontroversa no pronunciamento judicial. Necessidade de retorno dos autos para apreciação da questão.
10. Questões adjacentes. Afasta-se a multa do 1.026, § 2º, do CPC/15 quando não se caracteriza o intento protelatório na interposição dos embargos de declaração.
11. Recurso especial conhecido e provido para (I) afastar a multa prevista no art. 1.026, §2º, do CPC/15; e (II) determinar o retorno dos autos ao Juízo de primeiro grau para apreciar a existência de parcelas incontroversas, reconhecida a possibilidade de tramitar cumprimentos provisório e definitivo de capítulos diversos da sentença concomitantemente. (STJ, 3ª Turma, REsp 2.026.926 / MG, relatora a Ministra Nancy Andrighi, j. em 25/4/2023)
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRIBUIÇÕES CONDOMINIAIS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. NATUREZA PROPTER REM DO DÉBITO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PENHORA DO IMÓVEL. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. As normas dos arts. 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997 e 1.368-B, parágrafo único, do CC/2002, reguladoras do contrato de alienação fiduciária de coisa imóvel, apenas disciplinam as relações jurídicas ente os contratantes, sem alcançar relações jurídicas diversas daquelas, nem se sobrepor a direitos de terceiros não contratantes, como é o caso da relação jurídica entre condomínio edilício e condôminos e do direito do condomínio credor de dívida condominial, a qual mantém sua natureza jurídica propter rem.
2. A natureza propter rem se vincula diretamente ao direito de propriedade sobre a coisa. Por isso, se sobreleva ao direito de qualquer proprietário, inclusive do credor fiduciário, pois este, na condição de proprietário sujeito à uma condição resolutiva, não pode ser detentor de maiores direitos que o proprietário pleno.
3. Em execução por dívida condominial movida pelo condomínio edilício é possível a penhora do próprio imóvel que dá origem ao débito, ainda que esteja alienado fiduciariamente, tendo em vista a natureza da dívida condominial, nos termos do art. 1.345 do Código Civil de 2002.
4. Para tanto, o condomínio exequente deve promover também a citação do credor fiduciário, além do devedor fiduciante, a fim de vir aquele integrar a execução para que se possa encontrar a adequada solução para o resgate dos créditos, a qual depende do reconhecimento do dever do proprietário, perante o condomínio, de quitar o débito, sob pena de ter o imóvel penhorado e levado a praceamento. Ao optar pela quitação da dívida, o credor fiduciário se sub-roga nos direitos do exequente e tem regresso contra o condômino executado, o devedor fiduciante.
5. Recurso especial provido. (STJ, 4ª Turma, REsp 2.059.278 / SC, j. em 23/5/2023)
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. AUSÊNCIA. AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE. NATUREZA PETITÓRIA. CARÁTER DÚPLICE. AUSÊNCIA. SUBMISSÃO AO PROCEDIMENTO COMUM. PEDIDO CONTRAPOSTO. NÃO CABIMENTO. PEDIDO DE RETENÇÃO POR BENFEITORIAS. FORMULAÇÃO NA CONTESTAÇÃO. NECESSIDADE.
1- Recurso especial interposto em 18/4/2022 e concluso ao gabinete em 23/2/2023.
2- O propósito recursal consiste em dizer se, no âmbito de ação de imissão na posse, é possível a formulação de pedido de retenção por benfeitorias na contestação como pedido contraposto.
3- Na hipótese dos autos, deve ser afastada a alegação de negativa de prestação jurisdicional, pois a matéria impugnada foi enfrentada de forma objetiva e fundamentada no julgamento do recurso, naquilo que o Tribunal a quo entendeu pertinente à solução da controvérsia.
4- A ação de imissão na posse é a ação que visa assegurar ao titular de direito real, normalmente o de propriedade, o ingresso em posse que nunca teve. Em síntese, é a ação do proprietário não possuidor contra o possuidor não proprietário.
5- A ação de imissão na posse não ostenta natureza dúplice, pois, pela natureza do direito material debatido, a improcedência do pedido autoral, por si só, não tem o condão de atribuir ao réu o bem da vida discutido.
6- A ação de imissão na posse não conta com previsão expressa seja no CPC/1973, seja no CPC/2015, motivo pelo qual passou a estar submetida ao procedimento comum.
7- O pedido contraposto é o instituto processual que faculta ao réu formular pedido em face do autor no âmbito da defesa sem as formalidades típicas da reconvenção, somente sendo admitido “nas hipóteses expressamente previstas em lei. Afinal, o legislador, quando pretendeu excepcionar a regra, que consiste na utilização da reconvenção pelo réu quando pretender deduzir pretensão contra o autor, o fez de forma expressa” (REsp n. 2.006.088/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 6/10/2022).
8- O pedido contraposto somente é admitido nas hipóteses excepcionais expressamente previstas em lei, motivo pelo qual, inexistindo previsão legal autorizadora, conclui-se que não é possível a formulação dessa espécie de pedido em ação de imissão na posse.
9- Não há que se falar em possibilidade de substituição da reconvenção pelo pedido contraposto, pois, além deste exigir expressa autorização legal (REsp n. 2.006.088/PR), o princípio da instrumentalidade das formas permite apenas a substituição excepcional do procedimento menos formal (pedido contraposto) pelo mais formal (reconvenção), mas não o contrário.
10- Muito embora a ação de imissão na posse não admita pedido contraposto, na específica hipótese de pedido de retenção por benfeitorias há peculiaridades a serem consideradas, notadamente porque, desde o CPC/1973, a jurisprudência desta Corte, com apoio na doutrina, firmou-se no sentido de que o pedido de retenção deve ser formulado em contestação, entendimento que passou a contar com previsão expressa no art. 538, §1º e §2º do CPC/2015.
11- O direito de retenção é direito com função de garantia que assiste ao possuidor de boa-fé que realizou benfeitorias no bem, podendo ser utilizado para manter a posse do imóvel até que sejam indenizadas as benfeitorias necessárias e úteis.
12- Se o réu, em ação de imissão na posse, veicula o direito de retenção em contestação, não há óbice à sua apreciação pelo juiz, ainda que formulado como pedido contraposto, máxime tendo em vista os princípios da instrumentalidade das formas, da razoável duração do processo e da primazia do julgamento de mérito.
13- Na hipótese dos autos, não merece reforma o acórdão recorrido, pois, muito embora não seja cabível, em regra, pedido contraposto em ação de imissão na posse, o réu alegou a existência de direito de retenção na própria contestação, ainda que com o nome de pedido contraposto, inexistindo, portanto, impedimento à sua apreciação pelo juiz.
14- Recurso especial não provido. (STJ, 3ª Turma, REsp 2.055.270-MG, relatora a Ministra Nancy Andrighi, j. em 26/4/2023)
OBS.: SENTENÇA da juíza Alissandra Ramos Machado de Matos, mantida pela colenda 13ª Câmara Cível do o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG).
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA. COMPETÊNCIA. JUÍZO QUE PROFERIU A SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA QUE SE PRETENDE DESCONSTITUIR. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO ABSOLUTAMENTE COMPETENTE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
1. O propósito recursal consiste em definir: i) a competência para processar e julgar a ação anulatória de sentença homologatória de acordo; ii) verificar se houve decisão surpresa e ofensa ao princípio da adstrição; e iii) se estão presentes os pressupostos para concessão da tutela provisória de urgência.
2. O cabimento da ação anulatória está restrito ao reconhecimento de vícios de atos praticados pelas partes ou por outros participantes do processo, ou seja, não se busca a desconstituição de um ato propriamente estatal. A despeito disso, a ação anulatória está intimamente ligada à ação originária em que se deu a homologação, o que implica a acessoriedade daquela em relação a esta, pois há um liame jurídico entre as ações, consubstanciado no fato de a existência da ação anulatória depender da higidez da sentença homologatória.
3. Afirmada a acessoriedade entre as ações, torna-se inafastável a aplicação da regra do artigo 61 do CPC/2015, o qual determina que "a ação acessória será proposta no juízo competente para a ação principal".
4. A sentença homologatória que se pretende desconstituir foi proferida pelo Juízo da 10ª Vara Cível de Campo Grande/MS, enquanto a presente ação anulatória foi distribuída ao Juízo da 1ª Vara Cível e Empresarial de Marabá/PA, ou seja, em comarca localizada em outro Estado da Federação e totalmente diversa daquela em que situado o Juízo absolutamente competente. Acórdão recorrido cassado, com a remessa dos autos ao Juízo da ação originária.
5. Prejudicada a análise das demais questões suscitadas no recurso especial.
6. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, 3ª Turma, REsp 2062464 / PA, relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. 22/8/2023)
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. LÚPUS ERITEMATOSO. PIELONEFRITE. RITUXIMABE. MEDICAMENTO ANTINEOPLÁSICO. USO OFF-LABEL. REGISTRO NA ANVISA. MEDICAÇÃO ASSISTIDA. APLICAÇÃO POR PROFISSIONAL HABILITADO. RECUSA INDEVIDA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. "É lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, isto é, aqueles prescritos pelo médico assistente para administração em ambiente externo ao de unidade de saúde, salvo os antineoplásicos orais (e correlacionados), a medicação assistida (home care) e os incluídos no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para esse fim. Interpretação dos arts. 10, VI, da Lei nº 9.656/1998 e 19, § 1º, VI, da RN-ANS nº 338/2013 (atual art. 17, parágrafo único, VI, da RN-ANS nº 465/2021).
2. A medicação intravenosa ou injetável que necessite de supervisão direta de profissional habilitado em saúde não é considerada como tratamento domiciliar (é de uso ambulatorial ou espécie de medicação assistida)" (AgInt nos EREsp 1.895.659/PR, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 29/11/2022, DJe de 9/12/2022).
2. "Segundo a jurisprudência do STJ, é abusiva a recusa da operadora do plano de saúde de custear a cobertura do medicamento registrado na ANVISA e prescrito pelo médico do paciente, ainda que se trate de fármaco off-label, ou utilizado em caráter experimental, especialmente na hipótese em que se mostra imprescindível à conservação da vida e saúde do beneficiário" (AgInt no REsp 2.016.007/MG, Relator Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 17/4/2023, DJe de 20/4/2023).
3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, 4ª Turma, AgInt no Ag no REsp nº 1964268 / DF, relator o Ministro Raul Araújo, j. em 12/6/22023)
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO - CRIME DE FEMINICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, §2º, I, III, IV E VI, DO CP) E OMISSÃO DE CAUTELA NA POSSE DE ARMA DE FOGO (ART. 13, DA LEI Nº 10.826/03) - QUESTÃO DE ORDEM SUSCITADA PELA DEFESA - PRAZO DE SUSTENTAÇÃO ORAL - ACOLHIMENTO - PRELIMINARES - NULIDADE DA CITAÇÃO - INOCORRÊNCIA - NULIDADE DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO - REJEIÇÃO - ILEGALIDADE DA PROVA - QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA - INEXISTÊNCIA - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - IMPOSSIBILIDADE - JUSTA CAUSA DEMONSTRADA - REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP PREENCHIDOS - COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO - FORO PRIVILEGIADO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO - ART. 96, III, DA CF - SUPOSTA OFENSA AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL - REJEIÇÃO - MÉRITO - OMISSÃO DE CAUTELA NA POSSE DE ARMA DE FOGO (ART. 13, DA LEI 10.826/03) E FEMINICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2º, I, III, IV E VI, DO CP) - CONDENAÇÃO - NECESSIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - MOTIVO TORPE, ASFIXIA, RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA E FEMINICÍDIO - QUALIFICADORAS RECONHECIDAS - PENA-BASE - FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - BALIZAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES - MAJORAÇÃO DA REPRIMENDA EM 1/6 (UM SEXTO) - ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL E DOUTRINÁRIO PREDOMINANTES - PERDA DO CARGO PÚBLICO NÃO DECRETADA - LEGISLAÇÃO ESPECIAL - ART. 38 DA LEI Nº 8.625/93 - PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA - AÇÃO PENAL JULGADA PROCEDENTE.
- Considerando a complexidade do caso e em observância ao princípio da ampla defesa, acolhe-se a questão de ordem para conceder o prazo de uma hora e meia de sustentação oral para a acusação e para a defesa.
- Conforme certidão de Oficial de Justiça, o ato da citação efetivamente foi realizado, inclusive com a entrega de contrafé ao acusado, embora tenha este se negado a exarar sua assinatura no competente mandado, sendo preenchidos os requisitos legais atinentes à espécie, em especial os art. 352, 357 e 570, do CPP. Não trazendo a defesa qualquer prova capaz de desconstituir a assertiva do Oficial de Justiça, dotada de fé pública, ou demonstrado a ocorrência de prejuízo, não há que se falar em nulidade.
- Cabe ao réu o ônus de demonstrar que o procedimento investigatório, realizado perante os órgãos oficiais incumbidos da persecução penal, transcorreu de forma irregular, porque a presunção há de ser em favor da autoridade pública, policial ou judiciária, que age no estrito cumprimento do dever legal.
- Eventual vício existente no procedimento administrativo policial não conduzirá em nulidade do processo criminal existente, pois o inquérito policial é peça meramente informativa, que dá ao titular da ação penal notícias sobre os indícios de materialidade e de autoria, para que, então, possa promover a respectiva ação penal.
- Inexistindo comprovação satisfatória da quebra da cadeia de custódia da prova, não há que se falar em nulidade com base em tal alegação.
- Compete ao Tribunal de Justiça o julgamento de Promotores de Justiça, inclusive nos crimes dolosos contra a vida, nos termos do art. 96, III, da Constituição Federal.
- Inexistindo demonstração de qualquer prejuízo ao recorrente, conforme o disposto no art. 563 do CPP, não há que se falar em nulidade ou cerceamento de defesa.
- Inviável o acolhimento da tese de ausência de justa causa, restando demonstrados indícios mínimos para a persecução penal, com fulcro em provas lícitas, além de estarem preenchidos os requisitos legais do art. 41 do Código de Processo Penal.
- O promotor natural é aquele previamente designado conforme critérios legais, não se admitindo designação seletiva ou casuística de acusador de exceção.
- Não há que se falar em ofensa ao princípio do promotor natural em virtude de a função de investigar e a de acusar terem sido acumuladas pelo mesmo membro do parquet. O STF, ao julgar o RE 593.727/MG, assentou de forma expressa a possibilidade de o MP investigar, sem que isso lhe retire a possibilidade de ajuizar a ação penal.
- O inquérito policial não é indispensável à propositura da ação penal, e, dada sua natureza informativa, eventuais nulidades ocorridas na fase extrajudicial não têm o condão de macular a ação penal.
- A condenação do denunciado nas sanções do art. 13 da Lei nº 10.826/03 é medida que se impõe, uma vez demonstrado que o réu não observou o dever de cautela na guarda da arma de fogo que possuía em sua residência, de forma a impedir que seus filhos, menores de 18 anos, tivessem acesso ao artefato bélico.
- Restando incontestes de dúvidas e devidamente comprovadas a autoria e a materialidade do crime de homicídio qualificado, julga-se procedente a ação penal, com a condenação do réu.
- Havendo elementos de prova da ocorrência das qualificadoras de motivo torpe, asfixia e utilização de recurso que dificultou a defesa da vítima, devem ser reconhecidas as referidas circunstâncias.
- Em se tratando de crime de homicídio, praticado pelo homem contra a mulher, em um contexto de violência doméstica e familiar, deve ser reconhecida a qualificadora do feminicídio.
- A conduta social, as circunstâncias e as consequências do crime justificam a fixação da pena-base acima do mínimo legal.
- A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça informa que o aumento da pena em fração correspondente a 1/6 (um sexto) pelo reconhecimento de circunstância agravante é proporcional e razoável.
- A perda do cargo de membro vitalício do Ministério Público somente pode ocorrer após o trânsito em julgado de ação civil proposta especificamente para esse fim, a ser ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça, após prévia autorização do Colégio de Procuradores, nos termos do art. 38, § 1.º, inciso I, e § 2º da Lei nº 8.625/93.
- O acusado que permaneceu segregado durante todo o processo e não logrou êxito em demonstrar que ocorreram modificações em sua situação de fato e de direito que pudessem autorizar a revogação da prisão preventiva, por ocasião da prolação do acórdão condenatório, não faz jus ao direito de recorrer em liberdade.
V.v.: O precedente de expansão de prazo para a acusação e a defesa poderá causar um grande transtorno, além de a lei ser extremamente clara com relação ao prazo deferido para sustentações orais.
V.v.: A culpabilidade deve ser considerada desfavorável sempre que ultrapassados os limites da reprovabilidade inerente ao crime. Consoante doutrina e jurisprudência majoritárias, o critério ideal para fixação da pena-base leva em consideração que, para cada circunstância judicial valorada negativamente, deve ser procedido um aumento na fração de 1/8 (um oitavo) incidente sobre o intervalo da pena abstratamente prevista.
V.v.: São cinco, e não três, as circunstâncias que merecem influenciar na exasperação da reprimenda do Réu: a culpabilidade, a personalidade do agente, a conduta social, as circunstâncias do crime e as consequências do crime. Dentre estas, listam-se como preponderantes os motivos e a personalidade do agente. (Ação Penal - Ordinário nº 1.0000.21.075674-8/000 - Comarca de Belo Horizonte - Denunciante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais Pg Justiça. - Denunciado: André Luís Garcia De Pinho Pj. - Assistente: Marco Aurelio Alves da Silva, Assistente do Ministério Público - Relator: Des. Wanderley Paiva)
NOTÍCIA – SITE CONJUR – DECISÃO DA JUÍZA DE BARBACENA, KARINE LOYOLA SANTOS (https://www.conjur.com.br/2023-set-14/titulo-extrajudicial-assinatura-testemunhas-invalido)
PAPEL DE PÃO - Título extrajudicial sem assinatura de testemunhas é inválido, reitera juíza
14 de setembro de 2023, 20h14
Por Rafa Santos
O título extrajudicial só é dotado de força executiva quando preenche os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade. Diante disso, documentos que não possuam a assinatura de duas testemunhas — como manda a regra — não têm a característica de exigibilidade.
Esse foi o entendimento da juíza Karine Loyola Santos, da Comarca de Barbacena (MG), para acolher embargos e negar seguimento a uma ação de execução.
No caso concreto, o autor da ação pediu a execução de título extrajudicial, mas o documento de confissão de dívida era assinado apenas pelas partes do litígio.
A magistrada, então, negou seguimento à ação pela ausência da assinatura de duas testemunhas, como determinado pelo artigo 784 do Código de Processo Civil.
"Como se vê nos autos, o documento que aparelha a execução não constitui título executivo extrajudicial, vez que assinado, somente, pela credora e pelo devedor, de forma que a nulidade da execução é medida que se impõe, nos termos do art. 803, I, do CPC", explicou a magistrada.
A parte devedora foi representada pelo advogado Anderson Luis Sena Silva.
Processo 5007914-53.2022.8.13.005
CLIPPING JURÍDICO # 05 (02/9 a 06/9/2023)
LEGISLAÇÃO
Lei Complementar Nº 200, de 2023 - Institui regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico, com fundamento no art. 6º da Emenda Constitucional nº 126, de 21 de dezembro de 2022, e no inciso VIII do caput e no parágrafo único do art. 163 da Constituição Federal; e altera a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).
JURISPRUDÊNCIA
DIREITO PENAL - Lei Maria da Penha. Descumprimento de medidas protetivas de urgência. Art. 24-A da Lei n. 11.340/2006. Aproximação do réu com o consentimento da vítima. Lesão ou ameaça ao bem jurídico tutelado. Inexistência. A aproximação do réu com o consentimento da vítima torna atípica a conduta de descumprir medida protetiva de urgência. (AgRg no AREsp 2.330.912-DF, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 22/8/2023, DJe 28/8/2023)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Execução de título extrajudicial. Exibição incidental de documentos. Presunção relativa de veracidade. Em exibição incidental de documentos, cabe a presunção relativa de veracidade dos fatos que a parte adversa pretendia comprovar com a juntada dos documentos solicitados, sendo que, no julgamento da lide, as consequências dessa veracidade serão avaliadas, em conjunto com as demais provas produzidas. No caso, pretende-se a extinção da execução sob o argumento de iliquidez do título, ante a não juntada dos extratos que demonstrariam a evolução da dívida. No entanto, ao realizar o distinguishing, a Corte local consignou que não há falar em iliquidez do título, pois a não juntada dos extratos não enseja a extinção da execução, sobretudo porque a parte exequente juntou os contratos, os quais permitiram verificar a higidez do título exequendo. Com efeito, "em exibição incidental de documentos, cabe a presunção relativa de veracidade dos fatos que a parte adversa pretendia comprovar com a juntada dos documentos solicitados, nos termos do art. 359 do CPC/1973 (atual art. 400 do CPC/2015), sendo certo que, no julgamento da lide, as consequências dessa veracidade serão avaliadas, pelo Juízo de origem, em conjunto com as demais provas produzidas nos autos" (AgInt no AREsp 1.646.587/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 24/8/2020, DJe 15/9/2020). Portanto, não há falar em iliquidez do título executivo ante a não juntada dos extratos bancários, pois a presunção (relativa) daí decorrente pode ser afastada pelo órgão julgador, como no caso, em que os contratos celebrados foram juntados e permitiram aferir a higidez da execução. (AgInt no AREsp 2.102.423-PR, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 21/8/2023, DJe 24/8/2023)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Exceção de pré-executividade apresentada pela esposa do codevedor. Honorários sucumbenciais. Lei vigente à data da fixação ou modificação. Art. 85, § 8º, do CPC/2015. Excipiente que não é parte na lide executiva. Proveito econômico inestimável. Fixação por equidade. Quando a exceção de pré-executividade apresentada por terceiro em ação executiva for acolhida, levando à exclusão deste no polo passivo da execução, os honorários advocatícios devem ser fixados por equidade, nos termos do art. 85, § 8º, do CPC/2015, uma vez que não se pode vincular a verba sucumbencial ao valor da causa dado na execução, sendo inestimável o proveito econômico por ela auferido. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "a sentença (ou o ato jurisdicional equivalente, na competência originária dos tribunais), como ato processual que qualifica o nascedouro do direito à percepção dos honorários advocatícios, deve ser considerada o marco temporal para a aplicação das regras fixadas pelo CPC/2015" (EAREsp n. 1.255.986/PR, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 20/3/2019, DJe de 6/5/2019). No caso, a exceção de pré-executividade foi apresentada pela esposa de um dos coobrigados foi acolhida. Isso levou à exclusão da esposa do polo passivo, mas não implicou a extinção da execução ou redução do valor cobrado, uma vez que se manteve válida a fiança no tocante à codevedora. Assim, os honorários advocatícios devem ser fixados por equidade, nos termos do art. 85, § 8º, do CPC/2015, uma vez que, não sendo a excipiente parte na ação executiva, não se pode vincular a verba sucumbencial ao valor da causa dado na execução, sendo inestimável, no caso, o proveito econômico por ela auferido. (AgInt no REsp 1.739.095-PE, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/8/2023, DJe 18/8/2023)
DIREITO CIVIL - Dissolução parcial de sociedade. Apuração de haveres. Art. 1.031 do Código Civil. Projeção de lucros futuros. Não cabimento. Lucros não distribuídos ao sócio retirante. Na dissolução parcial da sociedade, omisso o contrato social quanto ao montante a ser reembolsado pela participação social e quanto à possibilidade de inclusão de lucro futuro, aplica-se a regra geral de apuração de haveres, em que o sócio não receberá valor diverso do que receberia, como partilha, na dissolução total. Trata-se de discussão a respeito dos critérios para apuração de haveres, quais valores estariam abrangidos e prazo prescricional para distribuição de lucros não distribuídos ao sócio retirante no caso de dissolução parcial da sociedade e se deveriam ser abarcados os lucros futuros da sociedade ou ainda os lucros não distribuídos durante o período em que ainda a integrava. O ordenamento brasileiro delimita a questão, ao especificar que o critério a ser observado é aquele previsto no contrato social, ou, em caso de omissão, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma, conforme os arts. 604, § 3º, e 606, ambos do Código de Processo Civil. No caso, o pagamento estabelecido no contrato é ius dispositium (art. 1.031 do Código Civil). Nesse sentido, podem os sócios disciplinar, no contrato social, a forma como se efetivará o pagamento dos haveres ao sócio que se retirou da sociedade. Apesar de o contrato social poder dispor de forma diversa à previsão legal, a jurisprudência tem se firmado no sentido de não se admitir um mero levantamento contábil para apuração de haveres, devendo-se proceder a um balanço real, físico e econômico, mas não necessariamente que projete os lucros futuros da sociedade. Isso porque a base de cálculo dos haveres é o patrimônio da sociedade. Assim, aqueles valores que ainda não o haviam integrado não podem ser repartidos. Assim, omisso o contrato social relativamente à quantificação do reembolso (se abarca o lucro futuro da sociedade, ou não), observa-se a regra geral de apuração de haveres segundo a qual o sócio não pode, na dissolução parcial da sociedade, receber valor diverso (nem maior nem menor) do que receberia, como partilha, na dissolução total, verificada tão somente naquele momento. (REsp 1.904.252-RS, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 22/8/2023)
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR - Plano de saúde. Beneficiária acometida de câncer de mama. Prescrição de quimioterapia. Risco de infertilidade. Efeito adverso do tratamento. Criopreservação dos óvulos. Princípio médico "primum, non nocere". Obrigação de cobertura do procedimento até a alta da quimioterapia. A operadora de plano de saúde deve custear o procedimento de criopreservação de óvulos, como medida preventiva à infertilidade, enquanto possível efeito adverso do tratamento de quimioterapia prescrito para câncer de mama, até a alta da quimioterapia. Esta Turma, ao julgar o REsp 1.815.796/RJ (julgado em 26/5/2020, DJe de 09/6/2020), fez a distinção entre o tratamento da infertilidade - que, segundo a jurisprudência, não é de cobertura obrigatória pelo plano de saúde (REsp 1.590.221/DF, Terceira Turma, julgado em 7/11/2017, DJe de 13/11/2017) - e a prevenção da infertilidade, enquanto efeito adverso do tratamento prescrito ao paciente e coberto pelo plano de saúde. O princípio do primum, non nocere (primeiro, não prejudicar), não impõe ao profissional da saúde um dever absoluto de não prejudicar, mas o de não causar um prejuízo evitável, desnecessário ou desproporcional ao paciente, provocado pela própria enfermidade que se pretende tratar; dele se extrai um dever de prevenir, sempre que possível, o dano previsível e evitável resultante do tratamento médico prescrito. Conclui-se, na ponderação entre a legítima expectativa da consumidora e o alcance da restrição estabelecida pelo ordenamento jurídico quanto aos limites do contrato de plano de saúde, que, se a operadora cobre o procedimento de quimioterapia para tratar o câncer de mama, há de fazê-lo também com relação à prevenção dos efeitos adversos e previsíveis dele decorrentes, como a infertilidade, de modo a possibilitar a plena reabilitação da beneficiária ao final do seu tratamento, quando então se considerará devidamente prestado o serviço fornecido. Se a obrigação de prestação de assistência médica assumida pela operadora de plano de saúde impõe a realização do tratamento prescrito para o câncer de mama, a ele se vincula a obrigação de custear a criopreservação dos óvulos, sendo esta devida até a alta do tratamento de quimioterapia prescrito para o câncer de mama, a partir de quando caberá à beneficiária arcar com os eventuais custos, às suas expensas, se necessário for. (REsp 1.962.984-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/8/2023, DJe 23/8/2023.)
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Prestação previdenciária. Prévio requerimento administrativo. Necessidade. Tema n. 350/STF. Momento do adimplemento dos requisitos legais. Fato superveniente ao requerimento administrativo e posterior à propositura da ação. Impossibilidade de reafirmação da DER. Fixação do termo inicial, nessas hipóteses, na data da citação válida do INSS. O entendimento fixado no tema repetitivo 995/STJ não obstou a viabilidade de reconhecimento do direito à prestação previdenciária nas hipóteses em que atendidas as regras de concessão em momento anterior ao ajuizamento da ação, apenas rechaçou-se a possibilidade de reafirmação da DER para a data de implemento dos requisitos correspondentes ao benefício, devendo o termo inicial, nessa hipótese, ser fixado na data da citação válida do INSS. A controvérsia cinge-se em determinar se: (a) a ausência de renovação da postulação administrativa caracteriza ausência de interesse de agir, atraindo a aplicação do entendimento firmado no julgamento do Tema n. 350/STF; e (b) a tese fixada no julgamento do Tema n. 995/STJ impossibilita o reconhecimento do direito ao benefício no caso de implemento dos requisitos em momento anterior à propositura da ação. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema n. 350/STF, fixou orientação segundo a qual a concessão de benefícios previdenciários depende de prévio requerimento do interessado na seara administrativa, porquanto para configurar o interesse de agir é preciso estar caracterizada a necessidade de ir a juízo. Portanto, para a configuração do interesse de agir, faz-se indispensável a demonstração da necessidade da prestação jurisdicional para a satisfação da pretensão do autor. A reafirmação da DER é um instituto típico do Direito Processual Civil Previdenciário que ocorre quando se reconhece o direito a benefício por fato superveniente ao requerimento administrativo, fixando-se a sua data de início (Data de Início do Benefício - DIB) para o momento do adimplemento dos requisitos legais. A Primeira Seção, no julgamento do Tema n. 995/STJ, fixou orientação segundo a qual é possível a reafirmação da DER para o momento em que restarem implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos artigos 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir. Em sede de Embargos de Declaração, a Primeira Seção deliberou pela impossibilidade de reafirmação da DER para a data de implemento dos requisitos de concessão quando o fato superveniente for posterior à propositura da ação. Do julgado apontado é possível extrair a compreensão de que somente se poderá admitir o reconhecimento dos efeitos financeiros desde o momento do implemento dos requisitos para a concessão do benefício quando o fato superveniente for posterior ao ajuizamento da ação. Isso significa que não se obstou a viabilidade de reconhecimento do direito à prestação previdenciária nas hipóteses em que atendidas as regras de concessão em momento anterior ao ajuizamento da ação, apenas rechaçou-se a possibilidade de reafirmação da DER para a data de implemento dos requisitos correspondentes ao benefício. Desse modo, impõe-se a fixação do termo inicial, nessas hipóteses, na data da citação válida do INSS. (AgInt nos EDcl no REsp 2.004.888-RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Rel. para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por maioria, julgado em 22/8/2023, DJe 31/8/2023)
DIREITO ADMINISTRATIVO - Cadastro de restrição de crédito. Inscrição prévia em dívida ativa. Desnecessidade. Princípio da menor onerosidade para a Administração. Inadimplência comprovada por outro meio idôneo. A Administração Pública pode inscrever em cadastros de restrição de crédito os seus inadimplentes, ainda que não haja inscrição prévia em dívida ativa. (AREsp 2.265.805-ES, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 22/8/2023, DJe 25/8/2023)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. RESTITUIÇÃO ADMINISTRATIVA DO INDÉBITO RECONHECIDO NA VIA JUDICIAL. INADMISSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DO REGIME CONSTITUCIONAL DE PRECATÓRIOS (CF, ART. 100). QUESTÃO CONSTITUCIONAL. POTENCIAL MULTIPLICADOR DA CONTROVÉRSIA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA COM REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DECISÃO RECORRIDA EM DISSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. Firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que os pagamentos devidos pela Fazenda Pública em decorrência de pronunciamentos jurisdicionais devem ser realizados por meio da expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor, conforme o valor da condenação, consoante previsto no art. 100 da Constituição da República 2. Recurso extraordinário provido. 3. Fixada a seguinte tese: Não se mostra admissível a restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial, sendo indispensável a observância do regime constitucional de precatórios, nos termos do art. 100 da Constituição Federal. (STF, Plenário, RE 1420691 RG / SP, relatora a Ministra Rosa Weber, j. 08/8/2023)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ABERTURA, REGISTRO E CUMPRIMENTO DE TESTAMENTO PARTICULAR ESCRITO DE PRÓPRIO PUNHO. DESCUMPRIMENTO DE FORMALIDADES LEGAIS. DÚVIDAS QUANTO A REAL VONTADE DO TESTADOR. IMPOSSIBILIDADE DE CONFIRMAÇÃO JUDICIAL. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. As formalidades do testamento estabelecidas na lei têm por finalidade garantir a preservação da primazia da vontade do testador,não constituindo um fim em si mesmas. 2. Admite-se, por exemplo, que o testamento particular escrito de próprio punho pelo de cujus, mas sem testemunhas, seja confirmado judicialmente quando houver indicação, na própria cédula, de circunstâncias excepcionais capazes de dispensar essa formalidade legal (art. 1.876 do CC/02). 3. No caso, porém, faltaram testemunhas presenciais do ato e não foi declarada nenhuma circunstância excepcional justificadora. 4. Além disso, não é possível visualizar com segurança se o conteúdo do documento apresentado corresponde de fato à vontade do testador, pois ele não assinou todas as folhas do respectivo instrumento e porque o confeccionou em mais de uma assentada. 5. Incabível, dessa forma, conferir validade a essa manifestação de última vontade. 6. Recurso especial não provido. (STJ, 3ª Turma, REsp 2.000.938/SP, relator p/ acórdão Min. Moura Ribeiro)
PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DE DEVEDOR DE ALIMENTOS. CREDOR MENOR OU INCAPAZ. FLEXIBILIZAÇÃO. NÍVEL MÁXIMO DE EXIGIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE PROVER O AUTO-SUSTENTO. INDISPENSABILIDADE DOS ALIMENTOS À SOBREVIVÊNCIA E AO DESENVOLVIMENTO DIGNO E SADIO. FLEXIBILIZAÇÕES EXCEPCIONALMENTE ADMITIDAS EM HIPÓTESES QUE ENVOLVAM CREDORES COM APTIDÃO PARA O AUTO-SUSTENTO. INADIMPLEMENTO ININTERRUPTO POR OITO ANOS SEGUIDO DE ADIMPLEMENTO POR QUATRO ANOS. EXECUÇÃO INICIADA EM 2011 SOB O RITO DA PRISÃO CIVIL. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA DA DESNECESSIDADE DOS ALIMENTOS PELA CREDORA CUMULADA COM AUSÊNCIA DE PROVA DA ABSOLUTA IMPOSSIBILIDADE DE PAGAR PELO DEVEDOR QUE, AO TEMPO DO INADIMPLEMENTO, POSSUÍA EMPREGO FORMAL. AUSÊNCIA DE PROPOSTA DE ACORDO OU COMPOSIÇÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. USO DA TÉCNICA DA COERÇÃO PESSOAL PELO DEVEDOR. ATENDIMENTO AOS SEUS MELHORES INTERESSES. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO PARA AFERIÇÃO DE SUPOSTOS PAGAMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE MEDIDAS DE CAUTELA PELO DEVEDOR. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS INDICIÁRIOS MÍNIMOS SOBRE OS SUPOSTOS PAGAMENTOS. 1- Habeas corpus impetrado em 22/05/2023. Recurso ordinário constitucional interposto em 14/07/2023. 2- Os propósitos recursais consistem em definir se é admissível a flexibilização da prisão civil do devedor de alimentos na hipótese em que o credor é incapaz e se estão presentes, na hipótese, os requisitos legais para a decretação da prisão civil por inadimplemento de dívida de natureza alimentar. 3- Os alimentos devidos aos filhos que sejam crianças e adolescentes ostentam nível máximo de exigibilidade diante de sua impossibilidade de auto-sustento e também diante das acentuadas necessidades existentes nessas fases da vida, em que os alimentos são indispensáveis à sobrevivência e ao desenvolvimento digno e sadio. Precedentes. 4- Esta Corte apenas tem flexibilizado a prisão civil de devedor de alimentos quando evidente a possibilidade de auto-sustento do credor, em especial de ex-cônjuges que já iniciaram o processo de recolocação profissional e de filhos maiores, capazes, com curso superior e estabelecidos profissionalmente, não se admitindo a mesma espécie de flexibilização quando estiver em jogo a vida digna e sadia de crianças e adolescentes que não possuam capacidade de autodefesa e de auto-sustento. Precedentes. 5- Na hipótese em exame, a execução de alimentos se iniciou no ano de 2011 e o devedor de alimentos deixou de adimplir os alimentos por mais de oito anos ininterruptos, de modo que, embora nos últimos quatro anos tenha havido o adimplemento da pensão alimentícia, não há óbice à cobrança da dívida pelo rito da coerção pessoal. 6- A manutenção da cobrança pela via da prisão civil, na hipótese em exame, justifica-se porque: (i) não há prova de que as necessidades da credora para uma vida digna e sadia estão sendo satisfeitas com a pensão alimentícia atualmente paga pelo devedor, diante do módico valor fixado e do longo período de inadimplência do devedor; (ii) não há prova de absoluta impossibilidade de quitação da dívida que se avolumou exclusivamente em virtude da ausência de pagamento em tempo e modo adequado pelo devedor; (iii) durante a maior parte do período de inadimplência, o devedor esteve formalmente empregado e, mesmo após o desemprego, não propôs nenhuma espécie de acordo ou de composição que pudesse minimizar os inegáveis prejuízos sofridos pelo credor, o que não se coaduna com a boa-fé; (iv) a via da coerção pessoal é instrumento colocado à disposição do credor de alimentos como forma de obtenção dos valores destinados à sobrevivência digna e sadia, de modo que o exercício regular do direito de crédito mediante a adoção dessa técnica processual atende aos seus melhores interesses; e (v) cabia ao alimentante adotar as medidas de cautela que razoavelmente se espera do devedor de prestações continuadas, em especial a guarda dos supostos comprovantes de pagamento por período minimamente razoável, não podendo se beneficiar da própria torpeza para requerer, mais de uma década após, a quebra de sigilo bancário sobre pagamentos supostamente realizados, sem nenhum indício de que eles tivessem sido feitos. 7- Recurso ordinário constitucional conhecido e não-provido. (STJ, 3ª Turma, RHC 183989 GO, relatora a Ministra Nancy Andrighi, j. 22/8/2023)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INTERDIÇÃO - MÉRITO - ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA - GRADAÇÃO DO EXERCÍCIO DA CURATELA PARA ALÉM DOS ATOS DE NATUREZA PATRIMONIAL E NEGOCIAL - POSSIBILIDADE - ESPECIFICIDADES DO CASO CONCRETO - ACOMETIMENTO POR RETARDO MENTAL LEVE - EXPRESSÃO CONSCIENTE DA VONTADE - VERIFICAÇÃO - EXERCÍCIO AUTÔNOMO DE ATOS DA VIDA CIVIL - CONSTATAÇÃO - EXTENSÃO DOS EFEITOS DA CURATELA – DESCABIMENTO.
- Pela sistemática do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o instituto da curatela foi revestido de novos contornos, sendo considerada "medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível", restringindo-se aos "atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial" (art. 84, § 3º e art. 85, caput), resguardando-se ao curatelado "o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto" (art. 85, § 1º).
- Sob tal perspectiva, há de se admitir que a extensão da curatela deva ser definida casuisticamente, na medida necessária à preservação dos interesses do curatelado. Vale dizer que há possibilidade de se graduar a curatela e restringir ou ampliar seu exercício de acordo com o caso concreto.
- Os efeitos da curatela devem atingir tão somente os atos de natureza patrimonial e negocial quando constatada a impertinência da sua ampliação, porquanto o requerido, acometido por retardo mental leve, preserva boa noção da realidade, emite ideias e opiniões de forma consciente e exerce diversos atos da vida civil de forma independente, inclusive desempenha atividade laborativa há mais de uma década. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.059865-8/001, Relator(a): Des.(a) Ângela de Lourdes Rodrigues , 8ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 03/08/2023, publicação da súmula em 04/08/2023)
APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - EXCESSO - IMPUGNAÇÃO GENÉRICA DA PERÍCIA - RESTITUIÇÃO DE VALORES - POSSIBILIDADE - SUCUMBÊNCIA PARCIAL - RATEIO.
- A impugnação genérica do exequente, destituída de comprovação efetiva da regularidade do valor executado, não se presta para alterar as conclusões da prova pericial sobre o excesso do valor executado. A restituição de valores pagos em excesso pelo embargante pode ser determinada pela sentença nos próprios autos dos embargos à execução. Precedentes do STJ. Não cabe estabelecer a condenação unicamente de uma das partes se há sucumbência parcial. (Apelação Cível nº 1.0223.10.005663-7/001 - Comarca de Divinópolis - Apelante: Banco do Brasil S.A. - Apelado: Sílvio Márcio de Abreu Magalhães - Relatora: Jd. Convocada Fabiana da Cunha Pasqua)
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE SUBTRAÇÃO DE INCAPAZ (CP, ART. 249) - RECURSO MINISTERIAL: PRETENSÃO À CONDENAÇÃO EM SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO (CP, 148, § 1º, INCISO I - INVIABILIDADE - INCONFORMISMO DO ACUSADO COM A GUARDA ISOLADA DA CRIANÇA EM FAVOR DA GENITORA - SUBTRAÇÃO DO MENOR DE FORMA ILEGAL COM O INTUITO DE INVERTER A GUARDA - CONFIGURAÇÃO DO ART. 249 DO CP - RECURSO MINISTERIAL NÃO PROVIDO - RECURSO DEFENSIVO: ABSOLVIÇÃO DO DELITO DE SUBTRAÇÃO DE INCAPAZ - IMPOSSIBILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - CONDENAÇÃO MANTIDA - DECOTE DO PAGAMENTO DA REPARAÇÃO DE DANO (R$ 20.000,00) EM FAVOR DA GENITORA DO FILHO DO APELANTE - DESCABIMENTO - RECURSO NÃO PROVIDO.
- O delito de sequestro e cárcere privado faz alusão à privação de liberdade como núcleo do tipo penal e, nessa toada, não é possível entender que o acusado, pai da criança, tenha agido no sentido de privar a liberdade do infante, à época, com dois anos de idade, sendo até questionável o nível de liberdade, ou seja, do direito de ir e vir, que, hipoteticamente, uma criança nessa idade teria, razão pela qual a tipificação atribuída aos fatos pelo magistrado, por emendatio libelli, mostra-se adequada, porquanto restou comprovado que houve a subtração de menor de 18 anos de quem lhe tinha a guarda.
- Os elementos carreados aos autos demonstram, de forma inequívoca, que o acusado ultrapassou os limites da função paterna, desrespeitando as regras estabelecidas para o direito de visitação do menor, cuja guarda teria sido atribuída à genitora, pelo que não há que se falar em absolvição do delito de subtração de incapaz.
- A angústia vivenciada pela mãe e a incerteza quanto ao destino do filho é algo inimaginável e, certamente, redunda em medo, desespero e sensação de vazio, cuja falta de respostas deixaria qualquer um em estado de constante alerta. Dessa forma, em se considerando que todo esse sofrimento foi causado pelo próprio genitor do menor, ex-companheiro da vítima, justificada é a manutenção da reparação por dano moral in re ipsa, a qual prescinde de comprovação, nos termos do art. 91, I, do Código Penal. (Apelação Criminal nº 1.0000.23.008212-5/001 - Comarca de Carangola - 1º Apelante: M.P.-.M. - 2º Apelante: A.M.S. - Apelado: M.P.-.M., A.M.S. - Relatora: Des.ª Kárin Emmerich)
CLIPPING JURÍDICO # 04 (26/8 a 01/9/2023)
JURISPRUDÊNCIA
RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1209
“Definição acerca da (in)compatibilidade do Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica, previsto no art. 133 e seguintes do Código de Processo Civil, com o rito próprio da Execução Fiscal, disciplinado pela Lei n. 6.830/1980 e, sendo compatível, identificação das hipóteses de imprescindibilidade de sua instauração, considerando o fundamento jurídico do pleito de redirecionamento do feito executório.”
RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1210
"Cabimento ou não da desconsideração da personalidade jurídica no caso de mera inexistência de bens penhoráveis e/ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa."
RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1211
""legalidade de cláusula contratual que estabeleça reajuste do prêmio de seguro de vida em grupo de acordo com a faixa etária."
DIREITO PROCESSUAL PENAL - Roubo majorado. Fixação de indenização mínima por danos morais. Art. 387, IV, do CPP. Pedido expresso na inicial acusatória. Instrução probatória específica. Desnecessidade. Limite de produção de provas extraído do contexto criminoso. Não alargamento, característico do Processo Civil. Valor mínimo, não exauriente. Possibilidade de liquidação da sentença. Revisão de entendimento da Quinta Turma para adoção do posicionamento da Sexta Turma. Para fixação de indenização mínima por danos morais, nos termos do art. 387, IV, do CP, não se exige instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de sofrimento da vítima, bastando que conste pedido expresso na inicial acusatória, garantia suficiente ao exercício do contraditório e da ampla defesa. Sob análise mais acurada a respeito da alteração promovida pela Lei n. 11.719/2008 ao art. 387, IV, do Código de Processo Penal e dos julgados do STJ, necessária a revisão do posicionamento até então adotado pela Quinta Turma desta Corte. A nova redação do art. 387, IV, do Código de Processo Penal tornou possível, desde a sentença condenatória, a fixação de um valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, afastando, assim, a necessidade da liquidação do título. O objetivo da norma foi o de dar maior efetividade aos direitos civis da vítima no processo penal e, desde logo, satisfazer certo grau de reparação ou compensação do dano, além de responder à tendência mundial de redução do número de processos. A previsão legal é a de fixação de um valor mínimo, não exauriente, sendo possível a liquidação complementar de sentença para apurar o efetivo dano sofrido, nos termos do art. 509, II, do CPC. Observe-se, nesse sentido, o art. 63, parágrafo único, do Código de Processo Penal: "transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido". A mens legis, taxativamente, não é a estipulação do valor integral da recomposição patrimonial, mas, isto sim, a restauração parcial do status quo por indenização mínima, na medida do prejuízo evidenciado na instrução da ação penal, sendo desnecessário o aprofundamento específico da instrução probatória acerca dos danos, característico do processo civil. No caso, a existência do dano moral ipso facto é satisfatoriamente debatida ao longo do processo, já que o réu se defende dos fatos imputados na denúncia, porventura ensejadores de manifesta indenização, justamente para que não acarrete postergação do processo criminal. No crime de roubo majorado pelo concurso de pessoas e uso de arma branca, o ofendido teve a faca posta em seu pescoço, tendo sido constatado pelas instâncias ordinárias o trauma psicológico sofrido, já que passou a ter dificuldades para dormir e medo de ser perseguido na rua pelos acusados. Assim, é possível a fixação de um mínimo indenizatório a título de dano moral, sem a necessidade de instrução probatória específica para fins de sua constatação (existência do dano e sua dimensão). Decorre de abalo emocional inequívoco, facilmente verificado pelas provas dos autos, com pedido expresso na inicial acusatória. Dessa forma, passa-se a adotar o posicionamento da Sexta Turma desta Corte, que não exige instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de sofrimento da vítima, nos termos do art. 387, IV, do CPP, bastando que conste o pedido expresso na inicial acusatória, garantia bastante ao exercício do contraditório e da ampla defesa. (AgRg no REsp 2.029.732-MS, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 22/8/2023, DJe 25/8/2023)
DIREITO DO CONSUMIDOR - Saques irregulares em conta corrente. Transações realizadas com uso de cartão com chip e senha pessoal do correntista. Responsabilidade da instituição financeira afastada. Não se pode responsabilizar instituição financeira em caso de transações realizadas mediante a apresentação de cartão físico com chip e a senha pessoal do correntista, sem indícios de fraude. As Turmas de Direito Privado do STJ têm decidido que cabe ao correntista, em caso de eventuais saques irregulares na conta, feitos com o cartão e a senha cadastrada pelo consumidor, a prova de que o banco agiu com negligência, imperícia ou imprudência na entrega do dinheiro. Para o STJ, basta à instituição financeira comprovar que o saque foi feito com o cartão do cliente e a respectiva senha, não tendo que demonstrar que foi ele pessoalmente que efetuou a retirada. Ressalta-se que, ainda que comprovado que não foi o autor, nem outra pessoa por ele autorizada, que realizou os saques, ainda assim, ressalvada a excepcionalidade de saques atípicos, não poderia a instituição financeira ser responsabilizada. Ao se tornar cliente de qualquer banco, o correntista assume inteira responsabilidade por sua senha e pelo cartão magnético. Portanto, cabe ao autor, como correntista, o devido zelo por seu cartão e senha bancária de modo a impedir que terceiros tenham, de alguma forma, acesso a este. No caso não houve retiradas frequentes e repetitivas da conta do autor em diferentes caixas eletrônicos, com valores significativos em relação ao saldo, o que poderia indicar um possível golpe ou clonagem do cartão, situação em que a instituição financeira teria a obrigação de tomar medidas para evitar a continuação da fraude. Se não o fizesse, isso implicaria uma falha no serviço. Desse modo, na situação analisada, não é possível responsabilizar o banco por saques realizados ao longo de quatro meses na mesma agência bancária, usando o cartão físico com chip do autor e sua senha pessoal. (REsp 1.898.812-SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 15/8/2023)
DIREITO EMPRESARIAL - Contrato de concessão comercial de veículos automotores de via terrestre. Lei Ferrari. Indenizações devidas ao concessionário. Edifício erigido pelo concessionário em imóvel alugado de propriedade de terceiro. Bem que serviu à concessão. Estratégia comercial arrojada eleita pelo concessionário e cujo risco deve ser suportado por ele. Na hipótese de não renovação de contrato de concessão comercial de veículos, o prédio construído em terreno alheio, em razão da concessão, não se insere no conceito de "instalações", a justificar o respectivo ressarcimento pela concedente à concessionária. A questão central diz respeito à indenização devida pela empresa concedente em favor da concessionária de veículos automotores, na hipótese de não renovação de contrato celebrado por tempo determinado. De forma mais específica importa saber se ela deve ser ressarcida pelas despesas havidas para edificar, em terreno alheio, o prédio que lhe serviu de domicílio. A Concessão Comercial tratada pela Lei Ferrari impõe aos distribuidores diversas obrigações, tais como a aquisição de quotas mínimas de produtos, a compra e manutenção em estoque de bens e peças de reposição, o fornecimento de assistência técnica e garantia aos adquirentes etc. Esses distribuidores são obrigados a atender rígidos padrões determinados pelo concedente, que envolvem treinamento regular de pessoal, especificações de arquitetura, mobiliário, layout da loja, número de funcionários, adoção de sistemas específicos de contabilidade, envio de minuciosos relatórios, balancetes e informações detalhadas acerca das operações, o mercado e dados pessoais dos clientes, até a permissão para que a montadora examine, audite e copie todos os registros, contratos, contas, livros contábeis e documentos pertinentes às vendas e serviços realizados. Todas essas obrigações demandam, como é cediço, muito trabalho e capital, de modo que a Lei Ferrari, para assegurar a recuperação do investimento realizado pelo concessionário, lhe garantiu diversos direitos, como o de vender os produtos com exclusividade em sua área de atuação ou, pelo menos, de não ser prejudicado pela outorga de uma nova concessão na mesma área territorial; a prerrogativa de usar gratuitamente a marca do concedente, de receber uma cota mínima de veículos para revenda, de não concorrer com vendas diretas da própria montadora, etc. Entre as medidas protetivas mencionadas em lei ainda se inclui uma disciplina bastante minudente acerca da indenização cabível em caso de rompimento imotivado (arts. 21, 24 e 26) ou de não renovação contratual (art. 23). Especificamente para as hipóteses de não renovação do contrato estipulado por prazo determinado, o art. 23 da Lei Ferrari estabelece que a empresa concedente ficará obrigada a comprar/indenizar os elementos essenciais do estabelecimento do concessionário, isto é, deverá readquirir o estoque de veículos e componentes novos, bem como equipamentos, máquinas, ferramental e instalações empregadas na concessão. Esses mecanismos protetivos, no entanto, visam apenas reequilibrar, tanto quanto possível, a disparidade econômica que existe entre montadoras e concessionárias. Nenhuma dessas proteções legais pode significar o afastamento definitivo do risco empresarial intrínseco à atividade explorada pelo concessionário. Nessa modalidade contratual, vale repisar, o concessionário adquire os veículos do fabricante, por sua conta e risco, revendendo-os com exclusividade numa determinada área geográfica, pelo melhor preço que conseguir (art. 13). Em síntese, deve-se concluir que o art. 23, II, da Lei n. 6.729/1979, excluiu da indenização devida ao concessionário em caso de não renovação do contrato todos os imóveis que serviram à concessão. (REsp 2.055.135-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 8/8/2023, DJe 14/8/2023.)
RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTEMPESTIVIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO INTERRUPTIVO. DEFESA DO DEVEDOR. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Os embargos de declaração interrompem o prazo apenas para a interposição de recurso, não sendo possível conferir interpretação extensiva ao art. 1.026 do CPC/2015 a fim de estender o significado de recurso às defesas ajuizadas pelo executado.
2. Recurso especial a que se dá provimento para julgar intempestiva a impugnação ao cumprimento de sentença. (REsp n. 1.822.287/PR, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 3/7/2023)
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - DECISÃO DO STJ. REFORMA DO ACÓRDÃO PROFERIDO POR ESTA CORTE - RECURSO PROVIDO - DETERMINAÇÃO ACOLHIDA - APELAÇÃO CRIMINAL - POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO - RECURSO DEFENSIVO CONHECIDO - ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE AUTORIA - IN DUBIO PRO REO - PRINCÍPIO DA BAGATELA - APLICABILIDADE - ATIPICIDADE DA CONDUTA.
- Considerando que o STJ deu provimento ao agravo em recurso especial interposto pelo parquet, afastando a decisão proferida por esta Corte que anulou a sentença de piso e declarou extinta a punibilidade do réu pela prescrição, deve ser acolhida a determinação superior e analisado o recurso de apelação interposto pela defesa.
- Inexistindo provas suficientes acerca da propriedade da arma apreendida, não é possível admitir eventual condenação do réu pelo crime de posse de arma, ora em análise, sob pena de flagrante violação ao princípio do in dubio pro reo, previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República.
- O princípio da bagatela encontra aplicação quando a infração não tem qualquer relevância que imponha a necessária intervenção penal.
- A apreensão de pequena quantidade de munição, sem a respectiva arma, enseja o reconhecimento da atipicidade material do fato, haja vista a sua irrelevância jurídico-penal, devendo ser absolvido o apelante. (Apelação Criminal nº 1.0209.15.006304-5/001 - Comarca de Curvelo - Apelante: R.P.F. - Apelado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Relatora: Des.ª Âmalin Aziz Sant'Ana)
CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. BUSCA E APREENSÃO REGIDA PELO DECRETO-LEI Nº 911/1969. MODIFICAÇÃO INTRODUZIDA NO DECRETO-LEI Nº 911/1969 PELA LEI Nº 13.043/2014. FINALIDADE DE FACILITAR A COMPROVAÇÃO DA MORA PELO CREDOR E DE DESBUROCRATIZAR O PROCEDIMENTO. SIMPLES ENVIO DE CARTA REGISTRADA COM AVISO DE RECEBIMENTO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA PARA PERMITIR QUE A CONSTITUIÇÃO EM MORA OCORRA MEDIANTE ENVIO DE E-MAIL AO DEVEDOR. IMPOSSIBILIDADE. MODALIDADE NÃO AUTORIZADA PELO LEGISLADOR. CIÊNCIA INEQUÍVOCA A RESPEITO DO RECEBIMENTO, LEITURA E CONTEÚDO QUE DEMANDARIA ATIVIDADE INSTRUTÓRIA INCOMPATÍVEL COM O RITO ESPECIAL DO DECRETO-LEI Nº 911/1969.
1- Ação ajuizada em 22/04/2022. Recurso especial interposto em 25/07/2022 e atribuído à Relatora em 01/09/2022.
2- O propósito recursal consiste em definir se, em ação de busca e apreensão regida pelo Decreto-Lei nº 911/1969, é admissível a comprovação da mora do réu mediante o envio da notificação extrajudicial por correio eletrônico (e-mail).
3- É inadmissível o recurso especial ao fundamento de violação ao art. 10, § 1º, da MP 2-200-2/2001, uma vez que o acórdão recorrido não emitiu juízo de valor a respeito do referido dispositivo legal e não houve a oposição de embargos de declaração na origem.
Aplicabilidade da Súmula 211/STJ.
4- Se é verdade que, na sociedade contemporânea, tem crescido o uso de ferramentas digitais para a prática de atos de comunicação de variadas naturezas, não é menos verdade que o crescente uso da tecnologia para essa finalidade tem de vir acompanhado de regulamentação que permita garantir, minimamente, que a informação transmitida realmente corresponde aquilo que se afirma estar contida na mensagem e de que houve o efetivo recebimento da comunicação pelo seu receptor.
5- Antes da modificação proporcionada pela Lei nº 13.043/2014, o art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei nº 911/1969 exigia a comprovação da mora ocorresse por carta registrada expedida pelo Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor.
6- Após a alteração do Decreto-Lei nº 911/1969 causada pela Lei nº 13.043/2014, passou-se a permitir que a comprovação da mora pudesse ocorrer mediante o envio de simples carta registrada com aviso de recebimento, sequer se exigindo, a partir de então, que a assinatura constante do aviso fosse a do próprio destinatário.
7- A expressão "poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento" adotada pelo legislador reformista deve ser interpretada à luz da regra anterior, mais rígida, de modo a denotar a maior flexibilidade e simplicidade incorporadas pela Lei nº 13.043/2014, mas não pode ser interpretada como se a partir de então houvessem múltiplas possibilidades à disposição exclusiva do credor, como, por exemplo, o envio da notificação por correio eletrônico, por aplicativos de mensagens ou redes sociais, que não foram admitidas pelo legislador.
8- Descabe cogitar a possibilidade de reconhecer a validade da notificação extrajudicial enviada somente por correio eletrônico porque teria ela atingido a sua finalidade, na medida em que a ciência inequívoca de seu recebimento pressuporia o exame de uma infinidade de aspectos relacionados à existência de correio eletrônico do devedor fiduciante, ao efetivo uso da ferramenta pelo devedor fiduciante, a estabilidade e segurança da ferramenta de correio eletrônico e a inexistência de um sistema de aferição que possua certificação ou regulamentação normativa no Brasil, de modo a permitir que as conclusões dele advindas sejam admitidas sem questionamentos pelo Poder Judiciário.
9- A eventual necessidade de ampliar e de aprofundar a atividade instrutória, determinando-se, até mesmo, a produção de uma prova pericial a fim de se apurar se a mensagem endereçada ao devedor fiduciante foi entregue, lida e se seu conteúdo é aquele mesmo afirmado pelo credor fiduciário, instalaria um rito procedimental claramente incompatível com os ditames do Decreto-Lei nº 911/1969.
10- Não se conhece do recurso especial por dissídio jurisprudencial quando ausente o cotejo analítico entre os acórdãos recorrido e paradigmas.
11- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não-provido. (REsp n. 2.022.423/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/4/2023, DJe de 27/4/2023.)
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL COM PACTO ADJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PRETENSÃO DE RESILIÇÃO UNILATERAL. INADIMPLEMENTO ANTECIPADO. INCIDÊNCIA DA LEI Nº 9.514/97.
1. Ação de resolução de contrato c/c restituição de valores ajuizada em 02/06/2016, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 03/03/2022 e concluso em 15/12/2022.
2. O propósito recursal consiste em decidir sobre a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional e a aplicabilidade do procedimento previsto nos arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514/97 na hipótese em que o adquirente manifesta sua intenção de resolver o contrato por dificuldades financeiras (“antecipatory breach”).
3. Nas obrigações sujeitas a termo, em regra, o credor somente poderá exigir o seu cumprimento na data do vencimento (arts. 331 e 939 do CC/02), de modo que o inadimplemento somente restará caracterizado caso não satisfeita a prestação no tempo convencionado. No entanto, é possível que antes do termo ajustado o devedor declare ao credor que não cumprirá a obrigação ou adote comportamento concludente no sentido do não cumprimento. Nessa hipótese, estará caracterizado o inadimplemento antecipado do contrato (“antecipatory breach of contract”).
4. No momento em que o adquirente manifesta o seu interesse em desfazer o contrato de compra e venda com pacto de alienação fiduciária, fica caracterizada a quebra antecipada, porquanto revela que ele deixará de adimplir a sua obrigação de pagar. Embora não se trate, ainda, de uma quebra da obrigação principal, o seu futuro incumprimento é certo, o que torna imperiosa a observância do procedimento específico estabelecido nos arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514/97 para a satisfação da dívida garantida fiduciariamente e devolução do que sobejar ao adquirente.
5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (STJ, 3ª Turma, REsp 2.042.232/RN, relatora a Ministra Nancy Andrighi)
CLIPPING JURÍDICO # 03 (19 a 25/8/2023)
LEGISLAÇÃO
Lei nº 14.661, de 23.8.2023 - Acrescenta art. 1.815-A à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para determinar, nos casos de indignidade, que o trânsito em julgado da sentença penal condenatória acarretará a exclusão imediata do herdeiro ou legatário indigno.
Lei nº 14.657, de 23.8.2023 - Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para permitir que as partes e os advogados se retirem em caso de atraso injustificado do início de audiência.
Lei nº 14.662, de 24.8.2023 - Altera a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para determinar que a alteração de contrato de consórcio público dependerá de ratificação mediante leis aprovadas pela maioria dos entes federativos consorciados.
JURISPRUDÊNCIA
RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1206
O Superior Tribunal de Justiça afetou, em 23/8/2023, os Recursos Especiais nºs 2.048.422/MG, 2.048.645/MG e 2.048.440/MG, como paradigmas da controvérsia repetitiva descrita no Tema 1.206, no qual se busca definir se “A assinatura do laudo toxicológico definitivo por perito criminal é imprescindível para a comprovação da materialidade do delito de tráfico de drogas.”
RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO – TEMA 1205
O Superior Tribunal de Justiça afetou, em 18/8/2023, os Recursos Especiais nºs 2.062.375/AL e 2.062.095/AL, como paradigmas da controvérsia repetitiva descrita no Tema 1205, no qual se busca definir se: “A restituição imediata e integral do bem furtado constitui, por si só, motivo suficiente para a incidência do princípio da insignificância".
ADI 7.267 - Presença da vítima em audiência de retratação é opcional, diz maioria do STF – Fonte: CONJUR
A garantia da liberdade só existe se a mulher puder apenas solicitar a audiência de retratação prevista no artigo 16 da Lei Maria da Penha. Determinar o comparecimento da vítima a essa audiência significa violar sua intenção e, portanto, discriminá-la. Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria nesta segunda-feira (21/8) para reconhecer a inconstitucionalidade da designação, de ofício, de tal audiência por parte do juiz, além de afastar a interpretação segundo a qual o não comparecimento da vítima de violência doméstica implica renúncia ao direito de representação. A sessão virtual se encerrará oficialmente às 23h59 desta segunda. O artigo 16 da Lei Maria da Penha prevê que, nas ações penais públicas por lesão corporal leve e lesão culposa — que são condicionadas à representação da vítima —, a renúncia à representação só pode ser admitida perante o juiz, em uma audiência designada especialmente para isso, antes do recebimento da denúncia e após manifestação do Ministério Público. A ação direta de inconstitucionalidade julgada pelo STF foi ajuizada no último ano pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). A entidade pediu que o Supremo garantisse a continuidade das ações penais nos casos em que a vítima de violência doméstica não comparecesse à audiência de retratação. Segundo a Conamp, o não comparecimento da vítima a tal audiência vinha sendo interpretada como renúncia tácita, com extinção da punibilidade do agressor e arquivamento do processo. Na visão da entidade, esse entendimento viola os princípios da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal, além de retirar do MP a titularidade exclusiva para promover ação penal pública. Conforme a autora da ação, o objetivo da audiência é a verificação do real desejo da vítima de retirar a representação contra o agressor, e não a sua confirmação. Prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin, relator da ADI. Até o momento, ele já foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luiz Fux. De acordo com Fachin, o artigo 16 da lei "não deve ser lido de forma isolada, como se contivesse apenas dispositivos dirigidos ao juiz", pois faz parte de um conjunto de normas voltadas ao atendimento por equipe multidisciplinar. Ele apontou que tal sistema é mais eficaz para enfrentar a violência doméstica, já que "viabiliza o conhecimento das causas e os mecanismos" do problema. Assim, segundo o magistrado, a função da audiência não é apenas "avaliar a presença de um requisito procedimental", mas permitir que a vítima, ajudada por uma equipe multidisciplinar, possa se manifestar livremente e expressar sua vontade. "Não cabe ao juiz delegar a realização da audiência para outro profissional, nem cabe ao juiz designar, de ofício, a audiência", concluiu o relator. Para Fachin, qualquer interpretação de que a audiência é obrigatória "viola o direito à igualdade, porque discrimina injustamente a vítima de violência".
STF forma maioria contra norma que expande casos de impedimento de juiz (Fonte: CONJUR)
A norma contida no artigo 144, VIII, do Código de Processo Civil ofende a Constituição, uma vez que estabelece regra objetiva de impedimento de magistrado de forma desproporcional; afeta interesse de terceiros, parentes de magistrados, em ofensa aos postulados da livre iniciativa e do direito ao trabalho; e cria injustificada distinção entre advogados públicos e privados. Com base nesse entendimento, o Supremo Tribunal Federal formou maioria a favor da inconstitucionalidade da regra do CPC segundo a qual o juiz está impedido "no processo em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório". Prevaleceu no julgamento o voto divergente do ministro Gilmar Mendes, decano da corte, que foi seguido pelos ministros Cristiano Zanin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes. O voto do relator da matéria, ministro Edson Fachin, pela validade da norma do CPC foi seguido integralmente pela ministra Rosa Weber, presidente da corte, e parcialmente pelo ministro Luis Roberto Barroso. A ministra Cármen Lúcia e o ministro André Mendonça ainda não registraram seus votos. A norma foi questionada em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Segundo a entidade, a regra de impedimento não tem como ser aplicada por ato unilateral do magistrado a partir do exame do processo no qual haveria de se declarar impedido. Assim, "a norma deve estar sendo descumprida pela maioria quase absoluta dos magistrados, sem que saibam que estão incorrendo nesse descumprimento", disse a associação. Não se discute na ADI que não cabe ao magistrado julgar uma causa em que seus parentes estejam atuando direta ou indiretamente. Tal hipótese é vedada pelo artigo 144, inciso III e parágrafo 3º, do CPC. O problema, segundo a AMB, é estender o impedimento a causas patrocinadas por outros advogados do escritório em que eles trabalham. Isso significa, na prática, que o magistrado será obrigado a conhecer todos os clientes das bancas integradas por seus parentes e se declarar impedido em quaisquer causas em que eles constem como parte. Por exemplo, se a mulher de um julgador atua em um escritório, e a firma atende a uma empresa em casos societários, o magistrado não poderá julgar nem mesmo uma ação trabalhista movida contra tal companhia por um advogado de outro estado. Assim, o impedimento vai se projetar para qualquer processo em que a parte tenha interesse. Em seu voto, Cristiano Zanin buscou demonstrar exatamente esta ideia: a de que o julgador pode não ter conhecimento de quem é ou não cliente do advogado parente. Isso não significa, porém, que os magistrados estarão autorizados a julgar casos patrocinados por advogado parente. Assim, o voto defende que o juiz não fique impedido de julgar pessoa física ou jurídica que já foi ou é cliente de advogado parente, em causa diversa. "Na prática, a solução de reconhecer o impedimento do magistrado inviabiliza os serviços judiciários. Por outro lado, impedir o parente do magistrado de atuar como advogado, além de ser juridicamente impossível, restringe as oportunidades de terceiro, em afronta à liberdade de iniciativa e ao direito ao trabalho e à subsistência", explicou Zanin. O ministro destacou que, nos autos, o Senado, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria Geral da República reconheceram que a aplicação literal e absoluta do dispositivo questionado podem conduzir a graves distorções. "O primeiro questionamento, então, é como exigir que o magistrado efetivamente conheça a carteira de clientes do escritório no qual atua seu parente", anotou Zanin. Nesse sentido, o ministro destacou que a relação entre o advogado e o seu cliente é sigilosa. "É inclusive infração disciplinar a violação do sigilo profissional (art. 34, VII, da Lei nº 8.906/1994 — Estatuto da Advocacia). Não há nenhuma obrigação de o advogado informar o seu parente magistrado sobre a sua carteira de clientes", acrescentou ele. Além disso, os escritórios de advocacia por vezes funcionam com estrutura nos moldes empresariais, contando com centenas de advogados e até defendendo boa parte das grandes empresas. "Em resumo, muitas vezes o advogado não saberá com detalhes a carteira de clientes do escritório", anotou Zanin. Ainda segundo o ministro, a regra impugnada também acarreta entraves nas instâncias ordinárias. "Na prática, se aplicada a norma, por exemplo, o magistrado do Juizado Especial se dará como impedido em quase 30% de seus processos (apenas considerando os cinco maiores litigantes)." O ministro apontou que também haverá pressão contra o advogado que seja parente de magistrado, que ficará impossibilitado de trabalhar em um escritório de médio ou grande porte, a fim de evitar constrangimento. "Em resumo, a norma questionada ofende a Constituição, pois (i) impõe regra objetiva de impedimento de magistrado de forma desproporcional, em grave prejuízo ao serviço público e à segurança jurídica; (ii) afeta inclusive interesse de terceiros, parentes de magistrados, em ofensa aos postulados da livre iniciativa e do direito ao trabalho; e (iii) cria injustificada distinção entre advogados públicos e privados", concluiu Zanin.
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, DE NÃO FAZER OU DE ENTREGAR COISA. PRAZO PARA ADIMPLEMENTO VOLUNTÁRIO. NATUREZA PROCESSUAL. CÔMPUTO EM DIAS ÚTEIS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O cumprimento de sentença de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa deve se dar em prazo razoável a ser fixado pelo juiz, sem o que poderá se sujeitar a parte devedora, entre outras medidas, à imposição de multa, à busca e apreensão, à remoção de pessoas e coisas, ao desfazimento de obras e ao impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, haver a requisição do auxílio de força policial, nos termos do art. 536, § 1º, do CPC/2015.
2. Além disso, tanto no cumprimento de sentença de obrigação de pagar quantia certa, quanto no de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa, o adimplemento é ato a ser praticado diretamente pela parte devedora, incidindo o termo inicial do prazo de cumprimento voluntário, legal ou judicial, a partir da intimação da parte, conforme preconiza o art. 231, § 3º, do CPC/2015.
3. Tendo em vista as implicações processuais oriundas do não adimplemento voluntário em quaisquer das mencionadas espécies de cumprimento de sentença, constata-se a incidência do mesmo fundamento utilizado pela Terceira Turma no REsp 1.708.348/RJ - de implicações processuais decorrentes do descumprimento voluntário oportunamente -, a atrair a aplicação do mesmo direito reconhecido naquele precedente - acerca da natureza processual desse prazo - ao caso em exame (ubi eadem ratio ibi idem jus), tal como já decidido pela Segunda Turma no REsp 1.778.885/DF.
4. Portanto, conclui-se que o prazo para adimplemento voluntário de cumprimento de sentença de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa, a ser fixado de forma razoável em cada caso pelo juiz, possui natureza processual - sobretudo diante das consequências jurídicas de natureza processual que poderão advir do seu descumprimento -, computando-se em dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC/2015.
5. Recurso especial provido. (REsp n. 2.066.240/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/8/2023, DJe de 21/8/2023)
RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL E RECUPERACIONAL. TELEFONIA. COMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. FATO GERADOR ANTERIOR. CRÉDITO CONCURSAL. HABILITAÇÃO. FACULDADE DO CREDOR. SUJEIÇÃO AOS EFEITOS AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. NOVAÇÃO DO CRÉDITO. OCORRÊNCIA. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA DOS LIMITES PREVISTOS NO ART. 9º, II, DA LEI 11.101/05.
1. Ação de complementação de ações em fase de cumprimento de sentença, impugnada e julgada em 09/03/2020 Recurso especial interposto em: 29/09/2022; conclusos ao gabinete em: 15/12/2022. 2. O propósito recursal consiste em definir a forma de atualização monetária do crédito, diante da opção do credor em não habilitá-lo na recuperação judicial.
3. No julgamento do Recurso Especial n. 1.655.705/SP, DJe 25/5/2022, a Segunda Seção do STJ definiu a tese de que a habilitação do credor não é obrigatória, uma vez que o seu crédito é disponível, "mas a ele se aplicam os efeitos da novação resultantes do deferimento do pedido de recuperação judicial".
4. Segundo o precedente, o credor que não habilitar deverá "apresentar novo pedido de cumprimento de sentença após o encerramento da recuperação judicial"; o marco será a partir da decisão de encerramento da recuperação, término da fase judicial (LREF, arts. 61-63).
5. Assim, tratando-se de crédito não habilitado a ser cobrado após o encerramento da recuperação judicial, deverá ele se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial, devendo ser pago de acordo com o plano de soerguimento e, por consequência lógica, em observância à data limite de atualização monetária - data do pedido de recuperação judicial - prevista no art. 9º, II, da Lei n. 11.101/2005.
6. Na hipótese, inobstante não estar o crédito habilitado, deverá o mesmo ser submetido aos efeitos da recuperação judicial, respeitando-se, em relação à atualização monetária, a limitação imposta pela lei de regência - corrigidos até a data do pedido de recuperação judicial (LREF, art. 9°, II) - e, no período compreendido entre o pedido de recuperação judicial e a data do efetivo pagamento, nos termos e índices deliberados no plano de soerguimento.
7. Recurso especial provido. (REsp n. 2.041.721/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 26/6/2023)
DIREITO ADMINISTRATIVO - Ação indenizatória. Acidente de trânsito. Empresa particular prestadora de serviço público. Relativamente incapaz. Prazo prescricional de 5 anos. Entrada em vigor do art. 1º-C da Lei n. 9.494/1997. Incidência. Depois da entrada em vigor do art. 1º-C da Lei n. 9.494/1997, é quinquenal o prazo de prescrição da ação indenizatória decorrente de acidente de trânsito ocasionado por empresa particular prestadora de serviço público, cuja vítima é relativamente incapaz. No caso, tendo em vista que o acidente ocorreu em 24/12/1990, quando o autor tinha 12 anos, o curso do prazo prescricional só teve início em 16/12/1994, quando ele alcançou a capacidade civil relativa (16 anos), nos termos dos arts. 167, I, do CC/1916 e 198, I, do CC/2002. Segundo entendimento desta Corte, em respeito à proteção dos interesses do menor incapaz, caso a contagem do prazo prescricional sob a égide do Código Civil de 2002 vier a lhe ocasionar efetivo prejuízo, deve-se afastar o disposto no art. 169, I, do revogado Código Civil, para computar o prazo vintenário na íntegra, estabelecendo-se a data do evento danoso como termo inicial. Com base nessa premissa jurisprudencial, deve ser avaliado o padrão mais vantajoso para o autor. De um lado, tem-se a possibilidade de aplicação da regra de transição estabelecida no art. 2.028 do CC, com o prazo trienal previsto no art. 206, § 3º, V, situação em que o termo final para o ajuizamento da ação seria em 11/1/2003. De outro, existe a possibilidade de contagem do prazo vintenário a partir do evento danoso (24/12/1990), consolidando-se a prescrição no final de 2010. No entanto, nas ações indenizatórias movidas em desfavor de pessoa jurídica de direito privado, na condição de prestadora de serviço público, a prescrição é regida pelo Código Civil, até a entrada em vigor do art. 1º-C da Lei n. 9.494/1997, em 28/8/2001. Logo, independentemente da metodologia adotada, é inafastável que, com a entrada em vigor do art. 1º-C da Lei n. 9.494/1997, em 28/1/2001, o prazo passou a ser quinquenal, fazendo com que, na espécie, o termo final da prescrição ocorresse em 28/1/2006. (REsp 2.019.785-SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 15/8/2023, DJe 18/8/2023)
DIREITO CIVIL - Recuperação Judicial. Grupo econômico. Pedido de recuperação judicial em litisconsórcio ativo. Requisitos. Análise individual de cada recuperanda. O deferimento de processamento da recuperação judicial em consolidação processual não impede a posterior análise do preenchimento dos requisitos para o pedido de recuperação em relação a cada um dos litisconsortes. (REsp 2.068.263-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/8/2023)
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Título judicial. Execução. Depósito judicial. Levantamento obstado. Incidência de juros e correção monetária na forma prevista no título. O fato de a instituição financeira ser responsável pela correção monetária e pelos juros de mora após o depósito judicial não exime o devedor de pagar eventual diferença sobre os encargos, calculados de acordo com o título, que incidem até o efetivo pagamento. O Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento de que os encargos estabelecidos no título apenas cessam se não houve óbice ao levantamento do valor pelo credor, sendo que, do contrário, pode este pleitear as diferenças entre os encargos pagos pela instituição financeira depositária e aqueles resultantes da previsão no título. No caso, o depósito foi realizado apenas para fins de deferimento do pedido cautelar. E de acordo com a jurisprudência do STJ "a satisfação da obrigação creditícia somente ocorre quando o valor a ela correspondente ingressa no campo de disponibilidade do exequente; permanecendo o valor em conta judicial, ou mesmo indisponível ao credor, por opção do devedor, por evidente, mantém-se o inadimplemento da prestação de pagar quantia certa" (REsp 1.175.763/RS, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 21/6/2012, DJe 5/10/2012). A responsabilidade pela correção monetária e pelos juros de mora, após feito o depósito judicial, é da instituição financeira onde o numerário foi depositado. Nada obstante, tal exegese não significa que o devedor fica liberado dos consectários próprios de sua obrigação, pois, no momento em que a quantia se tornar disponível para o exequente (data do efetivo pagamento), os valores depositados judicialmente, com os acréscimos pagos pela instituição bancária, deverão ser deduzidos do montante da condenação calculado na forma do título judicial ou extrajudicial. Com isso, evitar-se-á a ocorrência de bis in idem e será corretamente imputada a responsabilidade pela mora (REsp 1.475.859/RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 16/8/2016, DJe 25/8/2016). (AgInt no REsp 1.965.048-SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 12/6/2023, DJe 15/6/2023)
DIREITO PROCESSUAL PENAL - Gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sob a égide da Lei n. 9.034/1995 (redação dada pela Lei n. 10.217/2001). Participação do órgão acusador. Fornecimento de aparato de gravação. Ilicitude da prova. Superação de entendimento anterior. A participação dos órgãos de persecução estatal na gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem prévia autorização judicial, acarreta a ilicitude da prova. (RHC 150.343-GO, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por maioria, julgado em 15/8/2023.)
CLIPPING JURÍDICO # 02 (12 a 18/8/2023)
LEGISLAÇÃO
Decreto Nº 18.410, de 2023 - Regulamenta o disposto nos arts. 12 e 12-A da Lei federal nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012, que estabelece regras para o serviço de utilidade pública de transporte individual de passageiros operado por táxi e dá outras providências.
JURISPRUDÊNCIA
Réu excluído da ação por ilegitimidade não tem direito a reembolso de honorários contratuais
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não é responsabilidade do autor da ação o ressarcimento dos honorários advocatícios contratuais pagos pelo réu que foi substituído no processo em virtude do reconhecimento de sua ilegitimidade passiva, na forma do artigo 338 do Código de Processo Civil (CPC). Segundo o colegiado, a consequência para o autor que fez a substituição do polo passivo, nessa hipótese, é ter de reembolsar eventuais despesas processuais da pessoa apontada indevidamente como ré, além de pagar ao advogado dela os honorários sucumbenciais arbitrados pelo juiz; porém, no conceito de "despesas", não se inclui o valor do contrato firmado com o procurador para apresentação da defesa. Na origem do caso, uma livraria em recuperação judicial ingressou com ação de despejo contra uma cafeteria, a qual alegou sua ilegitimidade. Feita a substituição do polo passivo, a livraria foi condenada a reembolsar as despesas tidas pela parte excluída e a pagar ao seu advogado honorários sucumbenciais de 3% do valor da causa, como prevê o parágrafo único do artigo 338 do CPC. Conceito de despesas inclui os gastos inerentes ao processo. Posteriormente, em ação de cobrança autônoma, a cafeteria alegou que a livraria também deveria arcar com os honorários contratuais, pois foi ela quem a forçou a contratar um advogado para se defender na ação de despejo. O pedido foi julgado procedente, mas o tribunal estadual reformou a sentença e afastou o pagamento dos honorários. No STJ, a relatora do recurso especial da cafeteria, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a condenação do vencido ao pagamento das despesas processuais e dos honorários de sucumbência se justifica pela necessidade de evitar que o vencedor tenha de suportar os gastos de um processo ao qual não deu causa. Conforme explicou, os artigos 84 e 85 do CPC impõem à parte vencida a responsabilidade de pagar os gastos intrínsecos ao processo. No entanto, aqueles realizados fora do processo, ainda que assumidos em razão dele, "não se incluem no conceito de despesas previsto no artigo 84 do CPC, motivo pelo qual nele não estão contidos os honorários contratuais, convencionados entre o advogado e o seu cliente, mesmo quando este vence a demanda". Precedentes são válidos para a hipótese de substituição do réu. A mesma interpretação, segundo a ministra, é válida para as "despesas" referidas no artigo 388 do CPC, as quais "devem ser apreciadas em harmonia com os demais conceitos do código, abrangendo as custas internas aos atos processuais, nos termos do artigo 84". Nancy Andrighi mencionou que a Corte Especial do STJ já concluiu, em julgamento sobre o alcance do artigo 85 do CPC (EREsp 1.507.864), que "cabe ao perdedor da ação arcar com os honorários de advogado fixados pelo juízo em decorrência da sucumbência, e não os honorários decorrentes de contrato firmado pela parte contrária e seu procurador, em circunstâncias particulares totalmente alheias à vontade do condenado". O entendimento desse e de outros precedentes do tribunal – finalizou a relatora – também é aplicável à hipótese de substituição do polo passivo disciplinada no artigo 338 do CPC, para limitar o reembolso às despesas realizadas dentro do processo e excluir o ressarcimento dos honorários advocatícios contratuais, "porquanto se trata de despesa extraprocessual de responsabilidade exclusiva da parte contratante". (REsp 2.060.972) – Fonte: site do STJ
Reconhecimento da Existência de Repercussão Geral - Tema 1.258 do STF
“à luz dos artigos 150, II, e 155, § 2º, inciso I, inciso II, a, inciso X, b, e inciso XII, c, da Constituição Federal, a manutenção do crédito de ICMS relativo às operações internas com combustíveis derivados de petróleo cujas posteriores saídas se dão por operações interestaduais sem a incidência do imposto.”
Reconhecimento da Existência de Repercussão Geral - Tema 1.260 do STF
“à luz dos artigos 5º, LIII, e 93, IX, da Constituição Federal, entendimento do Tribunal de origem de que (i) a omissão de doação de recursos a companhas eleitorais (caixa dois), tipificada como crime eleitoral no art. 350 da Lei 4.737/1965, possa também ser objeto de investigação sobre a existência de eventual ato ímprobo do agente público, quando praticado no exercício do cargo e para beneficiar o doador (Lei 8.429/1992, na redação da Lei 14.230/2021); e (ii) havendo indícios da prática de atos de improbidade administrativa, seria competente a Justiça estadual, e não a eleitoral, para processar e julgar a lide ajuizada, no caso, pelo Ministério Público”.
Reconhecimento da Existência de Repercussão Geral - Tema 1.255 do STF
“à luz dos artigos 2º, 3º, I e IV, 5º, caput, XXXIV e XXXV, 37, caput, e 66, § 1º, da Constituição Federal, a interpretação conferida pelo Superior Tribunal de Justiça ao art. 85, §§ 2º, 3º e 8º, do Código de Processo Civil, em julgamento de recurso especial repetitivo, no sentido de não ser permitida a fixação de honorários advocatícios por apreciação equitativa nas hipóteses de os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda serem elevados, mas tão somente quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo (Tema 1.076/STJ)."
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Ação de busca e apreensão. Alienação fiduciária em garantia. Comprovação da mora. Notificação extrajudicial com Aviso de Recebimento (AR). Envio no endereço do devedor indicado no instrumento contratual. Suficiência. Tema 1132. Para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento, quer seja pelo próprio destinatário, quer por terceiros. […] Por fim, frisa-se que essa conclusão abarca como consectário lógico situações outras igualmente submetidas à apreciação deste Tribunal, tais como quando a notificação enviada ao endereço do devedor retorna com aviso de "ausente", de "mudou-se", de "insuficiência do endereço do devedor" ou de "extravio do aviso de recebimento", reconhecendo-se que cumpre ao credor demonstrar tão somente o comprovante do envio da notificação com Aviso de Recebimento ao endereço do devedor indicado no contrato. (REsp 1.951.662-RS, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. para acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, por maioria, julgado em 9/8/2023. (Tema 1132). REsp 1.951.888-RS, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. para acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, por maioria, julgado em 9/8/2023 (Tema 1132).)
DIREITO PENAL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - Armazenar e compartilhar imagens e vídeos de pornografia infantil. Arts. 241-A e 241-B do ECA. Princípio da consunção. Inaplicabilidade. Condutas autônomas. Concurso material de crimes. Tema 1168. Os tipos penais trazidos nos arts. 241-A e 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente são autônomos, com verbos e condutas distintas, sendo que o crime do art. 241-B não configura fase normal, tampouco meio de execução para o crime do art. 241-A, o que possibilita o reconhecimento de concurso material de crimes. (REsp 1.971.049-SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por maioria, julgado em 3/8/2023, DJe 8/8/2023. (Tema 1168); REsp 1.970.216-SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por maioria, julgado em 3/8/2023, DJe 8/8/2023; REsp 1.976.855-MS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por maioria, julgado em 3/8/2023, DJe 8/8/2023.)
DIREITO TRIBUTÁRIO - Execução Fiscal. Alienação do bem após a inscrição em dívida ativa. Eficácia vinculativa do acórdão proferido no REsp 1.141.990/PR. Fraude à execução configurada. Inaplicabilidade da Súmula 375/STJ. Fraude à execução. Presunção absoluta.
Considera-se fraudulenta a alienação, mesmo quando há transferências sucessivas do bem, feita após a inscrição do débito em dívida ativa, sendo desnecessário comprovar a má-fé do terceiro adquirente. (AgInt no AREsp 930.482-SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 8/8/2023.)
DIREITO PENAL - Estupro de vulnerável. Dosimetria. Continuidade delitiva. Imprecisão do número de crimes. Majoração de incidência da causa de aumento. Patamar máximo. Possibilidade. Nos casos de estupro de vulnerável praticado em continuidade delitiva em que não é possível precisar o número de infrações cometidas, tendo os crimes ocorrido durante longo período de tempo, deve-se aplicar a causa de aumento de pena no patamar máximo de 2/3. (Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 8/8/2023.)
CLIPPING JURÍDICO # 01 (05 a 11/8/2023)
LEGISLAÇÃO
Lei Complementar Nº 199, de 2023 - Institui o Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias; e dá outras providências.
Lei nº 14.646, de 2.8.2023 - Confere ao Município de Lagoa Dourada, no Estado de Minas Gerais, o título de Capital Nacional do Rocambole.
Decreto Nº 11.615, de 2023 - Regulamenta a Lei n. 10.826, de 22.12.2003, para estabelecer regras e procedimentos relativos à aquisição, ao registro, à posse, ao porte, ao cadastro e à comercialização nacional de armas de fogo, munições e acessórios, disciplinar as atividades de caça excepcional, de caça de subsistência, de tiro desportivo e de colecionamento de armas de fogo, munições e acessórios, disciplinar o funcionamento das entidades de tiro desportivo e dispor sobre a estruturação do Sistema Nacional de Armas - Sinarm.
JURISPRUDÊNCIA
STJ TESE FIRMADA: “Os tipos penais trazidos nos artigos 241-A e 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente são autônomos como verbos e condutas distintas, sendo que o art. 241-B não configura fase normal, tampouco meio de execução para o crime do art. 241-A, o que possibilita o reconhecimento de concurso material de crimes.” (REsp 1.971.049, 1.976.855 e 1.970.216)
SUGESTÃO DE TESE (PENDENTE DE PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO): A comprovação da mora se opera com envio e recebimento de notificação extrajudicial no endereço indicado no contrato, dispensada a assinatura no aviso de recebimento seja ou não do devedor (artigo 2º, parágrafo 2º do Decreto-Lei 911/1969). (REsp 1.951.662, REsp 1.951.888)
AFETAÇÃO – RECURSOS REPETITIVOS:
"Possibilidade de aplicação da fração máxima de majoração prevista no art. 71, caput, do Código Penal, nos crimes de estupro de vulnerável, ainda que não haja a indicação específica do número de atos sexuais praticados". (ProAfR no REsp 2.029.482-RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 20/6/2023, DJe 29/6/2023 (Tema 1202). REsp 2.050.195-RJ)
“Definir se a oferta de seguro-garantia ou de fiança bancária tem o condão de suspender a exigibilidade de crédito não tributário". (ProAfR no REsp 2.037.317-RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 20/6/2023, DJe 30/6/2023 (Tema 1203). REsp 2.007.865-SP, REsp 2.037.787-RJ, REsp 2.050.751-RJ)
“Definir se as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores ou, ainda, dos sucessores, à escolha do credor" (ProAfR no REsp 1.953.359-SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado em 27/06/2023, DJe 30/06/2023 (Tema 1204). REsp 1.953.359-SP)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Honorários de sucumbência. Apreciação equitativa. Impossibilidade. Excepcionalidade não configurada. Consonância da decisão agravada com jurisprudência desta Corte. Tema n. 1.076/STJ. Liquidação de sentença. Litigiosidade. Execução individual de sentença proferida em mandado de segurança. Honorários advocatícios. Cabimento.
Incide a regra geral do art. 85, § 1º, do CPC, que autoriza o cabimento dos honorários de sucumbência na fase de cumprimento, quando a liquidação ostentar caráter litigioso. Segundo orientação consolidada nesta Corte Superior, firmada sob o rito dos recursos repetitivos, no julgamento dos Recursos Especiais n. 1.850.512/SP, 1.877.883/SP, 1.906.623/SP e 1.906.618/SP - (Tema n. 1.076), a fixação de honorários sucumbenciais por apreciação equitativa somente é admitida em casos excepcionais, notadamente quando o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório, ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo. Sendo assim, nas causas de elevada monta em que for vencida a Fazenda Pública, o julgador deve observar os percentuais previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC/2015. O art. 85, § 1º, do CPC regulou as exatas hipóteses de fixação da verba honorária, não contemplando a fase de liquidação de sentença por se tratar de procedimento que tem por finalidade a definição do montante devido para possibilitar a satisfação do título judicial. Todavia, a jurisprudência consolidou o entendimento de que, constatada a litigiosidade na liquidação, a efetiva sucumbência da parte implicará sua condenação nas verbas sucumbenciais. No caso, o Tribunal de origem consignou expressamente que a fase de liquidação de sentença se revestiu de caráter litigioso, o que autoriza a fixação da verba sucumbencial, nos termos do entendimento jurisprudencial desta Corte Superior. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça já consolidou a orientação de que "a aplicação do art. 25 da Lei n. 12.016/2009 restringe-se à fase de conhecimento, não sendo cabível na fase de cumprimento de sentença, ocasião em que a legitimidade passiva deixa de ser da autoridade impetrada e passa ser do ente público ao qual aquela encontra-se vinculada. Mostra-se incidente a regra geral do art. 85, § 1º, do CPC, que autoriza o cabimento dos honorários de sucumbência na fase de cumprimento, ainda que derivada de mandado de segurança" (AgInt na ImpExe na ExeMS n. 15.254/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 29/3/2022, DJe 1º/4/2022). Portanto, tratando-se de liquidação individual de sentença decorrente de ação coletiva, é devida a verba honorária, ainda que proveniente de ação mandamental, a teor do disposto na Súmula n. 345/STJ. (AgInt no AgInt no REsp 1.955.594-MG, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 29/5/2023, DJe 6/6/2023)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Gratuidade de justiça. Ação proposta por menor. Exame do direito ao benefício da gratuidade à luz da situação econômica dos genitores. Impossibilidade. Natureza jurídica personalíssima. Pressupostos que devem ser preenchidos pela parte requerente. A representação da criança ou adolescente por seus pais vincula-se à incapacidade civil e econômica do próprio menor, sobre o qual incide a regra do art. 99, § 3º, do CPC/2015, mas isso não implica automaticamente o exame do direito à gratuidade com base na situação financeira dos pais. O propósito recursal consiste em definir se é admissível condicionar a concessão da gratuidade de justiça a menor à demonstração de insuficiência de recursos de seu representante legal. O CPC/2015, ao tratar do tema, estabelece que "a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei" (art. 98). Isto é, o direito à gratuidade de justiça é previsto em termos amplos e abrangentes. Embora a regra do art. 99, § 6º, do CPC/2015 limite-se a enunciar que o benefício não é automaticamente extensível ao litisconsorte, tampouco é automaticamente transmissível ao sucessor, é da natureza personalíssima do direito à gratuidade que os pressupostos legais para a sua concessão deverão ser preenchidos, em regra, pela própria parte, não por seu representante legal. Em se tratando de direito à gratuidade de justiça pleiteado por menor, é apropriado que, inicialmente, incida a regra do art. 99, § 3º, do CPC/2015, deferindo-se o benefício ao menor em razão da presunção de insuficiência de recursos decorrente de sua alegação. Fica ressalvada, entretanto, a possibilidade de o réu demonstrar, com base no art. 99, § 2º, do CPC/2015, a ausência dos pressupostos legais que justificam a concessão da gratuidade, pleiteando, em razão disso, a revogação do benefício. Essa forma de encadeamento dos atos processuais privilegia, a um só tempo, o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal), pois não impede o imediato ajuizamento da ação e a prática de atos processuais eventualmente indispensáveis à tutela do direito vindicado, e o princípio do contraditório (art. 5º, LV, da CF), pois permite ao réu que produza prova, ainda que indiciária, de que não se trata de hipótese de concessão do benefício. Mais recentemente, com amparo, também, no caráter personalíssimo do benefício da gratuidade de justiça, este órgão julgador decidiu que a condição financeira do cônjuge não obsta, por si só e necessariamente, o deferimento do benefício da gratuidade da justiça, sendo necessário verificar se a própria parte que o requer preenche os pressupostos específicos para a sua concessão (REsp 1.998.486/SP, Terceira Turma, julgado em 16/8/2022, DJe 18/8/2022). Assim, é imperioso concluir que o fato de o representante legal da parte auferir renda não pode, por si só, servir de empecilho à concessão da gratuidade de justiça ao menor, que figura como parte no processo. (REsp 2.055.363-MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 13/6/2023, DJe 23/6/2023)
DIREITO CONSTITUCIONAL, EXECUÇÃO PENAL - Indulto. Interpretação sistêmica do art. 5º e do art. 11 do Decreto n. 11.302/2022. Definição de patamar máximo de pena (seja em abstrato ou em concreto) resultante da soma ou da unificação de penas como requisito a ser observado na concessão do indulto. Inexistência. A melhor interpretação sistêmica da leitura conjunta dos arts. 5º e 11 do Decreto n. 11.302/2022 é a que entende que o resultado da soma ou da unificação de penas efetuada até 25/12/2022 não constitui óbice à concessão do indulto àqueles condenados por delitos com pena em abstrato não superior a 5 (cinco) anos, desde que (1) cumprida integralmente a pena por crime impeditivo do benefício; (2) o crime indultado corresponda a condenação primária (art. 12 do Decreto); e (3) o beneficiado não seja integrante de facção criminosa (parágrafo 1º do art. 7º do Decreto). (AgRg no HC 824.625-SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 20/6/2023, DJe 26/6/2023)
EXECUÇÃO PENAL - Execução penal em regime aberto. Cumprimento ficto da pena. Atestado médico. Entendimento da Terceira Seção no Tema 1120. Aplicação por analogia. O tempo em que o apenado esteve afastado das suas obrigações no regime aberto, sob atestado médico, pode ser computado como pena efetivamente cumprida. (AgRg no HC 703.002-GO, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 12/6/2023, DJe 15/6/2023)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - CEMIG - FATURA ÚNICA CONTENDO DUAS OBRIGAÇÕES DIFERENTES - PAGAMENTO DA ENERGIA CONSUMIDA E SANÇÃO CONTRATUAL APLICADA À FATURA ANTERIOR - MULTA DISCUTIDA EM AÇÃO JUDICIAL PRÓPRIA - RECUSA DA CONCESSIONÁRIA AO RECEBIMENTO DO VALOR DEVIDO A TÍTULO DE ENERGIA CONSUMIDA - ART. 335, I, DO CÓDIGO CIVIL - CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - CABIMENTO.
- Nos termos do art. 335, I, do Código Civil, a consignação em pagamento tem lugar ``se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento''. Tratando-se de fatura única emitida pela Cemig, contendo duas obrigações diferentes, uma relativa à energia elétrica efetivamente consumida pela apelante, com a qual a recorrente concorda e deseja obter a quitação, e outra relativa à sanção contratual, objeto de discussão em ação judicial própria, e tendo a concessionária se recusado a receber o pagamento relativo à obrigação incontroversa, relativa ao consumo de energia, mostra-se cabível o ajuizamento da ação consignatória, com vistas a afastar os efeitos do inadimplemento de tal obrigação. (Apelação Cível Nº 1.0000.23.012338-2/001 - Comarca de Arinos - Apelante: Supermercado Comac Ltda. - Apelada: Cemig Distribuição S.A. - Relator: Des. Edilson Olímpio Fernandes)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO - EVASÃO DE PACIENTE DE UNIDADE DE PRONTO ATENDIMENTO - MORTE POR AFOGAMENTO - ATO ILÍCITO - AUSÊNCIA - NEXO CAUSAL - INEXISTÊNCIA - TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA - RECURSO DESPROVIDO
- O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 841.526 (Tema nº 592), em regime de repercussão geral, definiu que a responsabilidade civil do Estado por atos omissivos se rege pela teoria do risco administrativo, sendo subjetiva apenas quando se tratar de omissões genéricas do poder público. Por outro lado, verificada a omissão específica, em que o poder público ostenta o dever legal específico de agir para impedir o evento danoso, a responsabilidade é objetiva, seguindo-se a regra geral do art. 37, § 6º, da CF/88, tal como ocorre nos atos comissivos.
- A incapacidade relativa dos ébrios habituais (art. 4º, II, do Código Civil) deve ser declarada em sentença de interdição, em ação judicial própria, de procedimento especial (art. 747 e seguintes do CPC), não bastando a mera constatação da dependência de álcool e outras drogas. Até que a interdição seja declarada em sentença, o etilista é capaz para todos os atos da vida civil, inclusive no tocante à autodeterminação em se submeter, ou não, a determinado tratamento médico, nos termos do art. 15 do Código Civil.
- No âmbito do Direito Civil e Administrativo, adotou-se a Teoria da Causalidade Adequada e do Dano Direto e Imediato (art. 403 do Código Civil), no sentido de que o nexo de causalidade, como pressuposto da responsabilidade civil, é mais bem aferido, no plano jurídico-normativo, quando a ocorrência de determinado fato idôneo ou adequado, por si só, torna provável o dano.
- Considerando que o Município réu, mesmo diante da inversão do ônus probatório, logrou êxito em demonstrar a inexistência de ato ilícito omissivo que lhe seja imputável, bem como de nexo causal, à luz da teoria da causalidade adequada, que pudessem justificar sua responsabilização pela morte do familiar dos autores, deve ser mantida a sentença que julgou improcedentes os pedidos indenizatórios. (Apelação Cível nº 1.0000.20.531076-6/002 - Comarca de Juiz de Fora - Apelantes: Bruno Rodrigues dos Santos, Cleuza Maria de Oliveira, Douglas Eduardo dos Santos - Apelado: Município de Juiz de Fora - Relatora: Des.ª Yeda Athias)